O Psicólogo Responde: Crianças e adolescentes podem ter depressão grave?
Depressão (Pexels)

O Psicólogo Responde: Crianças e adolescentes podem ter depressão grave?

Ana Isabel Lage Ferreira
Psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses 

Não sei o que se passa! 

Isola-se no quarto. Passa horas nas redes sociais. Adormece tardíssimo. Chega a casa e não fala com ninguém! Tudo lhe causa irritação e reage de forma agressiva, ou então cala-se e nem diz nada.  

Está sempre com dores de cabeça, ou de barriga ou com náuseas. Quase nunca quer sair de casa e parece que já nada lhe dá prazer.  

Se acompanha de perto o crescimento de crianças e adolescentes, seja na família ou na escola, e estes comportamentos lhe soam familiares ou lhe trazem preocupação, então fique por aí pois vamos falar de depressão: o que é, como se pode manifestar, como podemos avaliar a sua gravidade e o que podemos fazer para ajudar crianças e adolescentes a recuperarem a sua energia, vitalidade e trajetória saudável de desenvolvimento.  

O que é que é mesmo uma depressão? 

Nesta rubrica já se falou muito acerca de depressão, mas talvez não seja demais relembrar.  

A depressão é um dos quadros mais comuns na psicopatologia com um profundo impacto no funcionamento das pessoas. Emoções e pensamentos entram em ciclos repetidos de negatividade. A perceção de si fica distorcida e todos os erros são exageradamente considerados. Os comportamentos, sobretudo nas relações interpessoais, ficam empobrecidos. Com a prolongamento desse estado depressivo no tempo, a própria saúde física e a performance na escola podem ficar gravemente comprometidas. A satisfação com a vida perde-se.  

Este quadro parece tão grave que é difícil imaginá-lo numa criança ou num adolescente. E, de facto, é menos frequente que nos adultos, mas não impossível de encontrar nesta faixa etária. 

No mais recente relatório sobre o estado da saúde mental na União Europeia, a UNICEF aponta para 13% de jovens e crianças com menos de 19 anos com sinais de uma perturbação da sua saúde mental. Para crianças até aos 5 anos essa percentagem é bem menor e fica nos 2%. Dessas perturbações, a depressão aparece como ligeiramente menos frequente do que a ansiedade.  

Os sinais de depressão em crianças e adolescentes são diferentes dos adultos? 

Hoje, é largamente aceite que a depressão não é uma categoria, mas varia ao longo de um contínuo de gravidade. E quando comparados adultos com crianças e jovens, não há um consenso na classificação de sintomas e de diagnóstico. Se por um lado os níveis de incapacitação podem ser semelhantes, por outro a estrutura desenvolvimental dos mais jovens parece ser protetora. Ou seja, porque ainda não têm tão desenvolvidas as capacidades cognitivas, sócio-emocionais e até biológicas que sustentam os sintomas depressivos, então a sua gravidade pode ser menor. Também porque o próprio período de desenvolvimento pode ser em si reparador, na medida em que passam mais rapidamente por alterações de rotinas, de contextos, de pessoas com quem interagem, e até dos papéis que desempenham.  

O que é mais comum é aparecerem em crianças sinais mais somáticos (ex.: dores musculares ou de cabeça, falta de energia) e nos adolescentes é mais prevalente a perda de prazer e uma certa lentificação ou maior sonolência.   

O humor depressivo, que inclui a tristeza, o desânimo, baixa auto-estima, é o que aparece com mais frequência. E estes podem ser precisamente os primeiros sinais de alerta aos quais devemos ter atenção, pois se se mantiverem no tempo, podem constituir-se como um fator de risco para que um quadro de depressão se instale mais tarde.  

Sugestões 

Não ignore os sinais. Em crianças e adolescentes a habilidade em comunicar emoções e pensamentos é muitas vezes mais baixa e, por isso, a sua manifestação pode aparecer em forma de queixas somáticas. Não ignore estes sinais, sobretudo se se mantiverem ao longo de semanas e não existir uma causa física evidente.  

Registe alterações. Por vezes a proximidade diária impede-nos de perceber pequenas alterações que se vão instalando. Pode então ser útil algum tipo de registo das queixas, das dores, do tempo de isolamento, das alterações no comportamento para assim perceber melhor as variações ao longo do tempo. Outra possibilidade é comparar a sua perceção com a de outra pessoa que também seja próxima.  

Abra espaço para diálogo. Ainda que a comunicação de pensamentos e emoções possa não ser muito clara, procure acolher essa confusão. Aceite as diferentes manifestações de desconforto e dê espaço para que possam ser progressivamente clarificadas por si e pela criança ou adolescente.  

Procure um profissional de saúde. Seja da área da medicina ou da psicologia, esse profissional pode ajudar a discriminar e valorizar devidamente esses sinais distinguindo-os de outros problemas. Por vezes estes sinais confundem-se com perturbação de ansiedade ou outras condições médicas. Enquanto profissional terá também habilitação para definir um plano de intervenção e tratamento adequados.

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