O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt
A Joana foi expulsa do grupo do facebook, “STORM”, o grupo dos amigos que a acompanham desde a infância. Foram publicados alguns posts a difamarem-na. Diziam que era uma pendura, uma abusadora e que roubava. A ofensa sofrida foi imensa, a dor, a vergonha e a raiva apossaram-se de Joana. A injustiça das acusações tinha uma dimensão sem fim e acima de tudo não entendia o que se estava a passar. Durante três meses a Joana foi injuriada.
Esta é uma de muitas histórias de vítimas de cyberbullying.
Recordo as primeiras vezes que ouvi falar de cyberbullying, há muitos anos, quando ainda era algo ligado à ficção científica. Era uma possibilidade não real. Hoje, é uma realidade que tendemos a associar a crianças e a adolescentes, mas, na realidade, qualquer pessoa, em qualquer momento e em qualquer idade pode ser vítima. A Joana era uma empresária de 45 anos.
Muitos adultos, inteligentes, bonitos e capazes, como a Joana, são vítimas e custa-lhes muito reconhecer a fragilidade a que foram expostos, a facilidade com que aconteceu o assédio virtual. E, frequentemente, por vergonha e falta de reconhecimento muitos crimes das redes, muito mais graves do que o exemplificado, ficam por denunciar, como o caso do Tomás e do Luís, informáticos de 27 anos. Deprimiram através da manipulação de um “amigo” de jogo online, desenvolvendo sentimentos de culpa e de responsabilidade, com ideações suicidas.
O cyberbullying é uma forma de assédio que acontece no mundo cibernético, utilizando computadores, telemóveis e tablets. Enquanto o bullying tradicional acontece em ambientes físicos, como escolas ou locais de trabalho, o cyberbullying ocorre nas plataformas virtuais, como redes sociais, fóruns, jogos online, aplicativos de mensagens, e-mails, e outros espaços digitais onde as pessoas comunicam e interagem, estando apenas à distância de um click e de uma má intensão.
Trata-se de uma forma séria de abuso que envolve o uso de tecnologia para causar dano a alguém, para assediar, intimidar, humilhar ou ameaçar e, pelo facto de ser on-line, acaba por ter um maior alcance. Conteúdos ofensivos podem ser compartilhados instantaneamente com um grande número de pessoas e permanecer no espaço virtual por um tempo longo, o que aumenta o impacto psicológico sobre a vítima. Rapidamente as centenas de seguidores da Joana leram as acusações que lhe foram apontadas.
Muitas vezes, os agressores aproveitam o anonimato que a internet permite para intimidar ou assediar, o que torna mais difícil para a vítima perceber, identificar e confrontar o agressor, mas também poderá ser um conhecido, um suposto amigo, um ex-namorado/a.
O cyberbullying pode assumir diferentes formas, como o uso de mensagens agressivas, humilhantes ou ameaçadoras ou de mensagens que manipulam os sentires e criam desconforto e culpa; o espalhar informações falsas ou boatos maliciosos para prejudicar a reputação da vítima; deliberadamente excluir alguém de grupos online, como chats, listas de amigos ou jogos; compartilhar fotos, vídeos ou informações pessoais sem consentimento e criar perfis falsos ou piratear a conta de alguém para enviar mensagens ou postar conteúdos que possam prejudicar de alguma forma a vítima.
É um processo agressivo que pode começar de forma suave, sem que a vítima se aperceba do que está a prestes a acontecer. O agressor conquista um espaço de confiança em redor da sua presa que poderá começar por elogios. Só que esses elogios progridem para comentários nocivos relativos ao físico, ao psicológico, ao desempenho, às competências da pessoa visada, pondo-a constantemente em causa. O agressor é implacável.
Os danos psicológicos e emocionais do cyberbullying podem ser avassaladores, podendo provocar ansiedade, medos, depressão, inseguranças, stresse pós-traumático, isolamento social, comportamentos autodestrutivos, e até mesmo pensamentos suicidas. Poderá ter ainda impacto na saúde física (problemas digestivos, dores de cabeça, distúrbios na alimentação e no sono), no desempenho laboral, na vida pessoal e familiar. A Joana durante muito tempo sofreu de ansiedade generalizada e de medos irracionais. o Tomás apresentou uma depressão reativa e o Luís rapidamente ultrapassou os sentimentos de culpa e as ansiedades sentidas.
02
Como saber se está a ser vítima de cyberbullying?
Quando a agressão é direta, como no caso da Joana, a vítima rapidamente se apercebe. Mas nem sempre é assim tão simples pelo que se terá de tomar atenção a algumas alterações comportamentais (caso do Tomás). Poderão ser sinais o sentir-se triste, irritado, preocupado ou ansioso após interações online; o receber mensagens que provocam mau estar ou comentários ou mensagens ofensivos e negativos frequentes; o afastar-se de amigos e familiares devido a conversas online; a diminuição de concentração e produtividade; o evitar certas plataformas ou a alteração do comportamento quando está online.
Se há suspeita de assédio virtual, é fundamental agir rapidamente, procurar ajuda e denunciar. Poderão ser importantes a ajuda de amigos, familiares e profissionais. A Joana, antes de procurar ajuda profissional, conversou com amigos que a ajudaram a pensar e a tomar decisões. O Tomás procurou de imediato ajuda profissional.
Se está preocupado com a possibilidade de alguém estar a sofrer de cyberbullying, poderá ser importante oferecer o apoio e empatia. É importante a conversa aberta, sem julgamento, que proporcione um espaço seguro e, se necessário, incentivar a procura de ajuda profissional, como psicólogos, que poderão ajudar a lidar com as consequências emocionais e psicológicas do cyberbullying. Há situações em que se deve considerar diligências legais.
03
Como se proteger do cyberbullying?
Há pequenas ações que ajudam a proteger a saúde mental, a preservar a segurança online e a lidar com uma possível agressão digital.
É importante evitar expor informações pessoais nas redes sociais e actualizar, com regularidade, as configurações de privacidade.
Se for vítima, evite reagir impulsivamente. Apesar de sentir raiva ou tristeza, pense nas consequências de uma decisão menos apropriada. Antes de bloquear e denunciar os agressores, tente documentar tudo. Faça captura de ecrã de todas as mensagens, emails ou publicações, com registos de datas, horas e detalhes da interação. Essas evidências serão úteis se decidir tomar medidas legais e, a maioria das plataformas digitais tem políticas contra assédio e pode tomar medidas contra os agressores.
Adicione, à sua rede pessoal, apenas pessoas que conhece pessoalmente nas redes sociais. Crie um ambiente online seguro. A vida é uma constante aprendizagem e é fundamental o reaprender constante do uso das tecnologias de forma segura. Conecte-se com comunidades e grupos online que promovam ambientes seguros e evite locais virtuais tóxicos.
Se há situações on-line que estão a causar muito incomodo, deverá ser ponderada uma pausa temporária das redes, dedicando mais tempo a atividades que promovam o bem-estar físico e emocional, como praticar exercício físico, desenvolver algum hobby, fazer meditação, ler ou desenvolver outras formas de autocuidado.
Partilhar a experiência pessoal com alguém (amigo, membro da família ou colega) de confiança pode aliviar o stress e proporcionar apoio emocional. Se necessário poderá recorrer a um profissional de saúde mental para ajudar a lidar com os efeitos emocionais do cyberbullying, tal como o fizeram a Joana e o Tomás.
É importante a consciência de que todos somos possíveis vítimas e ser vítima de agressão online é uma experiência dolorosa e violenta que exige agir rapidamente, de forma eficaz, para proteger a saúde mental. Se necessário, deve-se procurar apoio e usar os recursos disponíveis para combater o assédio e restaurar a segurança interna. Psicoterapia e aconselhamento, suporte de amigos e familiares e, em alguns casos, intervenção legal, são passos importantes para superar os efeitos do cyberbullying.
VEJA TAMBÉM:
- Fazer dieta pode afetar a minha saúde mental?
- Crianças e adolescentes podem ter depressão grave?
- Ataques de pânico no trânsito. O que devo fazer?
- Como se deve lidar com o stress na tomada de decisões importantes?
- Qual o principal sinal de que um idoso está deprimido?
- Chorar por tudo e por nada é sinal de depressão ou pode ser apenas uma pessoa sensível?
- Um cão ou um gato podem ajudar a combater a ansiedade ou outras dificuldades e problemas de saúde psicológica?
- O medo é psicológico?
- Há vários tipos de ansiedade?
- Ter compulsão por doces é sinal de alguma carência emocional?
- Os ciúmes obsessivos são um distúrbio mental?
- O meu filho tem uma obsessão com a imagem?
- Engordar ou emagrecer rapidamente pode ser um sinal de um problema?
- Qual o efeito do álcool na saúde mental?
- Os castigos mais duros têm impacto bom ou mau no desenvolvimento mental da criança?
- O que no trabalho pode influenciar a nossa saúde mental?
- Ter choro fácil é sinal de que se tem predisposição para a depressão
- O que pode causar um ataque de pânico?
- A dor pode ser psicológica?
- Os videojogos em excesso podem causar problemas de saúde mental?
- Como gerir expectativas e resolver ambivalência? O exemplo do tempo de Páscoa
- Quando é que ter medo de doenças é um problema de saúde mental?
- O álcool pode causar problemas de saúde mental?
- Há mais crianças com défice de atenção?
- O uso exagerado do mundo digital pode ter impacto na saúde mental?
- Quais os sinais de que sou obcecado pelas limpezas?
- Como tratar uma pessoa que anda sempre irritada?
- Porque é que a comida pode ser uma compensação emocional?
- Como é que a autoestima interfere na saúde mental?
- Quando é que a falta de capacidade de concentração nos deve preocupar?
- O que se deve fazer para ser uma pessoa mais positiva?
- Como identificar que as crianças têm uma baixa autoestima?
- Como se preparar para envelhecer bem a nível psicológico?
- A ansiedade está "só na cabeça"?
- Pais ansiosos geram filhos ansiosos?
- Um relacionamento tóxico pode ter um impacto significativo na saúde mental de uma pessoa?
- Como lidar com o medo obsessivo de doenças?
- Como falar com as crianças sobre a guerra?
- Como a perda de um animal de estimação afeta a saúde mental do dono?
- A timidez excessiva pode ser fobia social?
- As crianças que nasceram na pandemia têm tendência para serem menos sociáveis?
- Levar muito tempo a tomar decisões é sinal de alerta?
- Como lidar com a raiva?
- A obsessão com a imagem pode ser um problema para a saúde mental?
- Como lidar com a perda do marido ou mulher?
- A saúde mental melhora no Verão?
- A depressão pode surgir do nada? Quais os sinais de alerta?
- Como é que as pessoas inseguras podem ganhar segurança?
- A alimentação pode influenciar a saúde mental?
- O divórcio pode causar depressão?
- Dificuldade em manifestar sentimentos é sinal de alerta?
- Pessoas tóxicas. Quais os sinais de alerta e os tratamentos?
- Qual o efeito do stress no bem estar mental?
- Durmo mal. Pode ser sinal de depressão e ansiedade?
- A relação das mães ou cuidadoras com os filhos influencia a saúde mental destes?
- Como lidar com a ansiedade financeira?
- O que esconde uma depressão?
- Como acabar com a baixa autoestima?
- Devemos falar sobre dinheiro com as crianças?
- Qual o impacto psicológico de um desgosto de amor?
- Andar sempre irritado é sinal de alerta?
- Qual o impacto que o sono tem na saúde menta