opinião
Master em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen e Universidade de Estrasburgo

O negacionismo climático de Trump: um risco global imediato

11 out, 22:31

Furacões nos Estados Unidos, cheias devastadoras na Áustria, Polónia, Chéquia e Hungria, além de secas severas no Brasil e em Portugal, são exemplos preocupantes das consequências das mudanças climáticas. Segundo o Global Tipping Points Summary Report de 2023, cinco sistemas terrestres estão à beira de cruzar perigosos pontos de não retorno devido ao aquecimento global: as camadas de gelo da Gronelândia e da Antártida Ocidental, os recifes de corais tropicais, a circulação do Giro Subpolar do Atlântico Norte e as regiões de permafrost. Atravessar esses pontos críticos pode desencadear mudanças abruptas e irreversíveis, ameaçando gravemente a capacidade da humanidade de produzir alimentos e comprometendo os ecossistemas que sustentam a vida no planeta.

Apesar do risco destes pontos de inflexão, os cientistas ainda acreditam que podemos evitá-los, desde que haja uma ação global coordenada. No entanto, essa esperança pode ser drasticamente minada se Donald Trump vencer as eleições de novembro. Além da sua já habitual postura negacionista, Trump recentemente tem-se empenhado em espalhar desinformação, mesmo diante da devastação provocada pelo furacão Helene, que, desde 24 de setembro, causou mais de 200 mortes, milhões de desalojados e prejuízos bilionários. Em vez de lidar com a crise, preferiu espalhar teorias absurdas, como a suposta falta de helicópteros de resgate na Carolina do Norte e a falsa acusação de que a Agência Federal de Gestão de Emergências desviou recursos para imigrantes.

Desde antes da sua presidência, Donald Trump fez do negacionismo climático uma bandeira, usando-o como arma política para manipular a sua base e desafiar o consenso científico. E porquê? Ao ignorar as evidências das mudanças climáticas, Trump construiu uma imagem de combatente contra os "globalistas", explorando o ressentimento de eleitores que veem nas regulamentações ambientais um inimigo do crescimento económico e da criação de empregos, sobretudo nas indústrias de combustíveis fósseis. Essa narrativa serviu não só para garantir o apoio de sectores poderosos, como o lóbi do petróleo, mas também para capitalizar o medo de mudanças que impactariam diretamente a vida de milhões de americanos. Em vez de enfrentar a crise climática, Trump escolheu fortalecer os seus aliados industriais, mesmo que isso signifique sacrificar o futuro do planeta em nome de ganhos políticos imediatos.

Em 2012, sem qualquer respaldo científico, lançou uma das suas teorias conspiratórias mais absurdas ao afirmar no antigo Twitter: "O conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses para tornar a indústria dos EUA não competitiva". Em 2013, insistiu na ridicularização da ciência, dizendo: "A tempestade de gelo vai do Texas ao Tennessee – estou em Los Angeles e está a congelar. O aquecimento global é uma farsa total e muito cara!". E, em 2014, elevou o tom da paranoia: "Todos e quaisquer eventos climáticos são usados pelos FARSANTES DO AQUECIMENTO GLOBAL para justificar impostos mais altos para salvar o nosso planeta! Eles não acreditam nisso $$$$!”. Em vez de reconhecer as evidências científicas, Trump optou por sustentar um discurso baseado em teorias conspiratórias, fazendo do negacionismo climático um pilar da sua política.

Trump não só propagou desinformação, como também fez das suas crenças anticientíficas um dos pilares da sua presidência. Em março de 2016, durante uma visita ao The Washington Post, reafirmou a sua posição ao dizer: "Não acredito muito nas mudanças climáticas provocadas pelo homem", demonstrando o seu desinteresse em compreender o consenso global sobre a crise climática. Após assumir o cargo, Trump seguiu fielmente a sua agenda de desregulamentação ambiental, começando pela revogação do Plano Federal de Sustentabilidade. Uma das suas ações mais controversas foi a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, a 1 de junho de 2017, justificando a sua decisão com o argumento de que o acordo impunha "desvantagens financeiras" ao país. Ao fazer isto, ignorou o papel fundamental dos EUA, o segundo maior emissor de CO2 do mundo, no combate à mudança climática global. Sob a sua gestão, o Climate Deregulation Tracker da Universidade de Columbia registou, até agosto de 2020, 151 medidas voltadas para desmantelar regulamentações ambientais — uma verdadeira cruzada contra a proteção do meio ambiente.

O Acordo de Paris, em vigor desde novembro de 2016, é um marco essencial no esforço global para conter o avanço do aquecimento global. Ao reunir praticamente todas as nações, o acordo visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa e fornecer apoio aos países em desenvolvimento, criando um pacto mundial contra a crise climática. No entanto, para Donald Trump, a ideia de cooperar internacionalmente para salvar o planeta nunca se alinhou com a sua visão de "grandeza" nacional, de “America First”. Mesmo com dados do Banco Mundial a confirmar que os EUA estão entre os maiores responsáveis pela crise climática, Trump optou por retirar o país do acordo, priorizando uma agenda que ignorava o papel crucial do país nesta luta. Em contraste, Joe Biden, no seu primeiro dia de presidência, a 20 de janeiro de 2021, assinou uma ordem executiva para recolocar os Estados Unidos no Acordo de Paris, com a reintegração oficial a ocorrer a 19 de fevereiro de 2021. Este movimento sinalizou uma tentativa de reposicionar os EUA como líderes no combate às mudanças climáticas, revertendo a política de isolamento ambientalista de Trump.

No final de junho de 2024, ao ser questionada pelo POLITICO sobre a possibilidade de Trump retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, a secretária de imprensa da campanha de Trump, Karoline Leavitt, foi categórica: "Sim, ele disse que faria isso”. A agenda doméstica de Trump, incluindo a política "Drill, Baby, Drill", que incentiva a exploração intensiva de petróleo, reflete essa postura, algo que ele já havia deixado claro em discursos nas convenções do Partido Republicano. O plano de Trump, batizado de "Agenda 47", detalha as suas propostas para a eleição de 2024 e inclui a remoção de regulações ambientais que ele considera "excessivas", impostas durante o governo Biden, o abandono de metas climáticas, e a possibilidade de reverter a proteção de áreas de conservação e parques nacionais. Este pacote de medidas visa permitir a exploração de recursos naturais nessas regiões, ampliando a produção de energia e a extração de minerais.

Se Donald Trump for reeleito, não seria exagero afirmar que a luta global contra as mudanças climáticas estará gravemente ameaçada. Os Estados Unidos, além de serem um dos maiores poluidores do planeta, têm um papel crucial no financiamento e apoio a iniciativas globais para mitigar os impactos do aquecimento global. A retirada do país deste esforço internacional não só enfraqueceria o Acordo de Paris, como poderia desencadear um efeito dominó, encorajando outros países a também reduzirem as suas ambições climáticas. A política negacionista de Trump, que já devastou anos de progresso ambiental, agravaria ainda mais a crise. Isso significa que eventos climáticos extremos, como os devastadores furacões Helene e Milton, que juntos deixaram centenas de mortos e causaram prejuízos bilionários, se tornarão mais frequentes e severos. Ignorar a ciência e promover a exploração indiscriminada de recursos naturais, como propõe a sua "Agenda 47", é não só irresponsável, mas uma ameaça direta à segurança global e ao próprio futuro dos Estados Unidos, que já sofre com os impactos das mudanças climáticas. Reeleger Trump seria como fechar os olhos à ciência e assinar a sentença de um planeta em colapso.

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