Estas jovens atletas suicidaram-se. Em comum, tinham tido traumatismos cranianos
Kelly Catlin and Ellie Soutter CNN

Estas jovens atletas suicidaram-se. Em comum, tinham tido traumatismos cranianos

Por
Amy Woodyatt, CNN

Embora Kelly Catlin e Ellie Soutter nunca se tenham conhecido, elas tinham muito em comum.

Eram ambas atletas de topo: Catlin, uma ciclista de pista americana, ganhou três vezes o campeonato do mundo e tinha uma medalha de prata dos Jogos Olímpicos; e Soutter, uma atleta de snowboard britânica, tornou-se uma das favoritas nos Jogos de Inverno de 2022 depois de ter conquistado uma medalha de bronze no European Youth Olympic Festival de 2017.

Eram ambas extremamente inteligentes. Catlin estava a fazer o mestrado em engenharia matemática e computacional na Universidade de Stanford. Soutter, segundo o pai dela, aprendeu a falar francês em seis meses.

Às vezes, elas parecia mesmo ser super-mulheres. Em 2013, Soutter conseguiu consagrar-se campeã britânica com um braço engessado, por causa de um pulso partido, e isto após apenas três semanas de treino profissional. Catlin, que adorava crianças, uma vez chegou a percorrer 120 quilómetros debaixo de neve e granizo para ir falar a uma escola sobre a sua experiência olímpica.

Kelly, à esquerda, no velódromo de Las Angeles mesmo antes de partir para o Rio e para os Jogos Olímpicos. A equipa está a treinar os arranques. Foto Mark Catlin

Mas as vidas destas mulheres acabaram demasiado cedo e de forma trágica. Ambas se suicidaram depois de terem sofrido traumatismos cranianos enquanto perseguiam o sonho de se tornarem grandes atletas. Catlin tinha 23 anos e Soutter suicidou-se no aniversário dos seus 18 anos.

De acordo com uma revisão de 25 artigos científicos sobre lesões cerebrais relacionadas com a atividade desportiva, publicados no Orthopaedic Journal of Sports Medicine, as mulheres podem ser mais suscetíveis de sofrerem concussões cerebrais e tendem a ter sintomas piores e mais prolongados do que os homens.

No entanto, como a investigação científica sobre desporto e exercício físico continua a estudar menos os casos de mulheres, os especialistas avisam que, como consequência, nem sempre as atletas mulheres recebem a atenção e o tratamento que deveriam.

Ellie Soutter estava apontada para ser uma das concorrentes mais fortes da equipa do Reino Unido, e tornou-se campeã britânica com o seu braço engessado. Foto Tony Soutter  

Kelly

Kelly, fotografada no National Sports Center de Blaine, no Minnesota, depois dos Jogos Olímpicos (2017), onde ela ia por vezes para excercícios quando ia da universidades para em casa. Foto Mark Catlin

Antes de se tornar ciclista de pista, Kelly Catlin, que é trigémea, foi campeã nacional de ciclismo de estrada e campeã nacional de trial bike, contou à CNN o seu pai, Mark. Depois de ter ganho uma corrida internacional no Canadá, aos 17 anos, foi convidada para um estágio de treino olímpico, onde, impressionados pelos resultados do seu desempenho, os treinadores lhe ofereceram de imediato um lugar no grupo de pista.

Segundo o seu pai, Kelly era "intensa" e "ambiciosa", e tinha canalizado essas características para a carreira desportiva.

Em Janeiro de 2019, a vida de Kelly mudou para sempre. Estava a praticar descidas nas colinas dos arredores de Los Angeles quando caiu e derrapou por uma estrada abaixo. Apesar de se ter magoado, Catlin voltou a montar a bicicleta para acabar o treino. Não era a primeira vez que caía - já tinha tido quatro ou cinco acidentes bastante feios antes, contou o pai, mas sem quaisquer sintomas.

Pouco tempo depois, durante uma competição do campeonato mundial, em Berlim, Kelly queixou-se de uma dor de cabeça súbita e intensa.

"Não conseguiu competir", contou o pai. "A Kelly era do tipo estóico. Para se estar a contorcer no chão, agarrada à cabeça, era porque tinha que ser mesmo grave."

Inspeccionaram melhor o capacete que ela tinha usado em Los Angeles e perceberam que estava amolgado. Isso, juntamente com os sintomas, explicou o pai à CNN, foi o que fez com que suspeitassem de que ela tinha sofrido uma concussão cerebral, diagnóstico depois confirmado no Stanford Health Center.

Kelly, com a sua equipa e medalha de prata, representando os EUA na prova feminina de perseguição por equipas  nas Olimpíadas do Rio.

A principal organização de saúde pública dos Estados Unidos, a CDC, descreve uma concussão como uma lesão cerebral através de uma pancada na cabeça ou no corpo que faz com que o cérebro se mova dentro do crânio.

De volta aos Estados Unidos, conta o pai da atleta, ela foi observada no centro de treino de ciclismo de pista do Colorado. Aí confirmaram o diagnóstico e, embora tenham recomendado um protocolo de regresso aos treinos, o protocolo não foi implementado nem comunicado ao treinador de Kelly.

"Depois disso, ninguém do centro no Colorado deu seguimento ao caso. Acho que eles partiram do princípio que ela iria procurar tratamento em Stanford", disse Mark Catlin à CNN.

A CNN tentou contactar Stanford e a USA Cycling, federação americana de ciclismo, para comentarem.

Os sintomas não melhoraram e, durante semanas, Kelly queixou-se aos pais, em conversas telefónicas, de dificuldades de concentração e de não conseguir dar resposta aos estudos.

De acordo com documentos médicos enviados à CNN pelo pai, o Stanford Health Center tinha recomendado que Catlin diminuísse o treino durante duas semanas e depois, lentamente, aumentasse o ritmo e fizesse sessões com um especialista em reabilitação desportiva.

Também foi referenciada para um médico especialista.

Catlin tentava treinar, diz o pai, mas "tinha de parar porque ficava com dores de cabeça intensas só de andar". A sua pulsação acelerava rapidamente com qualquer esforço e tornou-se impossível para ela fazer qualquer tipo de exercício físico.

A lesão tinha ainda outras consequências.

"Tanto quanto sabemos, ela nunca tinha tido uma depressão. Era uma pessoa com um sentido de humor próprio. Era, em geral, animada, e estava sempre bem disposta", disse o pai.

Kelly autografando fotografias do Jogos Olímpicos para os fãs, na casa de família em Arden Hills, no Minnesota. Kelly recebia continuamente pedidos de fotografias autografadas para fãs, em particular da Europa, com um número surpreendente da Alemanha, segundo o seu pai, que acrescentou que ela respondia sempre. Foto Mark Catlin

"Ela achou que a sua vida tinha acabado. Já não conseguia ser a atleta que tinha sido e sentia que estava a desiludir os colegas. E também já não conseguia ter sucesso escolar. Acho que foi isso, finalmente, que a levou a tirar a própria vida: ela pensava que a sua vida tinha acabado", contou ele.

No final de Janeiro, Kelly tentou suicidar-se mas sobreviveu, e foi internada compulsivamente para ter cuidados psiquiátricos.

Um mês depois, conseguiu matar-se.

Ellie

Ellie sofreu várias grandes concussões em cinco anos. Foto Tony Soutter

Ellie Soutter tinha muitas dimensões, disse o pai dela. Era "viciada em adrenalina" mas também era "muito responsável", e uma excelente aluna, mesmo depois de se mudar de Inglaterra para França.

Aos 12 anos, começou a fazer snowboard na escola  - e meses depois repararam nela na estância de esqui da sua cidade, Les Gets. Em Fevereiro de 2013, estava a fazer testes para entrar na seleção da Grã-Bretanha.

"Era óbvia a razão pela qual continuava a ganhar competições: ela fazia aquilo parecer fácil", disse o pai. "Ela fazia o desporto parecer bonito e elegante."

Mas os treinos tiveram consequências - Soutter disse à CNN que em cinco anos, entre 2013 e 2018, a filha sofreu sete traumatismos cranianos.

"O que os médicos me diziam era: 'Oh, não se preocupe, ela é tão jovem que recupera'. Mas conforme ela se foi tornando uma atleta de elite, chegando ao circuito mundial, de cada vez que sofria outra concussão era pior e ela demorava mais tempo a recuperar."

"De cada vez, excepto no caso de algumas pancadas muito leves, ela foi vista presencialmente por um médico", acrescenta. "Mas, de cada vez, diziam-me que era tão jovem que recuperaria totalmente e acabei por nunca voltar a consultar os médicos que tinha consultado previamente.

Mas a última concussão cerebral de Ellie foi tão "grave" que ela teve que passar duas noites no hospital.

"Quando eu cheguei lá, ela não sabia quem eu era nem quem ela era."

Soutter tinha sido seleccionada para competir no Campeonato Mundial Júnior de Snowboard, na Nova Zelândia, em Agosto de 2018. Um mês antes do campeonato, suicidou-se.

Três meses depois da última concussão, Ellie tinha sido vista por um neurologista e tinha feito exames, incluindo uma TAC ao cérebro. O neurologista concluiu que ela estava "óptima" e podia continuar a competir.

Como aconteceu com Catlin, Soutter começou a ter problemas de concentração e a deixar de conseguir estudar. Tinha dores de cabeça incapacitantes, que faziam com que se isolasse, e sofria de insónias.

"Um mês depois do traumatismo, ela podia sentar-se com o professor e, de repente, ficar cega: não via nada, ficava tudo escuro e preto", contou o pai.

Depois de não ter apanhado um voo para um treino de snowboard, como era suposto, Ellie suicidou-se no dia em que fazia 18 anos.

Ao ser contactada pela CNN, a seleção da Grã-Bretanha disse que Ellie competiu pela seleção apenas uma vez e que a Snowsport Grã-Bretanha estaria melhor posicionada para responder a questões.

Ellie era não apenas "viciada em adrenalina" como tinha bons resultados na escola e era responsável, disse o seu pai à CNN. Foto Tony Soutter

A Snowsport explicou que para representar a Grã-Bretanha em competições internacionais, os atletas ou os seus treinadores devem demonstrar que o atleta atingiu os critérios de desempenho estabelecidos, tem capacidade técnica relevante para competir e tem autorização médica apropriada. Mas muitos atletas podem representar a Grã-Bretanha em diferentes níveis de competição internacional sem fazerem parte de um programa supervisionado pela Snowsport.

“Ellie não fazia parte do nosso programa, portanto não pudemos implementar um plano personalizado de recuperação e acompanhamento para ela”, disse,  por e-mail, um porta-voz da Snowsport.

“No entanto, a actividade de Ellie estava abrangida por protocolos nacionais que regulam as competições e não teria sido autorizada a fazer nenhuma atividade – de treino ou de competição –, supervisionada pela Snowsport, sem a aprovação médica necessária”, acrescentaram.

"Levamos muito a sério concussões e lesões na cabeça", disse o porta-voz da Snowsport. "Revemos os nossos registos correspondentes à época em que Ellie competiu e estamos confiantes de que o nosso pessoal seguiu todos os procedimentos recomendados."

Catlin and Soutter não foram as únicas mulheres atletas a ter este fim.

Depois da jogadora australiana de 29 anos Jacinda Barclay se ter suicidado em 2020, descobriu-se, através de uma autópsia, que ela tinha uma degradação da massa branca do cérebro pouco comum para alguém daquela idade.

"Com a idade dela, esperaríamos ver uma massa branca com óptimo aspecto, pristina, e a dela parecia a de uma mulher idosa de tão degradada que estava", disse à CNN Michael Buckland, fundador e director executivo do Australian Sports Brain Bank, que estudou o cérebro de Barclay.

"Ainda não fizemos mais investigação específica relacionada com a massa branca dos nossos dadores", disse à CNN, fazendo a ressalva de que este estudo não teve revisão por pares. "Mas eu, que vejo muitos cérebros, fiquei realmente surpreendido com o cérebro dela - não é normal numa pessoa daquela idade."

De acordo com estudos publicados no Journal of the American Medical Association, danos na massa branca têm sido associados a demência.

Oportunidades perdidas

Os suicídios depois de concussões cerebrais são raros. Ainda assim, um estudo de 2018, publicado no JAMA Neurology, por investigadores da Universidade de Harvard, descobriu que pacientes diagnosticados com concussão ou lesão cerebral traumática leve tinham o dobro do risco de suicídio, um maior risco de tentativas de suicídio e mais pensamentos suicidas do que pessoas sem lesões cerebrais.

Robert Cantu, professor de neurologia no Centro para o Estudo da Encefalopatia Traumática da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, disse à CNN que há várias teorias para tentar explicar porque é que a incidência de suicídio é maior em pessoas que sofreram concussões.

Uma teoria, explicou, é que aqueles que sofrem de sintomas persistentes depois de um traumatismo podem ter ficado com danos cerebrais estruturais ou funcionais e passar por uma “desregulação comportamental: pavio curto, irritabilidade [e] não conseguirem suprimir impulsos da maneira que normalmente faziam. ”

Isso pode querer dizer que estas pessoas "estão mais propensas a fazer algo impulsivo, como tentarem suicidar-se”, disse Cantu, também diretor médico da Concussion Legacy Foundation.

Uma segunda teoria, observou Cantu, é que os sintomas impedem as pessoas de voltar à sua actividade e isso faz com que sintam que deixaram “de ser a pessoa que eram antes da lesão”.

Nenhuma das teorias está provada e exclui a outra, disse Cantu, acrescentando que, na sua opinião, o aumento da tendência suicida "em muitos, se não na maioria dos casos, tem a ver com uma combinação dos dois fatores”.

Também há diferenças no modo como as lesões cerebrais têm impacto nas mulheres.

Um estudo científico publicado na revista JAMA Network Open, que acompanhou jogadoras de futebol em escolas secundárias dos Estados Unidos, e que observou mais de 80,000 atletas adolescentes, concluiu que as raparigas tinham quase o dobro da probabilidade de sofrer uma concussão cerebral do que os seus colegas rapazes.

As raparigas têm o dobro da probabilidade de sofrer concussões do que os rapazes no futebol
Embora as concussões sejam raras, as jogadoras de futebol nas escolas americanas são quase duas vezes mais susceptíveis de as sofrer (2,4% dos atletas) do que os seus homólogos masculinos (1,3%), apurou um estudo recente.

Nota: um estudo observou mais de 80 mil atletas adolescentes e comparou um número semelhante de rapazes e raparigas de cada ano académico.

Fonte: Bretzin AC, Covassin T, Wiebe DJ, Stewart W (2021), JAMA Gráfico: Krystina Shveda, CNN

As mulheres continuam a estar menos representadas na investigação e na literatura científica sobre desporto e exercício físico: segundo um estudo de 2021 que analisou artigos nas revistas de medicina desportiva mais importantes, apenas 6% se focavam exclusivamente em mulheres, enquanto que 31% incluíam só homens.

Outros investigadores apontam para uma relação com as hormonas sexuais femininas, em que o risco de uma lesão cerebral pode variar de acordo com as alterações dos níveis hormonais ao longo do ciclo menstrual.

McKee disse que qualquer atleta pode sofrer lesões que não são tão traumáticas: pancadas que podem ter uma magnitude semelhante à de um traumatismo craniano mas que, por qualquer razão, não têm a mesma intensidade de sintomatologia, o que quer dizer que um atleta pode continuar o seu exercício."

Estar exposto repetidamente a lesões na cabeça - mais ou menos sérias - aumenta o risco da doença neurodegenerativa Encefalopatia Traumática Crónica, disse McKee.

Esta doença, que só pode ser efectivamente diagnosticada depois de uma autópsia, tem sido encontrada em veteranos de guerra ou pessoas que praticam desportos de contacto, especialmente futebol americano. De acordo com a Clínica Mayo, nestes casos o cérebro começa a degenerar provavelmente devido a traumas repetitivos e a doença está "associada a concussões recorrentes".

Mas os cientistas não estão preocupados apenas com as concussões.

Estudos anteriores já mostraram que repetitivos impactos na cabeça e no corpo que não provocam sintomas podem dar origem a doenças neurológicas de longa duração.

De acordo com a The Concussion Legacy Foundation, “a melhor evidência disponível sugere que são os impactos subconcussivos e não as concussões, a força motriz por trás da Encefalopatia Traumática Crónica.”

Descobriram-se casos de Encefalopatia Traumática Crónica em atletas que nunca tinham sido diagnosticados com uma concussão.

E, além da Encefalopatia Traumática Crónica, os impactos repetitivos na cabeça têm outras outras consequências para o cérebro “igualmente importantes”, disse McKee.

“Também vemos danos na matéria branca cerebral. E parecem estar localizados principalmente no lobo frontal, mas também nos lobos temporais”, disse ela.

“Estamos a tentar entender a relação dessas alterações na massa branca com sintomas comportamentais e de humor, e também com o suicídio”, acrescentou.

McKee enfatizou que é importante gerir uma concussão, mas que os médicos e os atletas também devem estar cientes de outras lesões.

“O problema podem ser os golpes subclínicos – as lesões sem concussão que não são detectadas, e que, por isso, não tiram os jogadores do campo, e que podem chegar às centenas ou mesmo aos milhares numa única temporada”, explicou.

Falta de investigação

Embora um crescente corpo de dados sugira que as mulheres desportistas são mais propensas a sofrer uma concussão, a ter sintomas mais graves e a demorar mais a recuperar, a maioria dos protocolos são feitos com base em dados relacionados com a actividade desportiva de homens.

Numa revisão de literatura na revista British Journal of Sports Medicine, cientistas analisaram 171 artigos escritos desde 1967, e que são os mais influentes na maneira como se aborda o tratamento de traumatismos cranianos relacionados com desporto.

É nesses artigos científicos que os médicos se têm apoiado para orientar a sua prática, mas a maioria dos estudos focava-se em homens. Apenas 1% dos artigos se dedicava exclusivamente a casos de concussões em mulheres e 40% deles não tinham sequer uma mulher nas amostras de participantes.

Apenas 1% da investigação se foca apenas em concussões em atletas mulheres
Estudos que guiam os cuidados clínicos para atletas com concussões baseiam-se em amostras que são maioritariamente masculinas, de acordo com análises recentes a mais de 170 estudos.

Fonte: C. D´Lauro et al. (2022), British Journal of Sports Medicine. Gráfico Krystina Shveda, CNN 

Há outro fator de risco para as mulheres desportistas quando sofrem lesões na cabeça, disse à CNN Katherine Snedaker, fundadora e diretora executiva da PINK Concussions, uma associação sem fins lucrativos dedicada às lesões cerebrais e à saúde das mulheres.

Há um abismo de milhões de dólares que separa as mulheres dos homens quando se trata dos salários anuais médios praticados na maioria das modalidades profissionais.

E fora do desporto de elite, diz Snedaker, as atletas não têm, em geral, acesso aos mesmos cuidados médicos que os homens, o que significa que as lesões na cabeça não são detectadas rotineiramente.

"Elas têm tendência a esforçarem-se muito e a aguentarem as lesões", disse.

Além de que muitas mulheres não se podem dar ao luxo de tirar um tempo para recuperarem: até as atletas profissionais são obrigadas a ter outros empregos, acrescentou, além de que muitas vezes são também elas as cuidadoras na família.

“Quando elas realmente colapsam, é alguns dias ou semanas depois.”

Frequentemente, as atletas nem se davam conta de que tinham sofrido uma lesão na cabeça, disse ainda Snedaker.

Apoio insuficiente

As famílias de Catlin e Soutter acham que as jovens atletas não tiveram apoio suficiente após as suas lesões.

Depois da primeira tentativa de suicídio de Catlin, ela conseguiu deixar a ala psiquiátrica onde tinha sido internada contra a sua vontade quando ameaçou recorrer à justiça, e foi realizada uma conferência com os seus pais, o seu treinador e os psiquiatras.

Ela concordou em participar em sessões de terapia mas logo sentiu que as sessões estavam desenhadas para "caloiros universitários com problemas completamente diferentes daqueles com que se depara uma desportista de topo", disse à CNN o pai de Kelly.

Kelly Catlin foi referenciada para um psicólogo desportivo, que trabalhava com o departamento de desporto de Stanford, mas o departamento proibiu o psicólogo de ver Catlin porque ela não era atleta de uma equipa da universidade.

Kelly, ao lado dos seus irmãos Colin e Christine, numa fotografia em criança durante um passeio de bicicleta em Minneapolis. Andar de bicicleta foi uma paixão desde tenra idade, segundo o seu pai. Foto: Mark Catlin

Tentou, então, ser vista por um psicólogo desportivo que a tinha acompanhado no hospital mas, contou o pai, quando quis marcar consulta disseram-lhe que só haveria vaga daí a seis meses. 

“Para onde quer que ela se voltasse, não conseguia encontrar ajuda”, disse o pai, acrescentando que Catlin chegou a telefonar para uma linha de prevenção de suicídios: uma vez deixaram-na em espera, outra vez não obteve resposta.

Mark Catlin descreve a filha como uma "mulher estóica, guerreira, o tipo de pessoa que não gosta de admitir que precisa de ajuda."

“Ela precisava de um psiquiatra desportivo que realmente pudesse entender o que ela passava, o tipo de exigências a que estava sujeita em termos de preparação física e preparação para competições e o impacto que isso tinha na vida dela."

Outro fator importante na morte de Kelly, acrescentou o pai, foi “a falta de comunicação entre as instituições envolvidas no tratamento dela. Ninguém assumiu responsabilidades e penso que presumiram que outra instituição estava a seguir o caso de Kelly e nenhuma estava”.

Num comunicado enviado à CNN, Luisa Rapport, diretora de comunicações de emergência e relações com a imprensa da Universidade de Stanford, não respondeu a nenhuma das alegações específicas feitas pela família de Catlin. Embora a universidade não discuta pormenores das experiências individuais dos alunos, dizia a declaração, “apoiar a saúde mental e emocional dos alunos é uma prioridade para Stanford”.

“Estudantes que precisam de apoio psicológico – inclusive alunos com pensamentos suicidas – ou pessoas preocupadas com a saúde mental de algum aluno, podem entrar em contato com o Serviço de Aconselhamento e Psicologia da Universidade 24 horas por dia, sete dias por semana”, acrescentou.

Rapport disse que, para além deste serviço, “existem vários locais onde os estudantes podem recorrer a apoio psicológico, dependendo da necessidade de cada um e das recomendações de tratamento, incluindo, por exemplo, serviços hospitalares e de clínicas afiliados com o Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais de Stanford, ou programas de saúde mental e profissionais da comunidade".

Num comunicado enviado à CNN, a USA Cycling disse estar “abalada” com a morte de Catlin, acrescentando: “Ela era focada e determinada em tudo o que fazia e foi uma inspiração para todos os que a conheceram."

“Como órgão regulador do ciclismo, a USA Cycling, dá prioridade ao bem-estar holístico dos ciclistas da seleção nacional dos EUA e está empenhada em disponibilizar recursos para a saúde física e mental dos membros da seleção”, acrescentou um representante da USA Cycling.

Tony Soutter e a sua filha, Ellie. Foto Tony Soutter

Depois da morte de Ellie, Soutter foi contatado pelo UNITE Brain Bank, para estudar o cérebro da atleta no âmbito de uma investigação sobre Encefalopatia Traumática Crónica.

Mas até aí, na maior instituição do género no mundo, onde estão cerca de 1300 cérebros, apenas 3% pertenceram a mulheres, disse Ann McKee.

“Quando eu realmente comecei a saber mais sobre esta doença", disse o pai de Ellie, "a consultar a investigação que tinha sido feita com jogadores de futebol americano, percebi que a minha filha tinha tido todos aqueles sintomas".

“Tornou-se óbvio para mim que havia efectivamente uma ligação entre isso e ela começar a sentir-se mal e ansiosa, a entrar em lugares muito escuros, e a não dormir bem.  Todos esses sintomas… Todos os sintomas descritos na literatura sobre a Encefalopatia Traumática Crónica fizeram parte da vida de Ellie”, acrescentou.

“Hoje, tenho a certeza de que a minha filha ainda estaria viva se eu fizesse alguma ideia desta doença, se tivesse tido o mínimo de informação.”


Com Krystina Shveda

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