O Psicólogo Responde: Não gostar de dar-se com outras pessoas é fobia social?
Ilustração O Psicólogo Responde 19/03. Imagem: Adobe Stock

O Psicólogo Responde: Não gostar de dar-se com outras pessoas é fobia social?

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Alexandra Antunes
Membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Não, não é necessariamente fobia social e pode ou não ser um problema. É com certeza uma caraterística que se destaca quando crescemos e vivemos com a seguinte referência - “somos seres sociais”, por isso será importante que lhe prestemos atenção.

Reflitamos sobre a origem de duas palavras: introversão e timidez. A palavra “introversão”, do latim intra, significa “para dentro”, e vertere, “voltar, virar-se”, logo “virar ou voltar para dentro”. Então, quando nos referimos a pessoas introvertidas podemos, de forma simples, dizer que têm esta característica - preferem uma reflexão mais interna e privilegiam a relação consigo próprio ao invés do outro. Dito assim, parece ser uma opção, uma preferência, que advém de um traço de personalidade. A maioria das pessoas introvertidas são competentes socialmente, consegue estar em contextos sociais de forma descontraída e estabelecer relações. Porém, se puderem escolher, preferem estar sós, não obtêm muito prazer na relação com os outros.

Já a palavra “timidez”, do latim timidus, significa “aquele que tem medo”. Nestas circunstâncias, o meio e os outros são interpretados como uma “ameaça”, isto é, há medo de um julgamento negativo e, por consequência, receio de se expor e falhar. Esta interpretação desencadeia angústia e ansiedade levando, frequentemente, a que evitems interações sociais. A timidez é uma caraterística da personalidade que está frequentemente associada a sentimentos de menos valia, baixa auto-estima e insegurança.

Partindo desta distinção, podemos afirmar que “não gostar de dar-se com pessoas” pode ser um traço da personalidade que não implica sofrimento psicológico, nem impacta a vida do indivíduo, e por consequência, em muitos casos, não requer ajuda especializada. Aliás, pessoas com estas caraterísticas podem surgir numa consulta de psicologia por pressão do meio (ex: família) e não por necessidade do próprio. Nestes casos o pedido é do tipo: “a minha mãe insistiu para que viesse à consulta porque sempre fui uma pessoa que evita estar com amigos, não gosto muito de reuniões familiares, tenho os meus interesses e sinto-me bem sozinho…”. Quando explorada a história de vida verifica-se que é um traço que surgiu cedo no desenvolvimento pessoal. Tem pouco prazer nas relações, mas capacidade para interagir sem medo ou ansiedade. Normalmente não há preocupação com a crítica dos outros e podem ser pessoas seguras e com boa auto-estima.

É importante, contudo, referir que nem sempre esta característica significa apenas introversão. Entre o “normal” e o “patológico” há um espetro de sinais e sintomas a que todos devemos estar atentos. A dificuldade em relacionar-se com pessoas e o evitamento podem corresponder a uma ou mais perturbações mentais. Há  perturbações da personalidade e do desenvolvimento em que um dos critérios de diagnóstico é um défice nas interações sociais.

O “não gostar de dar-se com pessoas” também pode significar “prefiro não estar com pessoas ou tenho receio de estar com pessoas”. Nestes casos podemos estar perante um problema, que tendo em conta os sintomas e o desajuste emocional se designa por “perturbação de ansiedade social” ou fobia social. Esta perturbação carateriza-se por um medo ou ansiedade intensa na exposição a interações sociais, associados ao escrutínio dos outros. A ansiedade manifesta-se muitas vezes através de sensações físicas como palpitações, rubor fácil, dificuldades de expressão (gaguejar), tremores, aperto no peito e é quase sempre acompanhada por pensamentos negativos “não sou capaz…está toda a gente a olhar para mim… não sei o que dizer… as pessoas não gostam de mim…”.

O desconforto nas interações sociais pode surgir em diversas fases do desenvolvimento do indivíduo e pode estar relacionado com caraterísticas da personalidade, como o exemplo da introversão e timidez, ou ser reativa a experiências de vida. Isto é, podemos estar perante uma pessoa que desde uma idade precoce teve dificuldades na relação com os outros, ou uma outra, que se relacionou sempre sem receio, mas que a determinado momento da sua vida se deparou com uma situação de bullying. Em ambas, há condições para o início de uma escalada para o evitamento e isolamento social que, posteriormente, poderá desencadear uma perturbação de ansiedade social.

Uma nova realidade tem surgido nos últimos 3 anos de pandemia e pós pandemia. Há um perfil de indivíduos, como referido acima, que nunca tiveram problemas na relação com os outros, mas que após o período de isolamento, imposto pela COVID, têm manifestado dificuldades no regresso aos convívios e evitam relações. Verbalizam uma sensação de perda de competências sociais e que sempre que estão com pessoas (para além de um grupo restrito e frequente) sentem elevada ansiedade que se manifesta num desconforto físico e psíquico. Surgem com queixas ansiosas e muitas vezes depressivas. Concluindo, as dificuldades na relação com os outros podem ou não ser um problema e, como tal, é essencial perceber o seu impacto no funcionamento do próprio e nos contextos onde está integrado. O indivíduo que não gosta de interagir com pessoas manifesta sofrimento psicológico? Tem outros sinais ou sintomas associados? Tem impacto na sua vida familiar, escolar ou profissional, causando problemas também nos outros? Estas são algumas questões que podem ajudar a perceber se uma pessoa com problemas no relacionamento social pode necessitar de ajuda de um profissional de saúde mental.

Sugestões

1. Pais e educadores devem estar atentos ao desenvolvimento das crianças e adolescentes para identificarem cedo problemas relacionais. Um diagnóstico e intervenção especializada precoce pode evitar ou minimizar o impacto de uma perturbação grave.

2. Identifique e valorize mudanças comportamentais – “sempre gostei de sair para jantar e estar com amigos e desde há algum tempo que sempre que vou me sinto muito desconfortável”, é apenas um exemplo, mas deve ser alvo de atenção, nomeadamente quando surgem sinais de ansiedade e tristeza.

3. Se tem problemas relacionais recorrentes na família, na escola ou trabalho, em especial quando se manifestam em conflitos frequentes, sensação de incompreensão por parte dos outros, dificuldades de empatia e quando se prolongam no tempo, devem ser valorizados.


4. Sempre que há dúvidas sobre determinados comportamentos ou emoções é essencial pedir ajuda de um profissional especialista em saúde mental, esta será a pessoa indicada para validar o que sente e pensa e para sinalizar a necessidade de tratamento. A identificação precoce de um problema ou dificuldade é essencial para a eficácia e sucesso da intervenção e reversão dos sintomas.

 

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