A reportagem da reportagem: entre as vítimas, entre os heróis
O impulso de um jornalista é o de estar onde está a notícia – e a vocação de um repórter é saber ver e saber mostrar.
Quando a CNN Portugal entrou em breaking news na manhã de segunda feira, dia 16 de setembro, não era possível saber se assim ficaria ininterruptamente um dia, dois ou até ao final de quinta-feira, dia 19, continuando a acompanhar depois disso. Mas a decisão inaugural foi enviar repórteres para as regiões, os montes, as aldeias, estar Em Todas As Frentes. Foi fácil montar a operação: meia redação levantou o dedo, o braço, o corpo, os olhos ou a voz para dizer “eu vou, deixem-me ir, eu quero ir”.
E lá foram eles, lá fomos nós, uns para os fogos, para o acontecimento; outros andando à frente dos fogos, antecipando a emergência; outros atrás dos fogos, para contar as histórias de pessoas.
Foi andando de aldeia em aldeia que o jornalista Tiago Palma descobriu a história de Luís Paulo Oliveira, “o herói que salvou uma aldeia inteira com um trator que só pega de empurrão”. A reportagem foi escrita nesse mesmo dia para o digital da CNN e, de seguida, lá se dirigiu a equipa de reportagem de televisão, numa carrinha da casa, CNN pintado de um lado, TVI pintado do outro.
Luís Paulo Oliveira não estava na aldeia.
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O camisola encarnada e o camisola amarela
As reportagens são feitas de gente e por gente. Muita gente é essencial sem nunca ser vista ou notada. É assim na ficha técnica desta reportagem, que pode ver lá em baixo depois do vídeo. E é assim à chegada à aldeia. Quando a jornalista Carolina Resende Matos e o repórter de imagem Flávio Almeida chegam a Soutelo, é António Cabral quem mais ajuda e explica tudo.
Seria entrevistado no coreto, usando a sua camisola encarnada, uma camisola suja, está suja da limpeza.
Bem diferente é agora a roupa que se usa na aldeia. Paradoxalmente, foi muito bem-postos que combateram os fogos. Na segunda feira, dia 16, era festa na aldeia, em homenagem a Santa Eufémia, estavam todos com roupas bonitas, bonitas de festa, quando o fogo chegou. Foi assim que foram combater as chamas, mesmo como estavam, assim “bem vestidos”.
Por ali andam quase todos de trator. Incluindo um menino de boina encarnada, que anda pela aldeia a brincar enquanto os seus familiares ajudam na limpeza. A limpeza não é só a das cinzas, é também a das flores, as flores na igreja em homenagem à Santa. Quando é para ir embora, compram um pacote de batatas fritas ao menino e ele galga à traseira do trator para ir para casa. Adeus, miúdo.
Encontramos Adelina Oliveira, a avó de Luís Paulo, o herói da aldeia que não há meio de acharmos. "Ele joga-se. O Luís Paulo enfrenta tudo, seja o que for". A avó está (e é) muito orgulhosa do neto.
Ficou viúva no ano passado. No dia do fogo, foram buscá-la para ficar na casa do Luís Paulo enquanto ele combatia o fogo, mas quando o fogo se aproximou e chegou perto da casa do neto, tiraram-na de lá, com medo, e levaram-na de volta para o centro da aldeia, para a sua casa. Esteve sempre com coração nas mãos, sabia que o neto andava no fogo.
Mas onde anda o herói?!
Enquanto a nossa equipa ali estava, toda a gente queria ajudar a encontrar o Luís Paulo. Lá está, acabou por ser um habitante local, daqueles cujo nome não ficará na reportagem, quem ajuda.
Usa camisola amarela e é um dos que telefona ao pai do Luís Paulo para saber onde anda o rapaz. Descobre! "Venham lá comigo, eu levo-os, ele está numa aldeia ali mais para cima”. Pega no carro e vamos atrás dele.
Enquanto esperávamos que ele viesse da floresta fomos recebidos pelos animais como se fosse dia de festa.
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Ei-lo, "o comandante"
Encontramos Luís Paulo no cima de uma aldeia, de vigia: há uma coluna de fumo próxima e ele está com o trator num ponto estratégico.
O agora célebre trator, velho, era do avô, nem bateria tem. No dia do fogo foi como um carro-bombeiro para cima e para baixo, sempre parado em campo inclinado para poder pegar "de empurrão".
“Obrigada por terem vindo até cá mas eu não queria nada dar esta entrevista sem os meus amigos. Não sou nenhum herói. Sem eles não fazia nada” Luís Paulo começa envergonhado mas, à medida que a entrevista avança, solta-se. E ri.
Já a terminar, Luís Paulo mede com os olhos a jornalista Carolina Resende Matos. “És mais alta que eu?” Se calhar sou. “Tenho um metro e noventa”. Então não sou, tenho um e oitenta e cinco. Põe-se lado a lado e é então que o fotógrafo os apanha.
O fotógrafo, já vos falámos dele? É mais uma das pessoas invisíveis nesta reportagem, um repórter oculto que desoculta, que vê e mostra. É o Filipe Brás, autor de todas as fotografias desta página, ele acompanhou a equipa de reportagem durante estes dias.
Agora é hora de abalar, seguir para outra reportagem, para outra aldeia, outro monte, para outras histórias, outras pessoas. O herói de Soutelo fica, agora com o cognome de "Comandante", cada vida é o seu próprio infinito.
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A reportagem
JORNALISTAS Carolina Resende Matos e Margarida Neves de Sousa
REPÓRTER DE IMAGEM Flávio Almeida
EDIÇÃO DE IMAGEM Nelson Costa