Alain, o “senhor francês” que viu ruir quase tudo, menos a imagem da santa
Jean- Luc (Tiago Palma)

Alain, o “senhor francês” que viu ruir quase tudo, menos a imagem da santa

Terça. dia 17 || Sernada, Águeda

Reportagem
Tiago Palma

Chamam-lhe só “o senhor francês”. Não é um emigrante regressado de França; é francês-francês. Que só fala francês, mas que se entende há sete anos com os de Sernada, aldeia de Águeda, com acenos de cabeça, alguma mímica e frases curtas. A tragédia abateu-se sobre o senhor francês, contam-nos, à laia de preocupação mas não maldizendo, no café da estação. “A mulher ‘tá doente, coitada, e agora a casa. [A casa?] Ardeu toda…”

A imagem da casa de Alain (Tiago Palma)
A imagem da casa de Alain (Tiago Palma)

A casa é junto do café. Pouco sobrara do incêndio que veio na manhã anterior. Sem telhado ou portadas, janelas ou paredes. Ruiu quase tudo. Uma imagem de santa continua pendurada.

O senhor francês é Alain. A mulher é Danielle. Alain aproxima-se logo com olhos marejados, a mulher acena distante, sorri breve, espreitando da ombreira da porta, e volta para dentro. A casa é de vizinhos, “que saíram para ficarmos à-vontade”, explica o homem. E explica aquela manhã fatídica: “Não estava por casa quando o fogo começou, a minha mulher, a Danielle, é doente oncológica e estávamos em tratamento. Quando chegámos, a casa já tinha pegado fogo. Só tive uns segundos para recolher coisas, sobretudo papéis. Tentei regar a casa de cinco em cinco minutos, mas os canos derreteram, fiquei sem água e o fogo já estava mesmo atrás da casa, o telhado já ardia. Resolvi virar costas e fugir. Era impossível continuar a lutar.”

O estado da cozinha de Alain (Tiago Palma)
O estado da cozinha de Alain (Tiago Palma)

Como aconteceu noutras histórias, Alain não voltou à casa que o fogo levou. Não por bloqueio emocional, antes por dever. “Depois, não pensei no fogo; pensei que não tinha recolhido os medicamentos da Danielle — e andei à procura deles em toda a parte, encontrei em Valongo. Valongo! Não voltei à nossa casa, portanto. Ainda não pude. Acho que não terá sobrado nada, não pode ter sobrado nada. Acabou”, já antecipa. Não sabe o que fazer, o autarca de Águeda já terá falado consigo, mas para já espera. De Sernada não pretende sair. A sair, quem sabe saia para a capital de distrito, Aveiro. “Quando me reformei, eu e a Danielle escolhemos Portugal, a reforma não é enorme, mas o custo de vida português é suportável e gostámos muito de Aveiro — faz-nos lembrar o Bassin d’Arcachon, em França. Tínhamos o suficiente para a casa, uma casa que é pequena, e comprámos. A irmã da Danielle também vive cá, vive no Cartaxo. Temos sobrinhos também. Gostamos muito de Portugal, receberam-nos tão bem.”

Não o fogo. “Em França nunca vivi um incêndio. Tempestades sim, árvores a caírem por todos os lados, mas fogo não. Cá, em Portugal, em sete anos já é a segunda vez. Da primeira o quintal ficou todo queimado. E desta vez foi a nossa casa.”

Alain, o senhor francês (Tiago Palma)
Alain, o senhor francês (Tiago Palma)
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