A tensão tinha-se tornado palpável. Ao longo de mais de três meses, mais de 150 mil soldados russos, milhares de carros de combate e aviões de guerra juntaram-se junto à fronteira da Ucrânia para levar a cabo exercícios militares. Durante meses, Estados Unidos da América e o próprio presidente Joe Biden alertaram que uma invasão estava iminente e vários líderes mundiais visitaram Moscovo para tentar evitar o derramar de sangue. Mas, no dia 21 de fevereiro, sentado sozinho no centro de uma sala com monumentais colunas brancas, no Kremlin, Vladimir Putin chamou ao microfone um a um os membros do seu conselho nacional de segurança para os consultar sobre se a Rússia devia reconhecer a independência das regiões de Donetsk e de Lugansk, alvo da interferência militar russa desde 2014, quando milhares de soldados russos não identificados e material de guerra atravessaram a fronteira em direção à Ucrânia. Ninguém se opôs ao líder russo, sabendo bem que esse decreto abriria as portas para o fim de 77 anos de paz na Europa.
“Os nossos planos não incluem a ocupação de território ucraniano”, disse Putin num discurso pré-gravado e divulgado ao final do dia. Um dia depois, as repúblicas separatistas pediam formalmente a intervenção militar de Moscovo. Não foi preciso esperar muito. Pouco antes das três horas da manhã em Portugal continental, num discurso transmitido na televisão, Putin anunciou o que há muito parecia inevitável: “tomei a decisão de lançar uma operação militar especial”.
Fevereiro
A 24 de fevereiro de 2022, aviões, helicópteros e mísseis russos voam sobre a Ucrânia. A capita, Kiev, acorda com explosões. Oito milhões de ucranianos deixam tudo para trás e tentam fugir como podem em direção à União Europeia, enquanto outros seis milhões deixavam as suas casas e procuravam abrigo noutros pontos do país. Nos meios de comunicação de todo o mundo começavam a aparecer vídeos de explosões e dos primeiros combates. Começa uma longa guerra, em que a Ucrânia tenta desafiar todas as expetativas e evitar o colapso perante um inimigo que era visto como incomparavelmente mais poderoso.
Março
As Nações Unidas acreditam que este foi mês mais mortal para os civis, desde que começou a invasão russa. Em poucos dias, as forças armadas russas vindas da Crimeia capturaram a cidade de Kherson, no sul da Ucrânia. Seguiu-se o cerco de Mariupol, que ficou conhecida como “cidade-mártir”. Durante dois meses, dezenas de milhares de civis e de militares ficaram encurralados, a viver em caves, a beber água da chuva, para tentar sobreviver aos bombardeamentos. Segundo a Cruz Vermelha, pelo menos 25 mil civis perderam a vida nesta cidade e 90% das suas infraestruturas foram completamente destruídas.
Mas uma coluna de veículos militares que se estendia ao longo de 60 quilómetros em direção a Kiev fez com que o mundo ficasse de olhos postos na capital ucraniana. Depois de um mês de tentativas de conquistar Kiev, o exército de Putin, que invadia vindo da Bielorrússia, foi travado com sucesso pelo exército ucraniano nos arredores de Kiev, em Irpin e Bucha.
Abril
A chefia militar russa muda de estratégia e, “como gesto de boa vontade”, retira os soldados da região de Kiev e de Sumy. Assim que os militares ucranianos recuperam as posições anteriormente ocupadas pelos russos, começam a surgir os primeiros sinais de crimes de guerra. Só em Bucha são encontrados 458 civis mortos, muitos deles com as mãos atadas atrás das costas e mortos com tiros à queima roupa. "O que se sabe até agora levanta claramente questões sérias e perturbadoras sobre possíveis crimes de guerra e graves violações do direito internacional humanitário", disse a ONU. Dias depois, começa a chegar ajuda militar pesada norte-americana, com os canhões M777.
A 8 de abril, a Rússia dispara um míssil contra a estação de comboios de Kramatorsk, tirando a vida mais de 50 pessoas que tentavam fugir da cidade. A resposta aparece no dia 13 de abril, quando a marinha ucraniana, com recurso a mísseis antinavio, afunda a joia da frota do Mar Negro, o cruzador Moskva. O navio era uma importante peça da estratégia russa de controlo marítimo na região e foi a embarcação envolvida na conquista da ilha da Serpente, no primeiro dia da invasão. O mês acabaria com a Ucrânia a entregar formalmente a candidatura à União Europeia.
Maio
Cercados, sem munições, medicamentos e com cada vez menos comida, os soldados que defendiam Mariupol renderam-se. No dia 20 de maio, os mais de 2439 combatentes que defendiam o complexo metalúrgico de Azostal entregaram-se ao exército russo. Entre estes soldados estavam homens do Regimento Azov, uma controversa unidade paramilitar inicialmente criada por um homem ligado à extrema-direita, mas que, uma ano depois afastou-se da unidade militar. Atualmente, está incorporada nas forças armadas ucranianas, sendo utilizada pelo Kremlin como prova de que a Ucrânia é “liderada por nazis”. Juntamente com um grupo de fuzileiros, estes homens tornaram-se um símbolo de resistência ucraniano. Volodymyr Zelensky afirmou que a “sua corajosa defesa” da cidade permitiu à Ucrânia ganhar tempo e defender outras regiões.
Junho
Após a conquista de Mariupol e com o foco na região do Donbass, intensificam-se os confrontos nesta região. No seu auge, a Rússia utilizava 50 mil munições por dia. Em resposta, os Estados Unidos enviam os famosos lançadores de foguetes HIMARS e alteram a dinâmica no campo de batalha.
Marinheiros ucranianos voltam a hastear a sua bandeira num pedaço de terra ao largo da cidade de Odessa, conhecido como ilha da Serpente, imortalizado como um símbolo da resistência ucraniana, após o grupo de marinheiros que defendia a ilha ter respondido ao ultimato do navio russo com um: “Navio de guerra russo, vão-se f****”.
Julho
A Rússia conquista a cidade de Lysichansk, a última da região de Lugansk que era controlada por Kiev. Após cinco meses de invasão, a campanha ofensiva russa começa a “perder o gás” e demonstra incapacidade de continuar a ter mais ganhos territoriais. Os ataques ucranianos com o sistema HIMARS tornaram-se implacáveis contra os depósitos de munições russos. No espaço de um mês, Kiev destrui cerca de 50 concentrações de armamento, privando as forças russas das munições necessárias para continuar a avançar no terreno. Em resposta, a Rússia bombardeou a prisão de Olenivka, matando 53 soldados ucranianos capturados em Mariupol.
Agrava-se a situação humanitária nos países mais vulneráveis que compravam cereais ucranianos. O bloqueio russo dos portos ucranianos impediu a Ucrânia, um dos maiores exportadores de cereais do mundo, de abastecer vários países, incluindo alguns dos mais pobres do mundo. As Nações Unidas descreveram a situação como “catastrófica”. A 22 julho, num acordo intermediado pela Turquia e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, é firmado o acordo que desbloqueia o impasse e levou a Rússia a permitir a passagem de navios de carga que exportem os cereais ucranianos.
Agosto
Pela primeira vez desde 24 de fevereiro, a Ucrânia sente-se capaz de ter iniciativa no conflito e dá início à contraofensiva de Kherson, com a destruição de infraestruturas. A situação no terreno começa a reverter-se. A cada noite, novas imagens de depósitos de munições russos a explodir. Já nem as bases aéreas da Crimeia escapam.
Por outro lado, soldados russos utilizam a central nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, como “um escudo” para armazenar equipamento militar em segurança. A situação torna-se cada vez mais tensa e alguns dos principais peritos em energia nuclear alertam para o risco acrescido de um desastre nuclear libertar material radioativo e espalhar-se não só pela Ucrânia e a Rússia, mas como por toda a Europa. O líder da Agência Internacional de Energia Atómica, Rafael Grossi, descreve a situação como estando “fora do controlo” e afirma que "todos os princípios de segurança nuclear foram violados".
Setembro
Depois de meses planeamento, o general Oleksandr Syrskyi deu a ordem final. Sem que ninguém esperasse, a Ucrânia lança um contra-ataque na região de Kharkiv. As tropas russas, que se preparavam para defender Kherson, foram apanhadas de surpresa e a frente russa colapsou. O exército ucraniano reconquista Izium e Lyman, na província de Lugansk. Voltam a ser descobertas valas comuns com os restos mortais de mais 440 pessoas.
Do lado russo, o reconhecimento de que algo não estava a correr bem veio por parte do próprio presidente Vladimir Putin, que decretou a mobilização parcial de 300 mil reservistas. O processo, que o próprio Kremlin admite ter estado repleto de problemas, levou a que centenas de milhares de jovens russos corressem para as fronteiras para tentar escapar à mobilização.
Outubro
Um dia depois de Putin celebrar o seu 70.º aniversário, a 7 de outubro, os serviços secretos ucranianos conseguiram detonar um camião que transportava uma quantidade de explosivos tão grande que conseguiu destruir o tabuleiro da ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia ao território russo. Dois dias depois, começa a campanha de bombardeamento contra as infraestruturas energéticas ucranianas. A destruição sistemática dos centrais elétricas ucranianas deixou milhões de pessoas às escuras e sem água, numa altura em que as baixas temperaturas começavam a fazer-se sentir.
Pressionada em quase todas as frentes e com poucos soldados, a Rússia anuncia a anexação formal das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Zaporizhzhia e Kherson, mais uma vez contrariando as palavras do seu próprio presidente ao declarar o início da “operação militar especial”.
Novembro
O frio começava a chegar ao leste a Ucrânia e o cenário para as tropas russas que se encontravam para lá do rio Dnieper, na cidade de Kherson, tornou-se insustentável. O general Surovikin, promovido a líder do teatro de operações russo, toma a decisão de abandonar o controlo da cidade que representava uma das maiores conquistas russas desde que começou a invasão.
Dezembro
O frio “congelou” o conflito. Soldados de ambos os lados cavaram trincheiras e defenderam as suas posições, durante o mês de dezembro. A única exceção pertence aos mercenários do grupo Wagner, que aumentaram a pressão na tentativa de conquista da cidade de Bakhmut. No dia 20 de dezembro, numa rara visita à frente de batalha, Zelensky desloca-se pessoalmente à “cidade-fortaleza”, para falar com os soldados que defendem a cidade.
Um dia depois, apanha todos de surpresa e sai do país pela primeira vez desde o início da invasão, para se encontrar em Washington com o presidente Joe Biden. “Cada centímetro da nossa terra está encharcado em sangue. (…) o próximo ano será nosso ponto de virada. Eu sei disso. Será o ponto em que a coragem ucraniana e a determinação americana devem garantir o futuro de nossa liberdade comum, a liberdade das pessoas que defendem seus valores”, declarou Volodymyr Zelensky.
Janeiro
Com as grandes ofensivas paradas e os dois lados a preparam-se para os meses mais quentes. O protagonismo no início do ano foi para o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que tem sido uma das vozes mais críticas sobre a forma como o exército russo tem levado a cabo as operações. Numa conta de Telegram com quase meio milhão de seguidores ligada ao grupo, a Grey Zone, o homem próximo do Kremlin classificou os militares liderados pelo ministro da Defesa Serguei Shoigu como “montes de merda” incapazes de lutar. Conseguiu conquistar a cidade de Soledar, junto a Bakhmut. Esta foi uma das maiores conquistas da Rússia desde a queda de Lysychansk e tem ajudado a cimentar a posição de Prigozhin como uma das figuras mais populares da “operação militar especial” na Rússia.
Fevereiro
Um ano depois do início da invasão e a paz não está à vista. Os apelos a negociações aparecem tímida e esporadicamente por parte de países não-alinhados e não obtêm resposta de nenhum dos intervenientes. Joe Biden e alguns dos principais líderes ocidentais visitam a Ucrânia e prometem-lhe apoio durador, enquanto o Kremlin endurece a retórica e mantém os objetivos militares. Ao mesmo tempo, os especialistas parecem unidos na crença de que duas gigantes ofensivas estão prestes a chocar uma contra a outra.