4. Abuso de poder, uma "monstruosidade" na Igreja
As pessoas caminham pela Praça de São Pedro no Vaticano, terça-feira, 22 de abril de 2025. (AP Photo/Andreea Alexandru)

4. Abuso de poder, uma "monstruosidade" na Igreja

Por Joaquim Franco

Francisco herdou o drama do abuso sexual de menores na Igreja. Uma “vergonha”, uma “tragédia”, como disse. Foi arrastado por um bispo – Carlo Maria Viganò, excomungado em 2024, que, veio a saber-se depois, tinha fortes ligações a setores católicos anti-Francisco nos Estados Unidos da América – que insinuou ter o Papa encoberto também casos de abusadores, mas esta acusação nunca foi provada ou levada a sério.

Numa visita ao Chile, em 2018, Francisco viu rebentar-lhe nas mãos um novo escândalo. Havia dezenas de casos de abusos registados naquele país, mas a hierarquia local tinha garantido que não havia ocultamento por parte de um dos prelados, Juan Barros, que era publicamente acusado de encobrir e proteger o sacerdote abusador Fernando Karadima.

O próprio Papa pôs as mãos no fogo. Cruzando-se com protestos em Santiago do Chile, aproximou-se de manifestantes quebrando protocolos de segurança, para dizer que “não há provas contra ele [Barros], é tudo uma calúnia”.

No regresso a Roma, tornou-se evidente que o episcopado chileno tinha mentido ao Papa. Francisco retratou-se pelo que dissera, chamou os prelados chilenos, em bloco, ao Vaticano, e convidou-os a apresentarem a demissão, o que fizeram.

“Se o Papa já estava de facto a lutar contra o problema e a pôr isso na agenda, a exigir outra atitude aos bispos”, lembra o padre jesuíta Miguel Almeida, no Chile “percebeu que havia qualquer coisa de mais sistémico, de mais cultural dentro da Igreja”.

O quadro sistémico de abusos na Igreja, Francisco sintetizou-o na entrevista emitida pela TVI e CNN Portugal em 2022: “O abuso de homens e mulheres da Igreja — abuso de autoridade, abuso de poder e abuso sexual — é uma monstruosidade.” Citando um estudo que indicava a prevalência de 3% dos abusos sexuais no contexto da Igreja, Francisco enfatizou: “Mesmo que fosse um só, é monstruoso.”

O sociólogo José Manuel Pureza realça a leitura abrangente do Papa face ao drama dos abusos na Igreja, fazendo uma “correlação direta entre a denúncia e erradicação do fenómeno de abuso sexual com a denúncia daquilo a que ele chama o pecado do clericalismo”. Porque “o abuso de poder é a raiz de muitos males, de muitos outros abusos, é a primeira perversão”, acrescenta Rita Sacramento Monteiro, da Fundação Economia de Francisco. “Não é só uma questão de perversidade pessoal”, conclui Pureza, “mas também a expressão de um sistema e de uma cultura enraizada que confere centralidade ao clero”.

Depois do episódio do Chile, num gesto inédito, Francisco convocou uma cimeira sobre proteção de menores na Igreja, com bispos de todo o mundo, para ouvirem vítimas e especialistas. Ali anunciou que ia ampliar a legislação da Igreja na proteção de menores e pessoas vulneráveis. Foi em fevereiro de 2019. “Pela primeira vez, um Papa pôs as vítimas no centro”, constata a jornalista argentina Elisabetta Piqué, autora do livro “Francisco – Vida e Revolução”, e “cria legislação para que haja transparência, com passos em frente muito concretos”.

É um trabalho “hercúleo”, reconhece o padre Miguel Almeida, “tentar responder a feridas tão profundas que a Igreja provocou nas pessoas”. Francisco começou a “reformar o Direito Canónico, no sentido de proteger mais os vulneráveis e as crianças, e sublinhou que a Igreja pode levantar prescrições que possam canonicamente ter acontecido”.

“Um sacerdote não pode continuar a ser sacerdote se for um abusador”, disse o Papa Francisco na entrevista à TVI e CNN Portugal, garantindo que tem de haver "tolerância zero" para os casos comprovados, pois “é um doente ou um criminoso”.

 

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