O Psicólogo Responde: Chorar por tudo e por nada é sinal de depressão ou pode ser apenas uma pessoa sensível?
Tristeza

O Psicólogo Responde: Chorar por tudo e por nada é sinal de depressão ou pode ser apenas uma pessoa sensível?

Filipe Moreira
Psicólogo e membro da direção da Delegação Regional Norte da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Quando o assunto é o choro, entramos numa atmosfera bem complexa do ser humano, especialmente para o adulto. Desde criança, sabemos que o choro manifesta estados de desconforto como a dor, fome ou, até, necessidades de carinho e afeto. A verdade é que o choro é das primeiras formas de comunicação, que quando o bebé pretende satisfazer alguma necessidade manifesta-a através do choro. Algo que, apenas nesta fase, consideramos bem adaptativo e funcional. 

Por sua vez, quando falamos de crianças, jovens e adultos, a história muda radicalmente. Desde a infância, somos ensinados que o choro deve ser evitado a todo o custo. Ainda hoje, e com o avanço da literacia, ouvimos pais e mães a dizerem que “chorar é feio”, “engole esse choro” e até algumas ameaças como “se não parares de chorar, vou-te bater para teres motivos reais para chorar”. A meu ver, isto acontece precisamente por ainda se associar o choro a emoções desagradáveis e altamente dolorosas, e/ou até por se sentir a necessidade de fugir dessas mesmas emoções. Muitos ainda acreditam, equivocadamente, que, se fingirmos e pararmos de chorar a emoção não existe. Uma crença altamente disfuncional, pois a emoção não desaparece. Na verdade, fica dentro de nós e vai aumentando a nossa angústia e sofrimento psicológico. 

Pela cultura e crenças estereotipadas, um adulto que chora é, muitas vezes, rotulado de imaturo ou de sensível, que, geralmente, é conotado a uma pessoa fraca. A maioria das pessoas tende a recriminar e a julgar o choro do adulto, por associar esta reação a um comportamento infantil e, por defeito, a uma pessoa mais imatura, como se ao crescermos não pudéssemos mais chorar. Repare-se que, se estivermos a falar de uma pessoa que se ri muito facilmente com histórias ou filmes, associamos a uma pessoa com características felizes ou extrovertidas, mas se estivermos a falar de uma pessoa que chore ou se comove muito, facilmente relacionamos a pessoas fracas ou tristes. E este é um paradigma que deve começar a mudar. Diferentemente da imaturidade socialmente esperada chorar exige muita coragem. Pessoas sensíveis permitem-se viver o momento e a própria fragilidade, sem pensar no que os outros possam pensar ou julgar, o que possibilita terem experiências emocionais amplificadas e, por isso, terem maiores níveis de ansiedade, medos mais intensos, mais preocupação, mas também maiores níveis de motivação, de foco, de empatia, de entusiasmo e de euforia. Se a pessoa, por exemplo, chora num casamento pode ter a capacidade de se colocar no lugar dos noivos, empatizando a conexão emocional daquele momento, mas também pode ficar comovida pela própria experiência trazer vivências internas de intensa emoção. Pode não ser sinal de patologia, mas sim de um traço da personalidade, que pode ser altamente adaptativo e funcional. Vale lembrar que o choro é uma resposta e, por isso, talvez possa ter que ver muito mais com a forma de se comunicar do que com a forma de sentir, o que deve tirar de vez o estigma de pessoa "sensível e fraca demais" àquela que chora muito. 

Quando se fala do choro, a tristeza é a primeira emoção a ser associada a esta reação. É importante começar a criar a ideia que o choro pode surgir por outras várias emoções como a raiva, o medo, a saudade ou até sentimentos de alegria. As lágrimas podem expressar não só tristeza, mas também a injustiça, frustração, alívio e uma sensibilidade e empatia perante outros. Chorar faz muito bem para saúde mental. Pode ser tanto uma forma de expressão de tristeza quanto de libertação de sentimentos engarrafados. Através do choro, libertamos a tensão acumulada e diminuímos dores emocionais. Quando nos emocionamos é natural que haja tendência para ter “uma lágrima no canto do olho”, pois estamos a experienciar um momento, ou um período mais prolongado que nos gera fortes emoções que “ativam” a necessidade fisiológica de as exteriorizar. Choramos quando perdemos um ente querido, quando estamos angustiados, com raiva, quando estamos doentes, seja física ou psicologicamente. Mas também choramos de alegria, de tanto rir. Chorar tem a função de gerir o nosso stress e fazer com que o corpo entre em homeostasia, ou seja, num equilíbrio psicofisiológico. Permite também aliviar a dor, funcionando como um analgésico natural e auxilia na recuperação do equilíbrio físico e emocional. Quando o choro é uma resposta à tristeza, possui ainda uma outra função assertiva, mostrar ao outro que precisamos de acolhimento e carinho. A vulnerabilidade que, às vezes, o choro transmite, pode indicar que precisamos de ajuda, e dependendo da situação, pode até mesmo salvar de algo pior. Apesar de nossa inabilidade emocional de querer uma resposta rápida, como se fosse uma pílula mágica, com a tristeza não funciona assim. A melhor forma de lidarmos com ela não é oferecer uma resposta imediata, até porque pode nem existir, mas, sim, oferecer cuidado e presença, como um abraço ou companhia. É importante começarmos a ampliar o conceito do choro para além do reflexo de uma pessoa imatura ou frágil. 

Note-se que, e quando o choro é uma reação bastante frequente, as “pessoas que choram por tudo e por nada”, este pode ser um sintoma de diversas condições físicas e/ou psicológicas. Focar-nos-emos, naturalmente, nas condições psicológicas. A tristeza e o choro estão fortemente correlacionados com várias perturbações, nomeadamente com a exposição prolongada ao stress e perturbações de humor, como a depressão e a ansiedade. Nestas condições, o choro funciona como se fosse uma balança do nosso organismo que quando o sofrimento psicológico atinge o pico máximo este vem regular, procurando manter o equilíbrio. Note-se que, as pessoas choram sempre por uma razão, geralmente provocada por um acontecimento que mexe com os seus sentimentos. Uma crise de choro que acontece, aparentemente, sem um motivo é um sinal de que algo não está bem. Quando associado a outros sintomas, deve ser observado com maior cuidado e atenção.  

 

Falando especificamente da depressão, se o choro constante vier acompanhado de um desânimo frequente, falta de vontade em se envolver em atividades que normalmente se envolvia ou lhe dava prazer, falta de vontade de sair de casa, pensamentos frequentes sobre a própria morte, então é melhor procurar ajuda. A depressão é uma perturbação em que se experiencia períodos prolongados de tristeza, insatisfação com a vida e/ou apatia. Como resultado desse estado de humor, a pessoa depressiva deixa de ter prazer em atividades pessoais, em hobbies e atividades laborais que antes eram consideradas interessantes. Os critérios de diagnóstico da depressão, além do fator de duração dos mesmos, incluem alterações do apetite, insónia ou hipersónia, falta de energia ou fadiga, baixa autoestima, escassa capacidade de concentração ou dificuldade em tomar decisões. Além disso, sentimentos de desesperança e até pensamentos suicidas. A tristeza é predominante no dia-a-dia e rapidamente pode ser notada por pessoas próximas. Na pessoa depressiva, a tristeza passa a ser parte da própria existência, o que leva a uma vontade de chorar por “coisas pequenas”, como situações quotidianas ou conversas casuais e a não encontrar motivos para esse choro. É bastante comum vermos em consulta pessoas que relatam sentir vontade de chorar por conversas, frases e situações acarretadas de pensamentos negativos, muitas vezes personalizados, ou seja, percecionados comos sendo para a própria pessoa. 

Note-se que, o que é normal para uma aranha, é o caos para uma mosca, que é fazer a teia. Por isso, vale lembrar que para sabermos se o choro é ou não critério para um diagnóstico, cada indivíduo deve promover e aumentar o autoconhecimento. Perguntar-se “Como eu estava nos últimos meses ou anos e como estou agora?”, “Aconteceu algo ultimamente para eu estar a chorar mais?” Este tipo de questões de autocomparação, comparando a pessoa apenas com ela própria no passado, ajuda na autorreflexão compassiva que pode levar a melhorar o sintoma ou a procurar ajuda especializada de um psicólogo. Independentemente da frequência que ocorrer, se prejudicar o funcionamento do quotidiano será melhor pedir ajuda. 

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Sugestões

O choro é uma das primeiras formas de se comunicar e tem um papel fundamental na regulação das nossas emoções. 

Avalie se chorar é algo da personalidade ou se é acompanhado de outros sintomas físicos e/ou emocionais, comprometendo a sua funcionalidade. Neste caso, pode se rum sinal de alerta. 

Evite o “não chores” ou “não fiques assim” para não invalidar as emoções. Pode ser um desafio não dizer nada, mas a simples presença e um silêncio compassivo podem fazer toda a diferença perante o outro. 

Respire profundamente. A vontade de chorar pode ser seguida pela respiração acelerada. Acalmar a respiração através da respiração profunda pode afastar ou diminuir a vontade de chorar. 

Faça exercício físico. O exercício físico tem melhorias significativas no bem-estar psicológico, quer no stress, ansiedade e depressão. São evidentes as melhorias biológicas e emocionais trazidas pelo exercício físico. 

Lembre-se que as crises de choro acontecem justamente para aliviar emoções. Não precisa de sentir vergonha ou se assustar. Procure pensar sobre o porquê de estar a chorar e, se não conseguir encontrar uma boa resposta, pode procurar ajudar de um psicólogo. 

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