Trump acusado de sete crimes. O que vai acontecer a seguir? Poderá ser preso? Poderá candidatar-se na mesma?

CNN , Análise de Zachary B. Wolf
9 jun 2023, 11:08
Donald Trump com os advogados no Tribunal de Manhattan (AP)

Um guia de perguntas e respostas para perceber o que está em causa

O anúncio feito pelo ex-presidente Donald Trump nas suas redes sociais de que tinha sido acusado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos levantou mais questões do que respondeu.

Segundo a CNN, Trump foi acusado de sete crimes.

Jack Smith, o conselheiro especial que coordena as investigações federais relacionadas com o antigo presidente, nunca falou publicamente sobre o que os procuradores federais têm estado a fazer durante quase um ano que passou desde que os agentes do FBI fizeram buscas na casa de Mar-a-Lago de Trump. E talvez não saibamos muito mais até à próxima terça-feira, quando Trump for intimado a comparecer num tribunal federal em Miami, às 15 horas.

Aqui estão algumas das respostas que temos até agora:

Isto já aconteceu antes?

Não. Nenhum antigo presidente foi acusado de um crime federal. Nem o principal candidato a presidente de um grande partido político.

Talvez o julgamento do ex-vice-presidente Aaron Burr por traição em 1807 seja análogo, mas provavelmente não.

Estamos, como é frequentemente o caso com Trump, em território desconhecido.

Outra acusação? Ele não foi já acusado?

Sim e sim. Trump foi acusado em março pelo procurador distrital de Manhattan por acusações estatais relacionadas com o pagamento de suborno a uma antiga estrela de filmes para adultos em 2016.

A nova acusação envolve acusações completamente diferentes, apresentadas pelo governo federal e relacionadas com o seu tratamento de documentos confidenciais depois de ter deixado a Casa Branca.

Porque é que Trump não está a ser acusado em relação ao dia 6 de janeiro ou à sua tentativa de anular as eleições de 2020?

É possível que ainda o seja. Jack Smith está também a supervisionar outras investigações relacionadas com Trump, incluindo as que dizem respeito à insurreição de 6 de janeiro de 2021 e às eleições de 2020.

Não foi também encontrado material confidencial na casa do presidente Joe Biden?

Sim. E há um conselheiro especial a investigar isso também.

A principal diferença no caso de Trump é que ele tentou ativamente, durante cerca de um ano, evitar a entrega de documentos aos Arquivos Nacionais, que os detêm depois de um presidente deixar o cargo.

O que há exatamente nestas novas acusações?

Sabemos que há sete acusações e, de acordo com a CNN, uma delas está relacionada com uma alegação de conspiração.

Trump enfrenta uma acusação ao abrigo da Lei da Espionagem, disse o seu advogado Jim Trusty na CNN, na quinta-feira, bem como acusações de obstrução à justiça, destruição ou falsificação de registos, conspiração e falsas declarações.

Há outras coisas que podemos deduzir, incluindo o facto de outras pessoas, para além de Trump, poderem vir a ser acusadas.

"Tudo o que significa conspiração é um acordo entre duas ou mais pessoas para violar a lei, um encontro de vontades", observou Elie Honig, especialista jurídico da CNN e antigo procurador-adjunto dos Estados Unidos.

Que leis podem ter sido infringidas?

O texto que se segue é da autoria de Marshall Cohen, da CNN:

Os procuradores revelaram os estatutos específicos que estavam a investigar quando fizeram as buscas em Mar-a-Lago no ano passado, buscas que revelaram dezenas de documentos confidenciais, mesmo depois de a equipa de Trump ter jurado que tinha entregue tudo.

No entanto, isso foi antes de Jack Smith assumir o controlo da investigação como conselheiro especial, o que não significa que estes sejam os únicos crimes possíveis. Mas fornece um roteiro de possíveis acusações - porque ao solicitar o mandado de busca em Mar-a-Lago, os procuradores precisavam de convencer um juiz de que havia uma causa provável de encontrar provas destes crimes.

  • A primeira é a 18 USC 793, que faz parte da Lei da Espionagem. Esta lei federal trata da retenção ilegal de "informações de defesa nacional", um termo amplo que engloba documentos confidenciais e outros materiais governamentais sensíveis. Esta lei pode aplicar-se a pessoas que estão autorizadas a manusear informações confidenciais, mas que conscientemente mantiveram o material num local não seguro, ou a pessoas que não deveriam possuir as informações em primeiro lugar.

  • A segunda é a 18 USC 2071, que trata da remoção ilegal de registos governamentais da custódia dos EUA.

  • A terceira é a 18 USC 1519, que se refere à obstrução da justiça. Esta poderá ser aplicada se os procuradores concluírem que Trump ou os seus assessores tentaram intencionalmente impedir a sua investigação - deslocando as caixas para que os procuradores não encontrassem documentos confidenciais, questionando o cumprimento de intimações, incluindo as gravações de videovigilância que os procuradores acreditam ter captado o movimento das caixas, não cumprindo integralmente uma intimação ou jurando falsamente que todos os ficheiros confidenciais tinham sido devolvidos.

As buscas do FBI foram realizadas há quase um ano. O Departamento de Justiça tem estado a investigar estas acusações?

Provavelmente não. Nessa altura, Jack Smith nem sequer estava envolvido no caso. Tudo indica que os advogados do governo têm estado ocupados a construir um caso.

De facto, Smith recorreu recentemente a um segundo grande júri na Florida.

Nas últimas semanas, a CNN noticiou vários pormenores sobre testemunhas que compareceram nos últimos meses perante os grandes júris. Só em março é que interrogaram um assessor que se encontrava na sala durante a reunião em que Trump foi gravado alegadamente a fazer sinal para papéis com material confidencial que se encontravam na sua secretária.

Quando é que saberemos mais?

Trump deverá comparecer nesta terça-feira num tribunal federal de Miami. Até lá, tudo o que ouvirmos sobre o assunto virá provavelmente de Trump.

Em Miami? Porque é que ele não está a ser acusado em Washington, DC?

Evan Perez, da CNN, noticiou na quinta-feira à noite que as autoridades federais estavam a debater-se com a logística de como processar o antigo presidente em Miami, e referiu que há muito se assumia que as acusações federais contra Trump seriam feitas em Washington.

No entanto, faz algum sentido que o caso se passe na Florida. É lá que Trump vive atualmente a maior parte do ano e é também onde o FBI fez as buscas em Mar-a-Lago e levou caixas com material confidencial.

Há outras razões. Trump tem ignorado os contratempos legais em Nova Iorque - a sua empresa foi condenada por evasão fiscal e ele foi considerado responsável por abuso sexual - com o argumento de que os nova-iorquinos se opõem politicamente a ele.

Este argumento será mais difícil na Florida, um Estado que ele ganhou em 2016 e 2020, embora o presidente Joe Biden tenha vencido no condado de Miami-Dade.

"O facto de estar a ser acusaso na Florida é extremamente significativo", apontou Honig. "Legalmente, penso que é a decisão correcta do Departamento de Justiça, porque vai evitar uma questão complicada sobre o local do processo."

Quanto tempo é que isto vai demorar? Estará concluído antes das eleições?

Não se sabe, mas é pouco provável. Tanto Honig, um crítico de Trump, quanto Robert Ray, advogado que defendeu Trump no seu julgamento de impeachment [destituição], disseram na CNN na quinta-feira que, dado que o caso do procurador de Manhattan já está agendado e dado o tempo que leva para processar um caso federal, parece improvável que isso possa ser concluído antes da eleição de 2024.

O que acontece se Trump ganhar e o julgamento não estiver concluído?

O processo desaparece, explicou Ray. "Ele controlaria o Departamento de Justiça... se o caso ainda estiver pendente, ele simplesmente encerra o caso."

Isto fará com que os republicanos se voltem contra Trump?

O ex-presidente foi alvo de dois impeachment, tentou anular uma eleição, foi processado repetidamente, indiciado em Manhattan e muito mais. De acordo com as sondagens, continua a ser o principal candidato à nomeação presidencial republicana.

E Trump tem a garantia de angariar apoio com base nestas últimas acusações, todas parte do que ele alega ser uma "caça às bruxas" que dura há anos.

"Ele poderia, de facto, armar a sua campanha contra estas acusações", previu o estratega democrata e analista da CNN David Axelrod. "Penso que é isso que vamos ver, tal como aconteceu aqui em Nova Iorque. Ele vai dizer, como você diz, 'Eles estão a vir atrás de nós. Estão a tentar tirar-nos a voz'".

Seguem-se, abaixo, as respostas a algumas perguntas que recebemos após a acusação de Trump em Nova Iorque, em março, e que ainda se aplicam.

A pergunta mais vezes feita é também a mais fácil de responder.

Trump pode candidatar-se à presidência enquanto estiver indiciado ou se for condenado?

Sim, sem dúvida.

"Nada impede Trump de se candidatar enquanto estiver indiciado, ou mesmo condenado", esclareceu o professor de Direito da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Richard Hasen.

A Constituição exige apenas três coisas dos candidatos. Devem ser:

  • Um cidadão naturalizado

  • Ter pelo menos 35 anos de idade

  • Residir nos EUA há pelo menos 14 anos

Por uma questão política, é talvez mais difícil para um candidato acusado, que pode tornar-se um criminoso condenado, ganhar votos. Os julgamentos não permitem que os candidatos deem o seu melhor. Mas não lhes é proibido concorrer ou ser eleito.

Outras restrições não se aplicam a Trump

Existem alguns asteriscos tanto na Constituição como nas 14.ª e 22.ª Emendas.

Limite de mandatos. A 22.ª Emenda proíbe qualquer pessoa que tenha sido presidente duas vezes (ou seja, que tenha sido eleita duas vezes ou que tenha cumprido metade do mandato de outra pessoa e depois tenha ganho o seu próprio mandato) de se candidatar novamente. Isso não se aplica a Trump, uma vez que ele perdeu as eleições de 2020.

Impeachment. Se uma pessoa for acusada pela Câmara e condenada pelo Senado por crimes graves e contravenções, é destituída do cargo e impedida de voltar a exercer funções. Trump, apesar de ter sido alvo de duas destituições pela Câmara durante a sua presidência, foi também absolvido duas vezes pelo Senado.

Desqualificação. A 14.ª Emenda inclui uma "cláusula de desqualificação", redigida especificamente a pensar nos antigos soldados confederados.

Diz o seguinte:

Nenhuma pessoa poderá ser Senador ou Deputado no Congresso, ou eleitor do Presidente e do Vice-Presidente, ou exercer qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos ou em qualquer Estado, que, tendo previamente prestado juramento, como membro do Congresso, ou como oficial dos Estados Unidos, ou como membro de qualquer legislatura estadual, ou como oficial executivo ou judicial de qualquer Estado, de apoiar a Constituição dos Estados Unidos, se tenha envolvido em insurreição ou rebelião contra a mesma, ou dado ajuda ou conforto aos seus inimigos.

A acusação na cidade de Nova Iorque relativa ao pagamento de dinheiro para calar uma estrela de filmes para adultos não tem nada a ver com rebelião ou insurreição. As acusações federais relacionadas com documentos confidenciais provavelmente também não têm nada a ver.

Eventuais acusações no condado de Fulton, na Geórgia, relativamente à intromissão nas eleições de 2020 ou a nível federal relativamente à insurreição de 6 de janeiro de 2021 poderão talvez ser interpretadas por alguns como uma forma de insurreição. Mas essa é uma questão em aberto que teria de ser resolvida pelos tribunais. As eleições de 2024 estão a aproximar-se rapidamente.

Trump poderia votar se fosse condenado?

Se fosse condenado por um crime a nível federal ou em Nova Iorque, Trump estaria impedido de votar no seu Estado, a Florida, pelo menos até ter cumprido uma potencial sentença.

Onde é que se encontra um júri imparcial para Trump?

Uma vez que Trump é um dos americanos mais polémicos e conhecidos da história, é difícil acreditar que exista um júri grande e imparcial.

A Sexta Emenda garante "o direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e do distrito onde o crime foi cometido".

Uma sondagem da Universidade Quinnipiac realizada em março perguntou a opinião dos eleitores sobre Trump. Apenas 2% disseram que não tinham ouvido falar o suficiente sobre ele para se poderem pronunciar.

Mas Nova Iorque constituiu um júri anónimo num processo de abuso sexual movido pela antiga colunista E. Jean Carroll.

Poderá Trump ser preso?

Ele ainda não foi julgado, muito menos condenado.

A ideia de que Trump alguma vez veria o interior de uma cela de prisão ainda parece completamente rebuscada. Hasen disse que os serviços secretos teriam de providenciar a sua proteção na prisão. A logística disso é incompreensível. Os agentes seriam colocados em celas de cada lado dele? Vestir-se-iam como reclusos ou guardas?

Historicamente, os altos funcionários acusados de atos ilícitos têm encontrado uma forma de escapar à prisão. O antigo presidente Richard Nixon obteve um perdão preventivo do seu sucessor, Gerald Ford. O anterior vice-presidente de Nixon, Spiro Agnew, demitiu-se depois de ter sido apanhado num escândalo de corrupção. Agnew fez um acordo e evitou a prisão. Burr, também antigo vice-presidente, escapou por pouco a uma condenação por traição. Mas depois deixou o país.

Mas há pessoas que cumprem habitualmente penas de prisão por retenção de documentos confidenciais, conspiração e obstrução. Estamos muito longe disso.

Se Trump for preso, os serviços secretos vão com ele?

Esta pergunta já nos foi feita várias vezes, mas parece-nos demasiado prematura e sem precedentes para ser respondida neste momento. Mas é claro que os serviços secretos são responsáveis pela segurança do antigo presidente, mesmo que este esteja na prisão.

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