"Hoje, matei um homem": Soldado russo acusado de crimes de guerra com base em chamadas onde anunciava o que tinha feito

"Hoje, matei um homem": Soldado russo acusado de crimes de guerra com base em chamadas onde anunciava o que tinha feito

Reportagem
Rebecca Wright, Ivan Watson, Olha Konovalova e Tom Boot

Um soldado russo que alegadamente alvejou um civil num ataque excecional filmado por um drone ucraniano está a ser acusado de crimes de guerra à revelia pela polícia ucraniana.

O dossier das provas contra ele inclui telefonemas entre o soldado e a sua mulher e um amigo intercetados durante uma investigação de meses ao ataque russo perto da cidade de Izium, em junho passado.

Os ficheiros áudio foram partilhados exclusivamente com a CNN, antes de uma conferência de imprensa em Kharkiv para anunciar as acusações na terça-feira.

A polícia identificou o soldado como sendo Klim Kerzhaev - um comandante de 25 anos de Moscovo, que serviu na 2.ª Divisão de Artilharia Motorizadas do 1º Exército de Tanques da Divisão Militar Ocidental. É acusado da tentativa de assassinato de um civil - um crime de guerra nos termos do artigo 438 do Código Penal da Ucrânia.

O ataque foi também capturado em imagens aéreas por soldados ucranianos, que lançaram uma missão de salvamento única, anexando um pedaço de papel com as palavras "siga-me" a um pequeno drone - uma operação contada num documentário recente do cineasta ucraniano Lyubomyr Levytsky.

"Nós assistimos a isto como se estivesse na televisão, como se fosse uma novela. Um filme de terror onde os russos matam civis", disse o chefe do departamento de investigação da Polícia de Kharkiv, Serhii Bolvinov, à CNN.

Para além das filmagens do drone, Bolvinov disse que a sua investigação incluíu exames forenses ao veículo e à cena – realizados depois de Izium ter sido libertada pelas tropas ucranianas em setembro – juntamente com provas recolhidas pela unidade de combate ao cibercrime que localizou as contas das redes sociais e os telefonemas do soldado.

A CNN solicitou comentários sobre o caso ao Ministério da Defesa russo na altura da publicação, na terça-feira, após o levantamento do embargo sobre a informação.

Bolvinov disse que este é apenas um de centenas de alegados crimes de guerra russos que a sua equipa está atualmente a investigar só na região de Kharkiv, incluindo a descoberta de centenas de corpos em valas comuns em Izium. O departamento tem mais de 900 investigadores, e a maior parte do seu trabalho atualmente está centrado em casos de crimes de guerra.

Na sexta-feira, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de captura do Presidente russo Vladimir Putin e da oficial russa Maria Lvova-Belova – acusando-os de deportação ilegal de milhares de crianças ucranianas para a Rússia.

"As vidas deles poderiam ter terminado"

No verão passado, o casal Valeria Ponomarova e Andrii Bohomaz dirigiam-se de carro para Izium, na Ucrânia, para ajudar os pais, idosos e doentes, de Bohomaz a fugir da cidade tomada pelos russos.

O casal fez uma curva errada e aproximou-se inadvertidamente da linha da frente onde as tropas russas estavam baseadas, e o carro deles foi atingido por um ataque que lhes foi dirigido.

 

Os soldados ucranianos nas proximidades tinham avistado o incidente à distância através de um drone de reconhecimento – que despacharam para mais perto do local para captar as imagens impressionantes do casal que a tentar fugir.

O vídeo mostra o casal a abandonar o carro para correr para uma zona seguro, mas a dar a volta quando as explosões caíram demasiado perto deles. Ficaram novamente debaixo de fogo, que deixou Bohomaz gravemente ferido. Ponomarova tentou mover o marido para trás do carro e enrolar toalhas à volta das suas feridas para estancar as hemorragias.

Segundo a polícia, os soldados russos estavam a cerca de 30 metros do carro do casal, pelo que era demasiado perigoso para as tropas ucranianas tirarem dali o casal.

Por isso, enviaram outra vez o drone – depois de o recarregarem e de lhe prenderem um pedaço de papel branco com as palavras "sigam-me" – para guiar Ponomarova para uma zona mais segura.

Ela viu o drone por cima dela, mas não tinha a certeza a que lado ele pertencia. "Virei-me e caí de joelhos e apenas dei o grito mais agonizante", contou Valeria Ponomarova. "Não sabia [de quem era o drone]. Das nossas forças, ou do inimigo", disse ela mais tarde no documentário.

 

Ponomarova disse que acabou por seguir o drone, pensando que era a única forma de conseguir ajuda para o seu marido ferido.

Mas pouco depois da partida dela, uma equipa de soldados russos aproximou-se do carro a pé, pegou no Bohomaz ferido e atirou-o para uma vala próxima.

Milagrosamente, ele sobreviveu.

Conversas explícitas

As imagens do drone mostram que Ponomarova não viu isto acontecer atrás dela, pois continuou a andar na estrada marcada pelas batalhas, pisando mesmo à volta de linhas de minas anti-tanque.

Quando os soldados conseguiram fazer chegar Ponomarova a um lugar seguro, disseram-lhe que não era possível regressar para o marido dela, pois as tropas russas estavam no local.

 

Até agora, um soldado russo foi acusado. Para além das filmagens do drone, as provas compiladas pelos investigadores ucranianos contra ele incluem gravações de chamadas telefónicas intercetadas com a mulher dele e um amigo.

Numa das conversas explícitas, o soldado disse à sua mulher que "matou um homem hoje, foda-se", depois de disparar sobre um carro a partir do veículo onde estava de combate de infantaria da era soviética. Imediatamente depois, o soldado volta à conversa casual, pedindo à mulher para "pôr algum dinheiro no meu telefone hoje, está bem?".

Numa chamada para um amigo um dia depois, ele repetiu a confissão de ter morto um homem, e quando o seu amigo perguntou como se sentia, respondeu, "a merda do carro foi alvejado". Estou-me nas tintas". A CNN traduziu os áudios em bruto fornecidos pela polícia, mas não pode verificar independentemente a origem dos ficheiros.

Bohomaz conseguiu sair da vala para procurar ajuda, apesar dos ferimentos graves.

"Ouvi que estava a começar a chover e comecei a tremer", disse Bohomaz no documentário "Follow Me". "Depois de uma noite na vala, voltei a mim por causa da chuva".

"Percebi que tinha de sair de alguma forma", acrescentou ele.

Bohomaz conseguiu coxear em direção à segurança no sentido da posição ucraniana.

"Demorou cerca de 30 ou 40 minutos", disse ele. "Mas caminhei com paragens porque senti muita dor".

Nove meses depois de sobreviver ao ataque, Bohomaz ainda está a tratar múltiplos estilhaços no cérebro, peito e coluna vertebral.

A CNN contactou o casal para obter um comentário sobre o processo legal que está a começar contra o soldado russo, mas não recebeu uma resposta.

"É um crime terrível", disse Bolvinov. "As vidas deles poderiam ter acabado nesta encruzilhada, mas felizmente conseguiram sobreviver".

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