O Psicólogo Responde: Devemos corrigir os esquecimentos de uma pessoa com Alzheimer?
Alzheimer

O Psicólogo Responde: Devemos corrigir os esquecimentos de uma pessoa com Alzheimer?

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Telma Miranda
Psicóloga e assessora do Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Para responder a esta pergunta é fundamental entendermos o que é a Doença de Alzheimer e como ela afeta a nossa memória. 

Voltando um pouco atrás, Demência é o termo que utilizamos para descrever uma série de sintomas que comprometem a independência da pessoa e a sua capacidade de realizar tarefas do dia-a-dia, podendo incluir a perda de funções cognitivas e competências sociais, alterações de humor e de comportamento. A Demência pode ser causada por várias doenças, sendo a Doença de Alzheimer a forma mais comum de Demência.   

Nem todos os esquecimentos significam que a pessoa tem Doença de Alzheimer, mas a perda de memória é um dos mais conhecidos e evidentes sintomas desta Doença (embora não seja o único). A instalação da doença é gradual e o impacto na memória varia de acordo com a fase em que se encontra.  

Numa fase inicial, os primeiros sinais podem incluir esquecimentos de eventos recentes, como esquecer conversas ou compromissos. A pessoa pode ter dificuldade em lembrar-se de nomes de pessoas que encontra regularmente e pode perder objetos, como chaves ou carteira ou colocá-los em lugares inusitados, como o frigorífico, por exemplo. Na fase moderada, o esquecimento pode começar a afetar memórias mais antigas e a pessoa pode esquecer-se de eventos importantes da sua vida. Desorientar-se no tempo e no espaço também pode acontecer, levando a episódios em que se perde em lugares familiares ou em que tem dificuldade em lembrar-se do mês ou do ano atual. As rotinas diárias, como tomar medicamentos ou preparar refeições podem tornam-se mais difíceis de realizar sem apoio. Na fase avançada, o esquecimento torna-se mais profundo. A pessoa pode não reconhecer familiares próximos, como os filhos ou o conjugue, e pode perder a memória de aspectos da sua própria identidade, como o seu nome ou onde vive. Em alguns casos, pode ter dificuldade em lembrar-se de como realizar tarefas motoras simples como usar talheres ou vestir uma peça de roupa e pode passar a precisar de apoio em atividades mais básicas como comer ou fazer a sua higiene.  

No fundo, à medida que a doença progride, os esquecimentos iniciais evoluem para uma deterioração severa da memória, afetando profundamente a vida diária e a autonomia da pessoa. 

Perante os esquecimentos, é compreensível que possa surgir a tentação de corrigir os erros da pessoa, contudo, levanta-se a questão: “Devemos corrigir os esquecimentos de uma pessoa com Alzheimer?”  

A resposta a esta pergunta requer a compreensão de que corrigir e discutir com a pessoa não vai atrasar a evolução da demência, nem o contrário irá fazê-la agravar-se.  

Nas fases iniciais da doença, a pessoa tem consciência das suas dificuldades de memória. Para ela, estas correções funcionam como pequenos lembretes que podem ser dolorosos e frustrantes. Numa fase mais avançada, as correções podem causar confusão, frustração, agitação e angústia. 

Embora a memória seja afetada, as emoções permanecem. Isto significa que, mesmo que a pessoa com Alzheimer não se lembre do que lhe foi dito, ela ainda pode sentir tristeza, raiva ou confusão quando confrontada com correções constantes. Além disso, insistir na correção, pode alimentar um ambiente mais hostil e agitado, onde a pessoa se sente julgada e menos disposta a interagir.  

Assim, empatizando profundamente com a vivência da pessoa, devemos sempre responder com gentileza, empatia, paciência e compreensão.  

ENTÃO, O QUE PODEMOS FAZER PERANTE OS ESQUECIMENTOS DA PESSOA COM ALZHEIMER?  

Cultivar a paciência. A perda de memória pode não ser consistente e em alguns momentos não fazer sentido para quem observa.  Poderá perguntar-se porque é que um dia a pessoa consegue lembrar-se com clareza de detalhes sobre o seu casamento e no momento seguinte esquecer-se de que é casada. Mas esta flutuação é comum. Se a pessoa volta a repetir uma pergunta que acabou de responder, o melhor a fazer é agir como se estivesse a ouvi-la pela primeira vez.  

Usar referências ao tempo, a pessoas e espaços. Mencionar frequentemente nomes de pessoas ou locais reforça o reconhecimento, evitando confusões. Por exemplo: “Hoje a sua prima Maria vem visitar-nos”. Já referências temporais como "depois do almoço" ou "daqui a uma hora", situam a pessoa no tempo, facilitando a compreensão das atividades. Estas referências oferecem segurança, permitindo que a pessoa se sinta mais conectada à realidade e menos desorientada nas interações diárias. 

Usar estratégias compensatórias. Incentive a pessoa a usar um calendário, diário e/ou agenda para registar o dia em que se encontra, bem como eventos, aniversários, conversas ou visitas que recebe. Ainda outros recursos podem ajudar a gerir atividades quotidianas – por exemplo, caixas de comprimidos eletrónicas – ou evitar que a pessoa se perca – por exemplo, pulseira “Estou Aqui Adultos!” da PSP e dispositivos GPS.  

Usar lembretes visuais. Os lembretes visuais podem incluir imagens, palavras ou símbolos simples colocados em locais estratégicos, para ajudar a reforçar a memória e a orientação sem necessidade de supervisão constante. Por exemplo, podemos colocar na cozinha, junto ao frigorífico, uma imagem de um copo de água e a frase “BEBER ÁGUA” em letras grandes e coloridas, junto ao qual deixamos uma garrafa de água visível para facilitar o acesso à pessoa. 

Construir um Livro da Vida e/ou uma Caixa de Recordações. Considere construir, em conjunto com a pessoa, um livro com fotografias e informações sobre a sua história de vida e/ou uma caixa de recordações com objetos significativos para si (por exemplo, objetos de infância e outros relacionados com a sua atividade profissional e hobbies). 

Adaptar a casa. A pessoa pode esquecer-se da disposição da casa, do sítio onde guarda as coisas e, numa fase mais avançada, pode até nem reconhecer a própria casa. Pode colocar sinaléticas para ajudar a identificar as divisões, bem como etiquetar os armários com imagens sobre o seu conteúdo. 

E COMO PODEMOS COMUNICAR PERANTE OS ESQUECIMENTOS DA PESSOA COM ALZHEIMER?  

Manter um ambiente calmo. O tom de voz, a expressão facial e a linguagem não-verbal são tão importantes quanto as palavras. Falar de forma clara, tranquila e com frases curtas pode ajudar. Seja flexível e dê tempo à pessoa para responder. Sempre que for apropriado, utilize o toque para manter a atenção da pessoa e para comunicar afetos.  

Evitar dar ordens: Em vez de dizer à pessoa o que não pode fazer, diga-lhe aquilo que ela pode fazer. Por exemplo, se a pessoa começar a desorganizar a sala e a tirar os objetos do lugar, desafie-a a fazer algo em conjunto: “Pode ajudar-me a arrumar os livros na prateleira? Faz sempre faz isso tão bem!”.  

Não falar sobre a pessoa como se ela não estivesse presente: Mesmo que a pessoa tenha dificuldade em compreender todas as palavras, ela pode sentir-se excluída e desconfortável quando falamos dela na terceira pessoa. Antes, envolva-a na conversa, reconhecendo-a como parte ativa da interação.  

Não fazer perguntas que apelem à utilização da memória. Não fazer perguntas que exijam que a pessoa se lembre de algo reduz as possibilidades de frustração. Assim, em vez de perguntar “Lembra-se das férias do ano passado? Onde fomos?” pode optar por uma pergunta aberta que não tenha respostas certas ou erradas, como “Prefere passar férias no campo ou na praia?”.  

Validar emoções. Mais do que corrigir, validar os sentimentos da pessoa é uma abordagem mais eficaz. Isso significa reconhecer e aceitar a sua realidade, mesmo que esta seja diferente da nossa. Para além de evitar conflitos, esta abordagem oferece apoio emocional e promove um ambiente de segurança e tranquilidade.  Por exemplo, se a pessoa acredita que falou recentemente com alguém que já morreu, mais do que confrontá-la e desmenti-la, podemos responder com empatia e resgatar as emoções que podem estar por trás do que nos diz: “Parece que sente muito a falta dessa pessoa. Fale-me sobre ela”.  

Focar no bem-estar emocional da pessoa. Muitas vezes, é preciso fazer um balanço sobre “quão verdadeira” deve ser a nossa resposta. Tal não significa necessariamente mentir à pessoa, mas antes responder-lhe de forma a preservar o seu bem-estar e evitar que a resposta cause dor e sofrimento. Um bom exemplo deste balanço é quando alguém com demência acredita que um familiar próximo ainda está vivo. Se a pessoa não lhe perguntar diretamente, recordá-la desta perda pode ser muito perturbador e poderá voltar a esquecer-se, o que significa que ouve esta notícia vezes sem conta, sofrendo em todas as vezes como se fosse a primeira.  

Redirecionar. Em algumas situações, pode ser possível redirecionar gentilmente a atenção da pessoa sem a corrigir diretamente.  Por exemplo, se a pessoa estiver confusa sobre onde está ou o que está a fazer, inquietando-se como se estivesse atrasada para o trabalho, podemos subtilmente orientá-la face à realidade com frases como “Fique tranquilo/a, já terminou o seu trabalho por hoje e viemos aproveitar o bom tempo para dar uma caminhada juntos no jardim. Está um dia tão bonito não está?”.  

Ser criativo. Em momentos de maior agitação e confusão, a pessoa pode não reconhecer os seus familiares mais próximos, como o conjugue. Se residirem os dois, pode até em algum momento achar que a casa está a ser invadida por um estranho. Ao invés de confrontar e contrariar, tente sair de cena e regressar uns minutos mais tarde, mudando alguma coisa na sua imagem (por exemplo, soltar o cabelo, colocar ou retirar os óculos) e agindo com naturalidade e com uma atitude amigável para com a pessoa, como se o episódio não tivesse ocorrido.  

Em suma, na interação com a pessoa com Alzheimer, devemos responder às emoções, mais do que às palavras, evitando a correção dos seus esquecimentos. Muitas vezes, as emoções são mais facilmente acessíveis do que as memórias, pelo que esta abordagem humanizada facilita a conexão emocional e o bem-estar individual.  

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