Enquanto Donald Trump espera uma chamada de Xi Jinping, a China recusa ceder, intensificando uma guerra comercial sem precedentes entre as duas maiores potências económicas do mundo
Uma trégua tarifária por parte do presidente Donald Trump fez disparar os mercados globais na quarta-feira, com a Casa Branca a afirmar que tem estado em contacto com dezenas de países para fechar acordos, agendando chamadas e reuniões nas próximas semanas.
Mas um país esteve notoriamente ausente de qualquer aproximação: a China.
Enquanto o resto do mundo beneficiava de uma pausa de 90 dias, Trump intensificava as tarifas sobre a China, anunciando que os EUA passariam a aplicar um acréscimo de 145% sobre todos os bens chineses que chegassem ao país. Em resposta, Pequim aumentou as suas próprias tarifas sobre os produtos americanos para 125%, e o líder chinês — que Trump tenta desesperadamente contactar — avisou que a China “não tem medo” de um conflito comercial prolongado.
Em discussões privadas, horas antes de a China anunciar novas tarifas de retaliação, a administração Trump alertou os responsáveis chineses contra tal medida, segundo uma fonte familiarizada com as conversações.
Os chineses foram também informados — mais uma vez — de que o presidente Xi Jinping deveria solicitar uma chamada com o presidente norte-americano Donald Trump.
Contudo, os responsáveis americanos acordaram com a notícia do aumento das tarifas chinesas e sem qualquer pedido de chamada de alto nível. Xi proferiu ainda declarações que endureceram mais a sua posição.
“Durante mais de 70 anos, o desenvolvimento da China baseou-se na autossuficiência e no trabalho árduo — nunca em esmolas de outros, e não teme qualquer repressão injusta”, afirmou Xi, segundo a televisão estatal CCTV, durante um encontro com o primeiro-ministro espanhol.
Está a formar-se rapidamente uma guerra comercial sem precedentes entre as duas maiores potências económicas do mundo, com ambos os países à espera que o outro ceda.
Dois altos responsáveis da Casa Branca disseram à CNN internacional que os EUA não vão fazer o primeiro contacto com a China. Trump transmitiu à sua equipa que a China deve dar o primeiro passo, pois a Casa Branca acredita que foi Pequim quem escolheu retaliar e agravar ainda mais a guerra comercial.
Essa posição tem sido comunicada a Pequim há cerca de dois meses, com a equipa de Trump a dizer claramente aos responsáveis chineses que Xi deveria pedir uma chamada com Trump. Mas Pequim recusou repetidamente agendar uma chamada entre os dois líderes, de acordo com três fontes familiarizadas com as comunicações oficiais.
Um dos obstáculos, acredita a equipa de Trump, é o desejo de Xi em não parecer fraco ao tomar a iniciativa de se aproximar dos EUA para conversar.
Trump, que ambiciona um grande acordo com a China que aumente as exportações americanas, combata as exportações de fentanil e reestruture o TikTok para os utilizadores dos EUA, sugeriu que Pequim acabaria por ceder.
“A China quer fazer um acordo. Só não sabe bem como fazê-lo”, disse Trump na quarta-feira, durante um evento na Casa Branca. “Sabem, é daquelas coisas… são um povo orgulhoso.”
À procura do canal certo
Mas há meses que os líderes dos EUA e da China falam em paralelo, sem se entenderem, permitindo que a relação se deteriore à medida que os esforços de diálogo de ambos os lados ficam sem resposta.
Nos bastidores, os canais oficiais a nível técnico continuam ativos, mas o diálogo ao mais alto nível não tem acontecido. Entretanto, os canais não oficiais têm-se revelado improdutivos, segundo três fontes informadas, abrindo caminho a um jogo perigoso de “quem cede primeiro” com custos elevados e um desfecho incerto.
Alguns responsáveis atuais e antigos apontam que a dependência da China em protocolos rígidos e a vontade de preparar Xi para qualquer chamada desta importância entra em choque direto com a forma como Trump conduz as suas negociações — e que isso é o principal entrave ao arranque de conversações produtivas.
A China tem tentado estabelecer um canal paralelo, como o que tinha com o conselheiro de segurança nacional de Joe Biden, Jake Sullivan, mas até agora sem sucesso. Segundo responsáveis norte-americanos, a administração Trump opõe-se à ideia de o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, ser o interlocutor, alegando que Wang não está suficientemente próximo do círculo interno de Xi e não é de confiança.
Foram apresentados aos responsáveis chineses nomes específicos de pessoas com quem a Casa Branca preferia contactar, mas a China não cedeu, segundo as fontes.
A tensão agravou-se ainda mais com a publicação, por parte da China, de um resumo de uma chamada entre Wang e o secretário de Estado Marco Rubio, que, segundo este último, deturpava o conteúdo da conversa.
“Isso não aconteceu, pelo menos não naquela chamada — ou talvez o intérprete deles não tenha querido traduzi-lo assim”, disse Rubio, referindo-se à alegação chinesa de que teria sido avisado para não ultrapassar os limites.
Apesar de alguma comunicação ter sido intermediada pelo embaixador chinês nos EUA, a falta de um canal de alto nível tem dificultado o agendamento de uma chamada que, segundo a administração Trump, é necessária.
Dois altos responsáveis da Casa Branca disseram à CNN que Trump aceitaria o início da comunicação a um nível inferior ao dos líderes, se isso trouxesse resultados.
Apesar de os responsáveis de Trump afirmarem publicamente que será ele a decidir quando é que as conversações com Xi começam — o diretor do Conselho Económico Nacional, Kevin Hassett, disse à CNBC que Trump “decidirá” quando começarem as conversações —, é claro que, para já, os EUA acreditam que a bola está do lado da China.
Pelo menos, é assim que a equipa de Trump vê a situação. Mas em Pequim o ponto de vista é outro.
“A porta para o diálogo está aberta, mas o diálogo deve ser conduzido com base no respeito mútuo e na igualdade”, afirmou na quinta-feira um porta-voz do Ministério do Comércio chinês. “Se os EUA optarem pela confrontação, a China responderá na mesma moeda. Pressões, ameaças e chantagens não são o caminho certo para lidar com a China.”
No meio do impasse, a Casa Branca tem dado prioridade a acordos comerciais com o Japão, Coreia do Sul e Vietname, numa tentativa de pressionar Pequim, disse um alto responsável da Casa Branca.
Responsáveis norte-americanos, atuais e antigos, não descartam a possibilidade de criar um canal de preparação inesperado para uma eventual chamada entre Xi e Trump, mas dizem que o essencial é garantir aos chineses que Xi não será apanhado de surpresa — especialmente depois da repreensão pública que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, recebeu na Sala Oval.
“Os chineses, em qualquer caso, estão relutantes em colocar o seu líder na mesma posição em que Zelensky se encontrou”, disse Danny Russel, antigo secretário-assistente de Estado para o Leste Asiático e atual vice-presidente do Instituto de Política da Sociedade Asiática. “Querem garantir que há algum trabalho de base feito antes de uma reunião e que estão definidas regras claras.”
"Destruição mútua assegurada"
Responsáveis chineses tentaram estabelecer contactos diretos com Trump, muitas vezes através de líderes empresariais que têm influência junto do ex-presidente.
Quando Xi enviou o Vice-Presidente Han Zheng a Washington — o mais alto representante chinês a alguma vez assistir a uma tomada de posse presidencial —, Han reuniu também com Elon Musk.
O CEO da Tesla tem interesses comerciais na China e teve muita influência nos primeiros tempos da administração Trump. Os responsáveis chineses esperavam estabelecer canais de comunicação mais diretos com a nova administração, usando Musk como intermediário. Mas até agora, esses esforços não tiveram sucesso.
A China chegou a considerar prejudicar as operações de grandes empresas americanas no país, como a Apple, Tesla, Caterpillar e Starbucks. Mas, segundo duas fontes, recuou nessa ideia por receio de uma revolta dos consumidores chineses e da possível perda de canais executivos valiosos para o Partido Comunista Chinês (PCC).
Ainda assim, o PCC continua a ponderar opções estratégicas para retaliar contra Washington para além do aumento das tarifas. É provável que a China passe a comprar soja e produtos agrícolas ao Brasil em vez dos EUA, como fez na anterior guerra comercial do mandato de Trump.
“Vejam como estão a colocar empresas americanas na lista negra, a atacar os agricultores dos EUA, a cortar o acesso a minerais críticos — esse é um arsenal que dominam bem”, disse Melanie Hart, diretora do Global China Hub do Atlantic Council. “Têm vindo a experimentá-lo noutros países há anos. Estão a preparar-se para este momento há muito.”
Quando questionadas sobre qual o nível de dor que cada país está disposto a suportar, fontes em contacto com ambos os governos não souberam responder. Mas uma coisa é clara: até onde forem na utilização de armas económicas não tarifárias poderá determinar o quão perigoso será este conflito.
Pequim já proibiu a exportação de alguns minerais raros essenciais para a produção de certos bens. Se decidir proibir todas as exportações ou vender os títulos do Tesouro americano que possui, o conflito entrará noutra dimensão.
“Se a China decidir estrangular completamente a economia americana, aí todas as barreiras caem”, disse um antigo responsável dos EUA. “Uma guerra comercial dessa magnitude é um ato de guerra.”
Qual dos dois países tem mais vantagem neste confronto depende de quem se pergunta. Peter Navarro, o conselheiro ultra-conservador de Trump, sugere que Pequim não se pode dar ao luxo de escalar. Outros consideram isso uma visão ingénua de um líder autoritário com o poder total de uma economia planificada.
“Isso está absolutamente errado”, disse uma fonte em contacto com ambos os governos. “Estamos perante uma destruição mútua assegurada.”
Alguns especialistas sugerem que é Xi quem está em posição mais forte, tendo reforçado a sua autoridade política interna e ganhado margem para resistir antes de negociar com Trump.
“Xi Jinping está numa posição política muito mais forte devido aos ataques percebidos da administração Trump, e está em melhores condições para convencer o povo chinês a suportar o impacto económico das tarifas”, afirmou Russel.
Matt Pottinger, ex-vice-conselheiro de segurança nacional de Trump, e Liza Tobin, que foi diretora para a China no Conselho de Segurança Nacional, descreveram a situação no Free Press como uma “separação complicada” e um “conflito de soma zero”, cujo desfecho terá repercussões globais. As superpotências, dizem eles, estão equilibradas — mas com objetivos diferentes.
“Enquanto Trump assume a dianteira na guerra comercial, Xi está a ganhar terreno em áreas que podem ser ainda mais decisivas: inteligência artificial, manufatura avançada e poderio militar necessário para tomar a peça de território mais importante do mundo – Taiwan.”
Arrependimentos do primeiro mandato de Trump
Durante o período fora do cargo após a derrota em 2020, Trump lamentou frequentemente as falhas dos acordos comerciais que celebrou com a China no seu primeiro mandato. Embora tenha mantido uma relação cordial com Xi — incluindo uma visita de Xi a Mar-a-Lago e uma visita de Trump a Pequim em 2017 —, a relação azedou nos últimos anos do seu mandato.
Trump lamenta o que considera ter sido a fraqueza de alguns responsáveis, que permitiram que a China incumprisse compromissos de compra de grandes quantidades de produtos americanos, nomeadamente agrícolas. A China justificou-se com a pandemia de covid-19.
De regresso ao poder, Trump fala agora em negociar um acordo mais abrangente com a China, que vá além do comércio e inclua novos investimentos e compromissos chineses para comprar mais produtos americanos. No entanto, esse esforço é dificultado pelo fracasso do acordo comercial anterior e pelas reservas da sua equipa de segurança nacional quanto ao aumento do investimento chinês nos EUA.
Trump também prometeu reprimir o tráfico de fentanil vindo da China. Nos primeiros dias no cargo, impôs tarifas de 10% à China — bem como ameaças a Canadá e México —, referindo o papel dos fornecedores chineses no tráfico de fentanil.
Pouco depois de uma conversa entre Trump e Xi, em meados de janeiro, o PCC apresentou uma proposta sobre o combate ao fentanil à Embaixada dos EUA em Pequim. A embaixada não respondeu e criticou-a internamente. Pequim ficou furiosa, segundo uma fonte próxima de ambos os governos.
Na semana passada, Pequim apresentou uma proposta mais sólida, depois de insistência da administração americana. Mas ainda não se sabe se Trump levará essa proposta a sério — ou se avançará com um acordo sobre o TikTok — como forma de suavizar as tarifas que dispararam e estão a dividir as duas economias.
“Será que o instinto negocial de Trump vai prevalecer sobre o instinto de ruptura?”, perguntam Pottinger e Tobin. “Mas um ‘grande acordo’ que deixe de lado a rivalidade EUA-China nunca esteve tão distante.”