Mesmo com o intensificar da guerra, os bailarinos na Ucrânia voltaram ao palco
Mesmo com o intensificar da guerra, os bailarinos na Ucrânia voltaram ao palco. Foto: Serhii Korovayny for CNN

Mesmo com o intensificar da guerra, os bailarinos na Ucrânia voltaram ao palco

Texto
Lauren Said-Moorhouse, Isa Soares, Madalena Araujo, Oleksandra Ochman

Fotografia
Serhii Korovayny/Redux for CNN

Na cidade ocidental ucraniana de Lviv, os habitantes tentam recuperar um sentido de normalidade, enquanto os combates se intensificam noutros pontos do país

Com o público à espera, ansiosamente, nos seus lugares, uma mensagem familiar ecoa pelo corredor. Esta lembra os espetadores para que desliguem os telemóveis e se deixem levar pela experiência.

Após isto, segue-se um aviso mais estranho. É dito à plateia: "Caro público, o nosso espetáculo será suspenso em caso de alerta de ataque aéreo. Os bailarinos e os espetadores devem dirigir-se para o abrigo antibombas situado no teatro.” Este aviso comovente relembra as pessoas de que esta não é uma noite normal no teatro.

Quando as luzes começam a escurecer, a orquestra começa a tocar. Depois, aparece um bailarino vindo das alas do palco.

A 24 de fevereiro, a Ópera Nacional de Lviv foi forçada a fechar as suas portas, quando a Rússia lançou um ataque violento e sem motivo à Ucrânia. Sexta-feira à noite, a Ópera recebeu, novamente, os apaixonados do teatro para a sua primeira apresentação.

A Ópera Nacional de Lviv reabre, na esperança de que a arte consiga ajudar a sarar as feridas provocadas pela guerra

"De uma maneira, ou de outra, a guerra afeta-nos a todos", diz, à CNN, o diretor artístico da Ópera, Vasyl Vovkun. "Entendemos que a luz deve derrotar a escuridão, assim como a vida deve derrotar a morte. A missão do teatro é reafirmar isso."

A cidade ocidental ucraniana de Lviv saiu quase ilesa dos ataques, apesar dos intensos combates terem destruído cidades noutros pontos do país. Milhares de civis em fuga passaram por esta cidade central, antes de viajarem para a vizinha Polónia e para outros países.

Para os que permaneceram nesta cidade resiliente, os moradores tentam aprender, lentamente, a viver com a guerra. Os cafés e restaurantes do centro da cidade tentam fazer negócio, as ruas estão cada vez mais repletas de tráfico pedestre e os moradores voltaram a dar passeios ocasionais nos parques.

Vovkun diz: “Proporcionar um lugar que ofereça algum tipo de consolo, no meio deste conflito, é a força motriz para que retomássemos os espetáculos.”

Uma criança espera que o espetáculo recomece após o intervalo. Fonte: Serhii Korovayny para CNN
Daryna Kirik, 21 anos, uma das bailarinas principais da Ópera de Lviv, prepara-se para o espetáculo. Fonte: Serhii Korovayny para CNN

 

Para começar, ele escolheu “Giselle”, um clássico do ballet. É uma peça, em dois atos, que conta a história de uma bela camponesa que morre, de forma precoce, depois de ser traída pelo homem que ama.

O ex-ministro da cultura e do turismo, de 64 anos, explica: "Giselle também tem todos os tons da alegria e da tristeza. De igual modo, há a morte e o triunfo do amor. Na realidade, nos dias de hoje, este é um tema importante. Mesmo quando ouvimos falar bastante sobre a morte, ainda esperamos, quer neste trabalho, quer na vida, que o amor e a vida ganhem."

Apesar de a sua escolha se ter revelado popular – e a prova disso é o facto de os bilhetes estarem esgotados - muitos dos lugares na plateia permanecem vazios.

Vovkun diz: "Apesar de só podermos aceitar 300 espetadores, uma vez que só conseguimos levar este número de pessoas para o abrigo, ainda assim esta é uma grande missão para nós. Dar algo ao público que o faça esquecer as notícias, neste momento difícil… Não há boas notícias na guerra. Ao verem esta obra de arte, neste período de guerra, as pessoas sentir-se-ão ressuscitadas a nível espiritual.”

O elenco do espetáculo faz os últimos preparativos antes de a cortina abrir. Foto: Serhii Korovayny para CNN

 

Fazer um bom espetáculo é crucial para os artistas do teatro. Horas antes da apresentação, a equipa de produção verificava, de forma redobrada, a iluminação, ao passo que os outros se certificavam de que cada detalhe no cenário estava perfeito.

Nas profundezas do teatro, os costureiros subiam e desciam as escadas, com os tutus na mão. Enquanto isso, os bailarinos misturavam-se ao longo dos corredores e os seus preciosos pés estavam protegidos por chinelos.

Uma funcionária prepara as roupas para a sessão da noite. Foto: Serhii Korovayny para CNN
O cantor de ópera Roland Marchuk prepara-se no seu camarim. Foto: Serhii Korovayny para CNN

 

De uma das salas de ensaio, uma voz mais grave ecoou pelas escadas, até às salas no último andar. Noutra parte do edifício, as bailarinas sentaram-se, enquanto os cabeleireiros tratavam dos seus cabelos antes de os alisarem e fixarem.

Maria Malanchyn, 68 anos, trabalha como maquilhadora na instituição cultural há cinco décadas. Ela diz à CNN que agora, mais do que nunca, a ópera é vital.

"Na minha opinião, a cultura deveria ser sempre obrigatória. Agora, mais ainda", explica. "Neste momento, temos muitas pessoas deslocadas. Por isso, é muito difícil para elas. Contudo, nós mostramos-lhes que a vida pode continuar."

  • Uma bailarina salta enquanto dança o ballet clássico "Giselle". Crédito: Serhii Korovayny para CNN
    Uma bailarina salta enquanto dança o ballet clássico "Giselle". Crédito: Serhii Korovayny para CNN
  • Os bailarinos preparam-se momentos antes do início do espetáculo. Crédito: Serhii Korovayny para CNN
    Os bailarinos preparam-se momentos antes do início do espetáculo. Crédito: Serhii Korovayny para CNN
  • Daryna Kirik e Olexandr Omelchenko apresentam o ballet "Giselle". Este é o primeiro espetáculo a ser exibido na Ópera Nacional de Lviv desde o início da guerra. Crédito: Serhii Korovayny para CNN
    Daryna Kirik e Olexandr Omelchenko apresentam o ballet "Giselle". Este é o primeiro espetáculo a ser exibido na Ópera Nacional de Lviv desde o início da guerra. Crédito: Serhii Korovayny para CNN

Daryna Kirik, 21 anos, desempenha o papel principal na peça "Giselle". Como muitos no país, a sua vida ficou suspensa pela guerra e pelos horrores de Bucha. Recentemente, foram encontradas valas comuns nesta cidade.

A solista diz: "Quando dançamos, abstraímo-nos do que está a acontecer. A maioria dos meus familiares está na zona de Kyiv. A minha mãe, avó e irmã sobreviveram à ocupação em Bucha. A minha mãe conseguiu sair de lá com os animais de estimação. Neste momento, ela está em segurança na Polónia e tenta recompor-se.”
Para Kirik, voltar ao palco deu-lhe um objetivo e uma oportunidade de expressar os seus sentimentos através da sua arte.

Ela diz que o que mais gosta quando interpreta a obra “Giselle é "o facto de ter a oportunidade de expressar as emoções na cena de loucura. Todas as emoções negativas que se acumulam, há muito tempo, podem fluir, juntamente com as emoções da personagem.”

Como parte da atuação, dois bailarinos abraçam-se. Crédito: Serhii Korovayny para CNN

Durante algumas horas, as pessoas são levadas para longe do caos da realidade. Cada salto, elevação e arabesco cativa o público.

O espetáculo dura apenas duas horas. No entanto, parece ter alcançado o seu propósito de elevar a moral do público presente.

"Depois de visitarmos este lugar, entendemos que a vida não pode ser derrotada. A nossa vida não pode ser bombardeada. Não pode ser destruída por mísseis, nem por armas químicas ou nucleares", diz Victoria Palamarchuk, uma jornalista de 50 anos. Presentemente, ela encontra-se com a família em Lviv, depois de ter deixado a sua casa na região central de Zhytomyr.

Com um sorriso acolhedor, a jornalista acrescenta: "A vida não pode ser derrotada enquanto existirem teatros, óperas e atuações de companhias de ballet. As pessoas não serão derrotadas enquanto vierem aqui e sentirem alegria com estes sons.

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