Imigração em Portugal: análise de um movimento em crescimento

O número de estrangeiros em Portugal está a aumentar a um ritmo nunca antes visto. Hoje, há mais de um milhão de imigrantes no nosso país, sendo que oito em cada 10 vêm de países fora da União Europeia. O Brasil está no topo da lista, mas a subir muito rapidamente neste ranking está a Índia e todos os países do subcontinente indiano, como o Paquistão, Bangladesh, Nepal e Butão. Mas apesar da procura pelo nosso país estar em crescendo, a entrada nem sempre é fácil: mais de 400 mil processos de imigração estão pendentes na AIMA em 2024.
Falámos das nacionalidades dos imigrantes em Portugal. Em termos demográficos, sabemos que mais de 80% dos estrangeiros residentes correspondem a população potencialmente ativa e o maior grupo tem entre 25 e 44 anos. Vivem e trabalham maioritariamente nos distritos de Lisboa, Faro e Setúbal. No ano passado, contribuíram com mais de 2,6 milhões de euros para a Segurança Social e tiveram benefícios que não chegam aos 500 milhões. Representam, por isso, um saldo positivo de mais de 2,1 milhões de euros.
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Contributos, desafios e o papel dos imigrantes no futuro do país
Mas há outros dados importantes a ter em conta, quando se fala de imigração. Sabemos que o país está cada vez mais envelhecido, e tendo em conta que os imigrantes que chegam ao nosso país estão maioritariamente em idade ativa e reprodutiva, são uma fonte de juventude. Aliás, de todas as crianças nas escolas portuguesas, 14% já são filhos de imigrantes, ou seja, mais de 140 mil crianças. E todos os partos ocorridos em Portugal no ano passado, mais de 20% eram referentes a mães estrangeiras.
Assim se demonstra que Portugal precisa da imigração para ter futuro – mas, para isso, é necessário lidar com as problemáticas que este movimento levanta. Pedro Góis, especialista em migrações e autor do Barómetro da Imigração, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, explica que “isto é um desafio a longo prazo, porque a integração não acontece de um dia para o outro. Acontece ao longo do tempo e há uma integração mútua. Nós, para acolhermos quem chega, também temos de mudar um bocadinho, e por isso, precisamos de mudar pouco a pouco”.
O especialista desenvolve esta necessidade de mudança e integração, esclarecendo que “já temos mudado em relação a outras comunidades que têm chegado, aprendemos a gostar de outras músicas e de outras gastronomias. Agora, com os novos grupos que estão a chegar, vamos fazer o mesmo caminho ao longo de muitos anos. Temos que fazer uma integração nos nossos valores democráticos, na nossa ciência, e na forma como, a partir deste extremo da Europa, olhamos para o mundo. E isto tudo vai ser feito por camadas, ou seja, vamos fazê-lo na escola, com as crianças que estão a chegar e com os jovens que já cá estão, e temos que fazer o mesmo com os pais, para não perdermos uma geração inteira que, a longo prazo, poderá aprender a falar um pouco melhor português, mas não terá acesso a tudo o resto do que é cultura portuguesa”.
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Educação e mercado de trabalho: soluções para acolher a diversidade
A escola é, de facto, um excelente ponto de partida. “É preciso, decisivamente, mudar toda a escola, porque a escola de hoje não tem nada a ver com a escola dos anos 90, quando éramos todos iguais e estávamos todos na mesma sala de aula. Portanto, vamos ter que aprender a falar uns com os outros, colaborar com outras culturas, envolvendo toda a sociedade, para que todos percebam que acolher alguém que está a chegar é um desafio de todos, não é só um desafio do Estado ou da escola. Esse desafio é comumente aceite, porque percebemos que há muitos empregos que estas pessoas ocupam que não estariam ocupados por ninguém se não houvesse imigração, mas é também preciso refletir sobre o mercado de trabalho para estas pessoas, nomeadamente as suas remunerações e aquilo que estão habilitadas ou não a fazer”.
Assim, o mercado de trabalho é outro aspeto a refletir. Como diz Pedro Góis, “é preciso que o mercado de trabalho faça também essa integração. Por exemplo, temos que abandonar o nosso espírito de colonizador interno, explorando quem chega só porque é fácil. Temos de conceder, a quem chega, exatamente os mesmos direitos que queremos que nos concedam a nós. Esse é o primeiro princípio. Cada patrão e empresário é também um agente de integração”. Mas temos de garantir que o sistema funciona, pelo que, tal como indica o especialista, “obviamente é preciso acrescentar aqui uma camada de fiscalização sobre o sistema, porque este não funciona por si. Isto, de alguma forma, vai possibilitar também que os salários possam subir, pouco a pouco, e não fiquem parados em alguns setores só porque há mais oferta de mão-de-obra estrangeira. Portanto, se nós concedermos a todos os mesmos deveres, temos também que conceder a todos os mesmos direitos, para que o país e a sua economia possam contribuir para a integração. Para os imigrantes, é uma questão de qualidade de vida”.
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Serviços de integração: o ponto-chave para receber e valorizar os imigrante
Pedro Góis levanta também a questão dos serviços responsáveis pela integração dos imigrantes. “Muitas vezes, não conhecemos as qualificações de quem chega ao nosso país, e isso é um desperdício. Sabemos que, em fluxos passados, como os ucranianos ou os imigrantes de leste, tivemos muitas pessoas altamente qualificadas que se perdeu, desempenhando apenas funções pouco ou nada qualificadas no nosso mercado de trabalho. Para quem está a chegar, temos de encontrar canais mais ágeis para que a sua formação inicial não se perca. Vamos imaginar que a receber pessoas ligadas ao mundo da informática. Se estiverem muito tempo à espera de poder trabalhar, todas as suas aprendizagens deixam de fazer sentido. E isso remete-nos para outro problema que estas pessoas enfrentam, que é o da burocracia e dos serviços que não funcionam”.
Deste modo, o especialista em migrações defende é essencial definir um “plano de formação da função pública”, porque “quando alguém se dirige à Administração Pública, tem de ser devidamente atendido por quem está no front office de qualquer repartição. E, claro, muitas pessoas não têm formação para lidar com esta diversidade. O primeiro utente do dia pode ser português e depois passamos para brasileiros, ingleses, coreanos, paquistaneses, africanos… Isto tudo junto, no mesmo dia, exige uma formação. O curso que fizeram há anos não os preparou para esta nova diversidade”.
Por não integrar rapidamente os imigrantes no mercado de trabalho, especialmente aqueles já qualificados nas suas áreas de origem, Pedro Góis acredita que Portugal está a perder oportunidades económicas significativas. Aproveitar o investimento feito por outros países na formação destes profissionais seria vantajoso para o país, mas os processos de regularização continuam lentos e ineficientes. Resolver as pendências atuais é essencial para evitar que os imigrantes fiquem vulneráveis e sujeitos à exploração, ao mesmo tempo que se planeia um sistema mais ágil e eficaz para o futuro.
Com efeito, para Pedro Góis é crucial desenvolver uma estratégia clara sobre os perfis de imigrantes necessários, abrangendo tanto trabalhadores pouco qualificados para tarefas específicas, quanto profissionais altamente qualificados, como cientistas, engenheiros e professores. O objetivo deve ser criar um movimento eficiente entre os países de origem e Portugal, beneficiando todas as partes envolvidas e contribuindo para o crescimento económico e social do país.
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A imigração como fonte de juventude num país envelhecido
A imigração é essencial, também, segundo explica Pedro Góis, porque o país está a envelhecer e porque quem chega está maioritariamente em idade ativa e reprodutiva. “A imigração é crucial para o nosso futuro coletivo, porque a sociedade portuguesa é uma sociedade num envelhecimento muito pronunciado. E também porque sabemos que não estamos a fazer uma transição tecnológica tão rápida que muitas das funções que ainda existem possam desaparecer muito rapidamente. Por isso, é necessário compensar este envelhecimento da população, conjugado com a grande emigração que tivemos nos últimos anos, acolhendo pessoas que possam realizar essas tarefas no mercado de trabalho”.
Aqui, pesa também o tema da Segurança Social. “A imigração é crítica para o nosso futuro enquanto trabalhadores e, sobretudo, para o nosso futuro enquanto futuros pensionistas, porque o nosso sistema de Segurança Social é um sistema de capitalização constante. Se retirarmos do mercado de trabalho pessoas que estejam a contribuir, significa que o fundo da Segurança Social se esvaziará muito rapidamente. Necessitamos continuamente de novos trabalhadores, de pessoas que cheguem ao mercado de trabalho, que procedam aos descontos para a Segurança Social e que aqui fiquem, se assim o entenderem, por muitos anos. E que aqui tenham filhos e constituam família. Portanto, uma das soluções é criar formas para que haja, por exemplo, reunificação familiar, para que venham famílias inteiras ou para que venham imigrantes de determinadas gerações”.
Mas além dos jovens, o especialista pensa que o país precisa também de profissionais mais maduros e com experiência. “Precisamos que venham jovens, porque têm mais criatividade, mais capacidade de trabalho e de adaptação, mas também precisamos que venham pessoas entre os 30 e os 50 anos, porque já têm uma experiência de vida que pode ajudar o país a crescer”.
O problema é conseguir habitação para todos. Pedro Góis diz que “as estatísticas vão indicando que necessitamos de construir mais. Isto é, talvez, uma pescadinha de rabo na boca, porque para construirmos mais, necessitamos de mais imigrantes para trabalharem no setor da construção. E, para isso, o setor da construção tem que se tornar um pouco mais atrativo para que mais gente queira estar nesse setor”.
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Desmistificar preconceitos: um trabalho urgente e para todos
Finalmente, Pedro Góis aconselha também a fazer um trabalho de desmistificação de preconceitos em relação aos imigrantes. É preciso “trabalhar muito e trabalhar todos os dias, porque nós somos muito facilmente contaminados por perceções negativas e demoramos muito tempo em encarar o outro como algo positivo. E Portugal é um dos países com mais obrigação de mudar essa forma de pensar, já que nós somos, há gerações e gerações, um povo de saída, de emigrantes”.
Assim, para desenvolver esse trabalho pedagógico, o especialista acredita que é preciso “levar a cabo iniciativas como esta, que permitem falar sobre o assunto, e também mostrando os bons exemplos, porque há muitos bons exemplos nas comunidades de imigrantes em Portugal. É necessário, também, não discriminar quando apresentamos os casos negativos, porque também os haverá. Por exemplo, não discriminando um assaltante porque é de uma determinada nacionalidade. É apenas um assaltante, não é preciso acrescentar a sua nacionalidade de origem. E isto é um trabalho de consciencialização que devemos levar a cabo nas escolas, com as crianças, com os jovens e os pais. E cada um de nós deve fazê-lo no sítio onde vive, com os vizinhos, falando com eles, sendo curiosos sobre as suas vidas, integrando-os pouco a pouco na nossa vida. Isso resultará, sem dúvida, num país melhor daqui a alguns anos”.
Para uma leitura mais aprofundada, saiba que o Barómetro da Imigração, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, está disponível para download gratuito, na página: https://ffms.pt/pt-pt/estudos/barometros/barometro-da-imigracao-perspetiva-dos-portugueses