O Psicólogo Responde: Como lidar com a depressão na relação conjugal?
Casal

O Psicólogo Responde: Como lidar com a depressão na relação conjugal?

Carla Rocha
Psicóloga e membro da direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de depressão.  

A depressão é caracterizada por um estado persistente de tristeza, perda de interesse ou prazer em atividades que antes eram apreciadas, e por uma série de outros sintomas emocionais, cognitivos e físicos. Afeta o humor da pessoa, a visão sobre a vida, o comportamento e até algumas funções corporais, tais como dormir, comer ou o próprio nível de energia.  

Não se trata apenas de uma "tristeza" passageira, um "dia mau", ou de preguiça, mas sim de uma condição mais profunda e prolongada, que pode durar semanas, meses ou até anos, afetando de forma significativa a vida da pessoa.  Embora sintomas como a tristeza persistente e perda de interesse sejam mais reconhecidos, a depressão pode também se manifestar através de irritabilidade, agressividade, comportamentos impulsivos, ansiedade, baixa da autoestima, pensamentos negativos, sensação de incapacidade ou culpabilidade, problemas em concentrar-se, pensar, recordar ou tomar decisões, podendo associar-se a outros problemas relacionados com o comportamento alimentar e com o consumo de substâncias. 

A depressão pode afetar homens e mulheres de maneiras diferentes, tanto em termos de prevalência como na forma como os sintomas se manifestam. É mais comum entre as mulheres, estudos mostram que as mulheres têm cerca de duas vezes mais probabilidade de serem diagnosticadas com depressão do que os homens, o que se deve a fatores hormonais, biológicos e sociais. Embora a prevalência da depressão seja menor nos homens, isso pode estar subestimado devido à menor probabilidade de os homens procurarem ajuda ou reconhecerem os sintomas emocionais como parte da depressão. 

A etiologia da depressão ainda não é completamente compreendida. Sabe-se que fatores biológicos, psicológicos e sociais desempenham um papel na causa da depressão e que esta surge quando uma vulnerabilidade, preexistente, da pessoa é despoletada por eventos stressantes na vida. Neste sentido, a depressão afeta os vários contextos de vida da pessoa, assim como esses contextos, pelas suas características, podem promover ou prevenir a depressão. É fundamental uma compreensão relacional da depressão.  

As relações mais significativas na vida adulta têm elevado impacto na saúde mental e emocional individual, sendo a relação amorosa a que detém maior capacidade de influência. Na vida adulta, o estilo de vinculação influencia a vivência das relações românticas, nomeadamente, na forma de lidar com conflitos, de manifestar a necessidade de proximidade ou autonomia, de expressar e receber afeto. Embora o estilo de vinculação seja estabelecido na infância, ele não é imutável. Relações significativas e experiências ao longo da vida podem ajudar a transformar esse padrão.  

Sue Jonhson dizia: “o amor é uma necessidade básica, como o oxigénio e a água”. Centenas de estudos mostram que ligações amorosas positivas são protetoras do stress e ajudam-nos a enfrentar os desafios e traumas da vida, assim como o apoio emocional consistente e os laços fortes com o/a parceiro/a reduzem a pressão arterial, fortalecem o sistema imunológico e reduzem a taxa de mortalidade por cancro e a incidência de doenças cardíacas. Por outro lado, a angústia conjugal aumenta 10 vezes o risco de depressão. 

O amor é a estratégia principal que o Ser Humano usa para a sua sobrevivência. No casal, segundo Sue Johnson, o “amor é um processo de afinação constante. De conexão, erro e má interpretação de sinais. De desconexão, reparo e de recuperação de uma conexão ainda mais profunda. É a dança do encontro, separação e reunião, minuto a minuto e dia a dia.” Quanto mais tempo os casais se sentem desconectados mais negativas se tornam as suas interações, originando uma espiral negativa de insegurança. Como Bowlby previu, há cada vez mais evidências de que os parceiros estão conectados por uma rede neural, numa influência mútua na fisiologia e na vida emocional um do outro.  

O risco da perda de conexão, do laço de amor, desencadeia um conjunto de resposta de medo. É como não conseguir sobreviver no mundo, pois somos animais sociais e precisamos de um “refúgio seguro” para agirmos no mundo com confiança. O distanciamento emocional, a crítica, os conflitos e a falta de apoio no casal vão promover sentimentos de vulnerabilidade e solidão, agravando os sintomas da depressão. 

SUGESTÕES

  • Compreenda o que é a depressão, procure informação fidedigna 

Uma melhor compreensão do que é a doença e como pode ser prevenida e tratada poderá ajudar a reduzir o estigma que lhe está associado, e compreender melhor o/a parceiro/a. 

  • O conforto físico comunica cuidado e apoio emocional 

O toque afetuoso, abraçar ou segurar as mãos do/a parceiro/a acalma o sistema emocional, promove segurança, intimidade e vínculo emocional no relacionamento. Libera oxitocina, também conhecida como a "hormona do amor", que além do conforto e segurança, aumenta a confiança e conexão. Reduz o stresse e a ansiedade. 

  • É Importante clarificar o objetivo do contacto físico 

Clarificar quando a aproximação física tem por objetivo o conforto emocional e não a procura de intimidade sexual. 

  • Critique menos 

O conforto emocional é o pilar central das relações saudáveis, em contraste direto com a crítica, que muitas vezes pode ser destrutiva para a conexão emocional entre casais. 

Para o/a parceiro/a que recebe a crítica, a mensagem implícita é muitas vezes de rejeição ou inadequação, o que pode desencadear sentimentos de vergonha, raiva ou abandono. 

  • Valide/dê importância aos sentimentos do/a parceiro/a 

Reconheça o sofrimento do outro sem tentar minimizá-lo ou solucioná-lo de imediato. Isso pode ajudar a pessoa deprimida a sentir-se compreendida e menos sozinha na sua experiência emocional. 

  • Encoraje e não pressione 

Por mais que deseje que os sintomas da depressão desapareçam rapidamente, é preciso reconhecer que a pessoa irá progredir ao seu ritmo próprio. 

  • Desenvolvam juntos escolhas de vida saudáveis 

Manter horas certas para deitar e levantar, evitar a ingestão de álcool ou consumo de tabaco, fazer exercício regularmente (ex: uma caminhada), adotar uma nutrição adequada (dieta mediterrânica), procurar o contacto com a natureza. 

  • Procure ajuda profissional 

A terapia de casal pode ajudar ambos a compreender o impacto da depressão na relação, a descobrirem novas formas de comunicação e a encontrarem maneiras de se conectarem emocionalmente, mesmo perante da depressão. 

O/A parceiro/a não deprimido também precisa de cuidar de si mesmo. Procurar apoio emocional, participar de atividades que tragam bem-estar e, em alguns casos, terapia individual pode ser importante. 

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