O FBI vasculhou a casa de Trump na Florida. Estará a caminho uma acusação criminal? Pode o antigo presidente vir a ser preso?

10 ago 2022, 21:00

Na terça-feira, a casa privada do republicano em Mar-a-Lago, na Florida, foi alvo de buscas por parte do FBI

O ex-presidente dos Estados Unidos já tem uma quantidade considerável de investigações e processos no âmbito do seu mandato. O alegado envolvimento na invasão do Capitólio, a tentativa de anular os resultados das eleições de 2020, a destruição de documentos da Casa Branca. E aqui estamos só a falar do percurso político de Donald Trump - que chegou a enfrentar dois impeachments (processos de destituição). Depois existem outros processos judiciais, que o acompanham desde os anos 70, como a acusação de violação por parte da jornalista E.Jean Carroll e as suspeitas de fraude financeira nos negócios da Organização Trump. 

Na terça-feira, a casa privada do republicano em Mar-a-Lago, na Florida, foi alvo de buscas por parte do FBI. Segundo o New York Times, que cita fontes ligadas ao processo, os inspetores pareciam estar focados em material, nomeadamente caixas com informação que o ex-presidente dos Estados Unidos deveria ter entregue aos Arquivos Nacionais norte-americanos mas não o fez. Para além de poderem ter sido levadas da Casa Branca, o Departamento de Justiça suspeita também que possam ter sido destruídos documentos.

Casa privada de Trump na Florida alvo de buscas pelo FBI (AP Photo/Wilfredo Lee)

O detalhe que pode fazer a diferença

Mas há aqui um detalhe que não é indiferente: as buscas feitas pelo FBI têm de ser autorizadas por um juiz federal. Isto pode ser um sinal de que está para vir uma acusação criminal? Sim. Estes mandados de busca normalmente acontecem quando as autoridades federais precisam de avançar rapidamente com uma investigação criminal ou quando têm receio de que haja material importante que possa ser desviado, ocultado, destruído ou alterado.  

"O expediente usado para as buscas, o 'federal search warrant', assenta na necessidade de acelerar uma investigação criminal, sobretudo quando se entende que provas sensíveis relacionadas com essa investigação criminal possam estar em risco, ou quando se entende que os procedimentos normais as colocariam em risco. São sempre autorizadas por um juiz federal, e tenderão a ter sido apoiadas pelo Departamento de Justiça", explica Pedro Ponte e Sousa, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense.

Para além disso, estas buscas - que foram pedidas pelo diretor do FBI e pelo Procurador-Geral dos Estados Unidos, Merrick Garland - tinham de estar muito bem fundamentadas. Primeiro, porque estamos a falar de um ex-presidente dos Estados Unidos e, segundo, porque iam ser mediáticas. Na ótica de Sónia Sénica, especialista em Relações Internacionais e comentadora na CNN Portugal, "estas buscas têm necessariamente que remeter para uma concertação muito grande por parte das autoridades judiciais norte-americanas, sobretudo no que concerne a uma fundamentação de evidências em termos daquilo que é a justificação do mandado e, nesse sentido, uma grande concertação por parte de alguém que é considerado e reconhecido por ter muita cautela, que é o caso de Merrick Garland."

Apesar de não existir uma lei para cidadãos norte-americanos e uma lei para ex-presidentes, não deixa de ser importante que o FBI encontre evidências que fundamentem estas buscas e uma eventual questão judicial. "Estamos a falar de uma certa tentativa de responsabilização política de vários tipos de acontecimentos que podem ser considerados crimes. Estamos a falar de um ex-presidente norte-americano, por isso convém que se consiga provar de forma muito evidente e sustentada", acrescentou Sónia Sénica. 

Donald Trump (AP Photo/Yuki Iwamura)

Se for condenado, qual pode ser a pena de Trump? 

alegado envolvimento de Donald Trump na invasão do Capitólio e a sua passividade perante o que estava a acontecer têm sido, até agora, as acusações mais pesadas na vida do ex-presidente dos Estados Unidos. As audições públicas que estavam previstas já terminaram, mas uma vez que continuam a aparecer testemunhas, é provável que em setembro sejam marcadas novas sessões. Se Trump vier a enfrentar um tribunal e for, de facto, condenado, a pena pode passar pelo impedimento de se candidatar a cargos públicos - o que significa que não se poderia candidatar às eleições de 2024 - ou mesmo pelo cumprimento de uma pena de prisão.

"A moldura penal pode ter várias dimensões, vai ter de depender do crime que aqui estiver a ser verificado e obviamente comprovado. Pode ir desde o desvio dos documentos de segurança nacional, que pode passar por uma pena mínima de cinco anos ou por uma desqualificação de poder exercer funções públicas. Ou ainda, se se comprovar a responsabilização de conspiração e insurreição, isso pode levar a patamares mínimos de 10 anos de prisão", afirma Sónia Sénica.

 A acontecer, seria a primeira vez na história dos Estados Unidos. Seria inédito. Helena Ferro Gouveia, comentadora na CNN Portugal, lembrou que Donald Trump "tem um conjunto de acusações que o acompanham desde os anos 70", sendo que a "mais grave é a de apoio a insurreição". Esta hipótese de Trump 'sofrer' uma desqualificação ou de ser condenado a uma pena de prisão, "em tese, pode acontecer, mas é muito raro e muito difícil." 

"Uma coisa é fazer buscas, outra coisa é arranjar provas que incriminem um ex-presidente", conclui Sónia Sénica.

O professor Pedro Ponte e Sousa acredita que o cenário mais provável "seria a abertura de uma longa batalha legal que acabaria no Supremo Tribunal", mas ressalva que a maioria dos membros é "mais próxima do Partido Republicano."

O que a lei diz é que, de um modo geral, alguém acusado ou até condenado pode concorrer a cargos públicos - aliás, isso aconteceu em 1920, quando Eugene V. Debs se candidatou à presidência dos Estados Unidos e fez campanha enquanto estava a cumprir uma pena de dez anos de prisão. A grande questão, neste caso, passa pelo uso indevido de documentos federais. Nestes casos, o que a lei diz é: "Quem, tendo a custódia de qualquer registo, processo, mapa, livro, documento, papel ou qualquer outra coisa, e dolosa e ilegalmente o ocultar, remover, mutilar, obliterar, falsificar ou destruir, será multado ou preso com uma pena não superior a três anos, ou ambos. Perderá o seu cargo [público] e será desqualificado de ocupar qualquer cargo nos Estados Unidos."

Em suma, se Trump for realmente acusado e condenado pode, de facto, como pena acessória, ficar proibido de exercer qualquer função pública nos Estados Unidos e isso inclui o mais alto cargo do país: a presidência. Isto significaria que não se poderia candidatar às eleições presidenciais de 2024.

Caixas retiradas da Casa Branca, a 14 de janeiro de 2021 (AP Photo/Gerald Herbert)

 

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