“O descanso não tem preço. Mas, infelizmente, paga-se por ele”. Para Patrícia e Raquel, tirar férias fora de casa não é opção

“O descanso não tem preço. Mas, infelizmente, paga-se por ele”. Para Patrícia e Raquel, tirar férias fora de casa não é opção

Texto
Wilson Ledo

Repórter de Imagem
Rui Pereira

Edição de vídeo
Francisco Maia

Cerca de 2,5 milhões de portugueses entre os 18 e os 65 anos não têm capacidade para pagar uma semana de férias fora de casa. Depois da pandemia, o aumento do custo de vida tornou as contas de muitas famílias ainda mais difíceis. Ficar em casa é a única alternativa.

Santiago sorri no baloiço. Patrícia Cardoso, 34 anos, e Gonçalo Cunha, 31, vão-se revezando no embalo do filho. A tarde no parque, a poucos metros de casa, não poupa em sorrisos. Mesmo apesar das dificuldades. Desde que se casaram, Patrícia e Gonçalo nunca tiveram umas férias que considerem dignas desse nome. O filho mais velho chegou pouco depois do enlace. Por Madalena haviam de esperar mais uns anos. Mas, a cada alargamento, a família teve de se reinventar. Primeiro com o autismo de Santiago, hoje com quatro anos, depois com um tumor benigno de Madalena, de um ano.
  
“Há que fazer escolhas e estabelecer prioridades. E as prioridades na minha cabeça estão muito presentes: em primeiro lugar está o bem-estar deles”, resume Patrícia. Para esta professora, a profissão teve de ficar pendente. E, sem esse rendimento, todas as contas ficaram mais difíceis. As férias passaram a ser uma extravagância. “Há o facto de eu ser cuidadora e não estar a trabalhar fora. Mas também temos que ver que as coisas estão cada vez mais caras. É muito complicado para uma família. Acho mesmo que, se trabalhasse num ‘part time’ não seria muito diferente”.
  
O parque, nos arredores de Lisboa, é uma das opções para um dia de férias sem grandes custos. “O truque é aproveitar um bocadinho o que há à volta, sem a pressão do tempo. Mesmo uma ida ao parque é diferente. Podemos fazer um piquenique, passar um bocadinho mais de tempo”. Não impor as regras e os limites dos outros dias. Para barreiras, nestes dias, só mesmo as dos equipamentos, no caminho para o escorrega.
  
Mas o descanso nunca é pleno, mesmo quando Patrícia conta com a ajuda da mãe. É que o papel de cuidadora não tira férias. “É muito frustrante sentirmos que precisamos. Às vezes lembramo-nos: ‘Vamos tirar um fim de semana ao longo do ano’. Há famílias que não conseguem fazer isso. Nós não conseguimos. Pela parte financeira. Mas também pela parte da rede de apoio, que do nosso lado é muito complicada”.

“O truque é aproveitar um bocadinho o que há à volta, sem a pressão do tempo." As regras da família de Santiago e Madalena para umas férias sem sair de casa. Foto: DR

 

"Aprendi a viajar pelos olhos dos outros". 2,5 milhões de portugueses não conseguem pagar uma semana de férias fora de casa

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Os números de que ninguém quer fazer parte

São cerca de 2,5 milhões os portugueses entre os 18 e os 65 anos que não têm capacidade para pagar uma semana de férias fora de casa – e a maioria deles trabalha. Muitas famílias nesta situação optam por não falar com o receio de serem estigmatizadas.

Portugal é o sétimo país da União Europeia onde este cenário mais se repete, com 38% dos adultos entre os 18 e os 65 anos nesta situação, segundo os dados do Eurostat e da Confederação Europeia de Sindicatos. À frente ficam Roménia (56%), Grécia (53%), Croácia (49%), Chipre (49%), Bulgária (39%) e Hungria (39%).

“Precisamos mesmo de fazer paragens”, resume a psicóloga Estefânia Marques. O descanso é essencial para a saúde mental. E, sem ele, o risco de ansiedade é real. “Começa por aí e pode escalar para muitas outras situações”.

Por isso, é importante, mantendo o equilíbrio financeiro, desenvolver estratégias para, ao longo do tempo, ir assegurando o melhor nível de descanso possível.

Fica o alerta: não é só nas férias que se pode parar e aproveitar o que há de bom na vida. “Há estratégias que podem ser adotadas: dar um passeio, conhecer sítios perto da área de residência, fazer passeios em família ou a dois, fazer um desporto”, aponta Estefânia Marques. Resumindo: ser criativo com o que há à mão. Com a diferença de que, nas férias, há mais tempo para fazê-lo, sem pressas ou preocupações.

O espírito positivo é também uma das formas de evitar que as férias passadas em casa possam ser um motivo de ansiedade. A perspetiva deve passar por fazer planos, não desistir dos sonhos. “A lógica é: ‘Este ano não dá, talvez para o ano já consiga’. Ver sempre o copo meio cheio e não meio vazio. Embora seja difícil em muitas circunstâncias”.

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“As férias são a nossa cenoura”

Raquel e Marco Ribeiro, de 37 e 42 anos, trocaram os arredores de Lisboa por uma vida mais calma no campo. Uma freguesia de Tomar, no meio da serra, passou a ser o novo lar. A família cresceu e a vida aconteceu. Novos empregos, o segundo filho. A pandemia adiou a vontade de férias a quatro longe de casa. E, agora que esse passo podia ser dado, o orçamento não permite.

“É difícil, porque passámos um ano inteiro em que trabalhámos arduamente. Costumo dizer: é exatamente como um burro quando tem a cenoura à frente. As férias são a nossa cenoura. Vamos andar mais um ano e não vamos conseguir alcançar essa cenoura”, conta Raquel, que dá suporte técnico a partir da sala de casa.

Marco é comercial, faz quilómetros e quilómetros de estrada todos os dias. E é neles que vai descobrindo os locais mais próximos (e surpreendentes) para que a família possa descansar nestes dias de calor. Um dos preferidos, a menos de 15 minutos de carro, é a praia fluvial de Alqueidão. Com direito a toldos de palha e um pôr do sol que no Verão convida a ficar até mais tarde.

A praia fluvial de Alqueidão fica a menos de 15 minutos de carro da casa da família Ribeiro. Foto: DR

Em período de férias, as rotinas mudam, mesmo que o contexto seja o de sempre. O jantar é feito mais tarde, a hora de dormir pode ser adiada, até para os mais pequenos. Mas nunca se esquece o sonho de outras viagens. À volta da mesa, partilham-se os planos e as estratégias para lá chegar. O destino predileto de Matilde, a filha mais velha, com 10 anos, é a Disneyland em Paris. Bernardo, com dois anos, por agora, está mais entretido com os desenhos animados.

“Está tudo muito caro. Tentámos um parque de campismo, que é uma coisa que gostamos de fazer. Fica caríssima uma noite. Se pensarmos em quatro, fica quase tão caro como um hotel de cinco estrelas”, confessa Raquel. Santo António e Nossa Senhora de Fátima, ambos desenhados nos azulejos da cozinha, ouvem-lhe os queixumes. Quando chegou a esta casa, Raquel soube que era “a tal” assim que viu os santos.

A refeição é servida na cozinha do primeiro andar, junto ao terraço, onde não falta o barbecue a carvão e uma pequena piscina de plástico. “Há quem tenha uma casa de inverno e outra de verão. Nós temos uma cozinha de inverno e uma de verão”, brinca Marco.

“O descanso não tem preço. Mas, infelizmente, paga-se por ele”, resume Raquel.

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