ANÁLISE || Em Davos está tudo ansioso para conhecer os planos do novo presidente dos Estados Unidos
Os generosos Estados-providência da Europa estão a sofrer uma pressão crescente, à medida que o fraco crescimento económico colide com as crescentes exigências dos orçamentos governamentais, em especial devido ao envelhecimento da população.
O regresso de Donald Trump à Casa Branca, esta segunda-feira, só vem aumentar a incerteza que afeta uma das regiões mais estáveis e prósperas do mundo.
O novo presidente dos EUA deverá discursar na reunião anual do Fórum Económico Mundial esta semana. Os líderes governamentais e empresariais europeus reunidos na cidade alpina de Davos, na Suíça, estarão ansiosos por conhecer os planos de Trump, incluindo os direitos aduaneiros sobre bens importados e a guerra à sua porta, na Ucrânia.
Os Estados Unidos são o maior comprador de produtos europeus e espera-se que as tarifas que Trump prometeu na campanha diminuam o crescimento na região. Mesmo a mera ameaça de taxas de importação mais elevadas poderá fazê-lo, devido ao consequente entrave ao investimento empresarial, uma vez que as empresas se mostram cautelosas, de acordo com analistas do Goldman Sachs e do J.P. Morgan.
Também é incerto se a Europa pode contar com a proteção militar contínua dos EUA, com Trump a ameaçar, em outubro, abandonar os aliados da NATO - na sua esmagadora maioria, Estados europeus - se estes não aumentarem as despesas com a defesa.
No início deste mês, Trump apelou aos membros da aliança militar para que mais do que duplicassem as despesas com a defesa, passando a representar 5% do seu produto interno bruto, em vez dos atuais 2% - um nível que muitas economias europeias ainda não atingem, como é o caso da portuguesa.
O facto de afetarem menos dos seus orçamentos à defesa permitiu que os países europeus gastassem mais em serviços públicos, incluindo cuidados de saúde e subsídios de desemprego. Desde 1991, a Europa poupou 1,8 biliões de euros em resultado da redução das despesas com a defesa - o chamado “dividendo da paz” - permitindo uma expansão dos Estados-providência europeus “a um nível não apoiado pelo desenvolvimento económico geral”, escreveram há um ano investigadores do Instituto Ifo da Alemanha.
Mesmo um pequeno aumento das despesas com a defesa iria provavelmente exercer pressão sobre as finanças públicas já sobrecarregadas, que também têm de cobrir outras exigências crescentes.
“Os governos europeus não pretendem apenas aumentar as despesas com a defesa, mas também investir na transformação das suas economias em dificuldades e no combate às alterações climáticas”, afirmam os investigadores do Ifo. “O espaço orçamental limitado confronta-os com sérias soluções de compromisso”.
Sacrificar o futuro
Para além das despesas com a defesa, as novas tecnologias e a transição para as energias limpas, a Europa enfrenta outro custo enorme: o envelhecimento da população.
“O fardo do envelhecimento é um fardo real”, explica Peter Taylor-Gooby, professor e investigador de política social na Universidade de Kent, em Inglaterra. A despesa do governo com os idosos já é “a parte de leão do Estado-providência” na Europa, refere à CNN.
Veja-se o caso da Alemanha. Para manter a atual provisão de pensões, a maior economia da Europa precisa de crescer pelo menos 2% ao ano, de acordo com o diretor-executivo do Deutsche Bank, Christian Sewing. A economia alemã, pelo contrário, registou uma contração nos últimos dois anos.
Para a Europa no seu conjunto, a diminuição das taxas de natalidade e o aumento do número de pensionistas, à medida que as pessoas vivem mais tempo, significam uma menor percentagem de trabalhadores e mais despesas públicas com os idosos. Isto deixa menos espaço para investir em formação e tecnologia para aumentar a produtividade e gerar o crescimento económico - e as receitas fiscais - necessário para manter os Estados-providência.
“Para continuar a pagar as pensões e os cuidados de saúde [para os idosos], sacrificamos o futuro, que é investir na educação, investir nas crianças, investir na investigação e no desenvolvimento”, diz Bruno Palier, diretor de investigação do Centro de Estudos Europeus e de Política Comparada da Sciences Po, em Paris. “É aqui que deve estar o medo”.
A McKinsey calcula que, na Europa Ocidental, o declínio previsto da percentagem de pessoas em idade ativa na população total poderá abrandar o crescimento anual do PIB per capita numa média de quase 10 mil euros durante o próximo quarto de século - o que não é um obstáculo “insignificante” à melhoria do nível de vida.
Para manter o mesmo crescimento do nível de vida registado desde a década de 1990, a McKinsey calcula que a produtividade, definida como o PIB por hora trabalhada, nas maiores economias da Europa teria de aumentar entre duas a quatro vezes o ritmo da última década até 2050.
Atualmente, o crescimento da produtividade na Europa está a abrandar. Isto tornará mais difícil manter a proteção social, que em muitos países europeus é mais generosa do que noutras economias avançadas, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
“Se não conseguirmos aumentar a produtividade, arriscamo-nos a ter menos recursos para as despesas sociais”, afirmou a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, num discurso proferido em novembro, poucas semanas depois de Trump ter ganho o seu segundo mandato.
“A nossa forma europeia [de proteção social] está agora sob pressão”, alertou. “Temos de nos adaptar rapidamente a um ambiente geopolítico em mudança e recuperar o terreno perdido em termos de competitividade e inovação. Se não o fizermos, poderemos pôr em risco a nossa capacidade de gerar a riqueza necessária para sustentar o nosso modelo económico e social.”
Olesya Dmitracova contribuiu para a reportagem