Há mais de 161 milhões de eleitores registados nos Estados Unidos, mas os votos de uns pesam mais do que os de outros. Tudo depende do estado, e até do condado, onde cada pessoa vota, nos chamados estados-swing, decisivos ou de batalha. Este ano são sete e, desses, dizem alguns, há três que se destacam. Numa altura em que cerca de 48 milhões de norte-americanos já terão votado antecipadamente, eis aqueles a que devemos prestar atenção redobrada
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Há uma razão para, a cerca de 20 dias da ida às urnas nos Estados Unidos, os dois candidatos à Casa Branca estarem a concentrar os esforços de campanha num punhado de estados. Depois de passagens pela Pensilvânia nos últimos dias, Kamala Harris rumou ao Michigan e Trump à Geórgia, alguns dos chamados estados-swing, decisivos pelo potencial de virarem uma eleição a favor de um candidato ou de outro consoante as orientações de voto do eleitorado local em anos de presidenciais.
Desde 2000, quando George W. Bush derrotou o democrata Al Gore graças a uma margem de apenas 537 votos na Flórida (então um estado-swing), 38 dos 50 estados norte-americanos votaram vermelho ou azul – leia-se, no Partido Republicano ou no Democrata – de forma consistente. Mas os estados de batalha são menos previsíveis, e este ano as atenções estão focadas em sete deles: Pensilvânia, Geórgia, Carolina do Norte, Michigan, Arizona, Wisconsin e Nevada.
“Se as sondagens estiverem mais certas do que em 2016 e 2020, podemos esperar que esta eleição seja decidida por um pequeno número de milhares de votos nesses sete estados decisivos”, confirma à CNN Portugal Robert Y. Shapiro, professor de políticas governamentais na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. “E tendo isso em conta, é provável que sejam necessários vários dias [após o 5 de novembro] para o apuramento final da votação.”
Ainda assim, há a ter em conta as margens de erro dos inquéritos de opinião, ressalta Paul Beck, do departamento de Ciência Política da Universidade Estatal do Ohio. "Tudo o que temos para análise são os resultados das sondagens, que estão dentro da margem de erro em todos os sete estados. Manter isto em mente é importante, porque uma margem de erro de, digamos, 4% num amostragem de mil igualmente dividida [entre democratas e republicanos] põe as estimativas entre 46% e 54% para cada candidato, o que obviamente é demasiado renhido para se poder definir um vencedor à partida."
Um único fator explica o conceito e a importância dos estados-swing: a forma única como as presidenciais norte-americanas são conduzidas, cujo resultado final depende não diretamente dos eleitores, mas de um organismo conhecido como Colégio Eleitoral. Quando, dentro de menos de um mês, cada eleitor for às urnas escolher entre a democrata Kamala Harris, o republicano Donald Trump, um terceiro candidato independente (ou escolher não votar de todo), cada um desses votos (ou ausência deles) não servirá para eleger diretamente o candidato escolhido.
A contabilização é feita estado a estado, sendo que a cada um dos 50 estados está atribuído um número pré-determinado de delegados eleitorais no Colégio, o que explica porque é que, apesar de terem perdido o chamado voto popular – ou seja, apesar de terem conquistado menos votos nas urnas do que o respetivo rival – Bush e Trump conseguiram ambos chegar à presidência dos EUA, o primeiro há 24 anos, o segundo há oito.
“O que é preciso ter em conta é que Trump teria ganhado em 2016 mesmo que se tivesse limitado a conquistar a Pensilvânia, o que desta vez significa que, para além de ganhar a Pensilvânia, pode vencer as eleições se mantiver a Carolina do Norte e recuperar a Geórgia em relação a 2020”, explica Robert Shapiro. “Este é um jogo de aritmética em que há diferentes combinações de vitórias estatais que decidirão a eleição. Se Trump ganhar na Carolina do Norte e na Geórgia, Harris precisa do Michigan, do Wisconsin e da Pensilvânia para vencer as eleições – a menos que consiga ganhar o Arizona e a Geórgia. Já se conseguir ganhar na Carolina do Norte, isso abre a Harris outras rotas para ganhar as eleições. É preciso olhar para os números do Colégio Eleitoral com muita atenção.”
Desconstruir os números
A atenção aos números é importante acima de tudo na noite eleitoral, à medida que os votos vão sendo contabilizados, mas vale a pena olhar para eles em abstrato e de antemão. Em conjunto, os sete estados mais decisivos nestas eleições representam 93 de um total de 538 votos no Colégio Eleitoral, total esse que inclui os três delegados eleitos por Washington DC, a capital, sendo que para ganhar um candidato precisa de garantir um mínimo de 270 eleitores no Colégio.
Os cálculos pré-eleitorais são sempre guiados sobre a premissa de que a maioria dos 50 estados mais o distrito de Columbia não vão mudar de cor, aliada às tendências de voto manifestadas por eleitores registados como democratas, republicanos e os chamados independentes nos inquéritos de opinião. A generalidade das sondagens aponta para a existência de cerca de 18% de eleitores que, a nível nacional, ainda não decidiram em quem vão votar no próximo dia 5 de novembro. Mas desses, são sobretudo os votos dos indecisos nos sete estados de batalha que terão impacto no resultado final das eleições – o tal “pequeno número de milhares de votos” referido por Shapiro.
Do total de estados que compõem os EUA, apenas dois – o Maine e o Nebraska – fazem uma distribuição proporcional dos votos no Colégio Eleitoral. Os restantes 48, bem como DC, têm um sistema em que o vencedor leva tudo, ou seja, atribuem todos os seus grandes eleitores do Colégio ao candidato que obtém a maioria dos votos a nível estatal. Como dizia há alguns dias Walter Russell Mead, colunista do Wall Street Journal, em entrevista à CNN Portugal, o seu voto em particular vale praticamente zero se se considerar que o deposita numa urna em DC, onde "cerca de 90% do eleitorado vota sempre no Partido Democrata".
O conceito do Colégio nasceu com o intuito de impedir que os estados mais populosos da América tivessem um peso desmesurado nas eleições federais – mas, como defende David Schultz, especialista em ciência política e estudos judiciais que editou o livro “Presidential Swing-States: Why Only Ten Matter”, essa intenção ficou perdida nos meandros da política. “A ideia era a de que o Colégio Eleitoral ia impedir que os estados mais pequenos fossem negligenciados, mas o que os últimos 150 anos nos mostram é que alguns estados são realmente mais decisivos nas eleições.”
Entre os critérios usados para definir o que é um estado-swing, um tema já muito explorado por Schultz e inúmeros outros especialistas em política norte-americana, conta-se um com importância redobrada este ano – o chamado fator de flexibilidade, que se aplica a estados com relativo peso no Colégio Eleitoral cuja votação varia muito de quatro em quatro anos. Veja-se o caso da Pensilvânia, aquele que, dos sete estados decisivos de 2024, corresponde a mais votos no Colégio (19): em 2012, foi conquistado por Barack Obama, em 2016 por Donald Trump, e em 2020 voltou a virar para os democratas, contribuindo para a vitória de Joe Biden com uma margem muito pequena em relação ao rival republicano.
Ainda assim, ressalta Paul Beck, é preciso manter presente a questão das margens de erro das sondagens, que continuam a antever uma corrida muito renhida. "Se se contabilizar os resultados eleitorais fora destes sete estados indecisos, nenhum candidato ganha, pelo que o vencedor terá de ganhar na maioria desses sete", explica. "Dado que as estimativas são de que Trump vai ganhar no Arizona, na Geórgia e na Carolina do Norte, isso deixa o Nevada, o Michigan, o Wisconsin e a Pensilvânia como os estados que Harris tem mesmo de conquistar. Mas, novamente, as sondagens em todos estes estados não preveem uma vitória clara de nenhum deles neste momento, pelo que considero todas estas previsões demasiado frágeis."
"Resta a Pensilvânia"
Num ano em que a maioria dos analistas antecipa as presidenciais mais renhidas de que há memória na história moderna dos EUA, o resultado final poderá depender, mais do que de estados-swing, de condados-swing dentro desses estados. Schultz, por exemplo, antecipa que tudo poderá resumir-se a 5% de eleitores em cinco condados de cinco estados de batalha – o que explica as análises detalhadas das movimentações de cada campanha feitas nos últimos dias por repórteres no terreno.
“Para repetir a vitória por um triz de Joe Biden na Pensilvânia em 2020”, escrevia, por exemplo, o USA Today esta semana, “Harris tem de conquistar grandes números nos centros urbanos de Filadélfia, Pittsburgh e Harrisburg, e aproveitar o recente sucesso dos democratas nos condados suburbanos adjacentes”. Já se Trump quiser repetir o feito de 2016 e voltar a conquistar o estado, “terá de expandir as suas margens maciças nos condados rurais da Pensilvânia, onde ganhou com mais de 70% dos votos em 2020, e ao mesmo tempo reduzir a força de Harris nas cidades e seus subúrbios”.
Os fatores que determinam quais os estados mais decisivos em cada eleição presidencial são variados, e vão desde as divisões demográficas do eleitorado de cada um até questões como as movimentações migratórias entre estados, que podem alterar bastante essa composição demográfica no espaço de quatro anos. É com base nisso que especialistas como Ronald Brownstein dizem que, este ano, três destes sete estados-swing merecem mais atenção – no que o editor de política da CNN Internacional diz serem “os três pontos de viragem mais consistentes na política americana” moderna.
“O Michigan, o Wisconsin e, sobretudo, a Pensilvânia passaram para o topo da lista de prioridades quer da vice-presidente Kamala Harris quer do antigo presidente Donald Trump – tal como aconteceu em praticamente todas as recentes eleições presidenciais”, referia Brownstein no mês passado. “Eles não são cópias em papel químico, mas partilham suficientes características para o estratego democrata de longa data Tad Devine defender que se deve pensar neles como um único estado – cada um é menos racialmente diverso do que a generalidade da nação [...] e são também ligeiramente mais velhos do que a nação em geral” e “nenhum deles tem muitos imigrantes, com os residentes nascidos no estrangeiro a representarem apenas cerca de 7% da população no Michigan e na Pensilvânia e apenas 5% no Wisconsin” – sendo que “todos registaram um crescimento populacional mínimo nos últimos cinco anos”.
Este ano, adianta o editor de política da CNN, os estrategos dos dois partidos consideram que o Wisconsin é a melhor aposta para Harris e o desafio mais difícil que Trump enfrenta, sendo o Michigan aquele que, dos três, tem sido o que mais pende para o Partido Democrata em eleições anteriores. “Resta a Pensilvânia como o estado considerado, de forma consensual, como mo mais difícil dos três para Harris conquistar. É também o estado que os analistas geralmente consideram o mais provável de fornecer o 270.º voto do Colégio Eleitoral [a fasquia mínima] para o vencedor em novembro, um papel que foi desempenhado pelo Wisconsin em 2016 e 2020.”
"Ainda é cedo para tirar conclusões"
Não apenas isso, a Pensilvânia também integra a lista de cerca de 37 estados (mais DC) onde já está a decorrer o voto antecipado para as presidenciais do próximo mês. Em 2020, um ano suis generis, no auge da pandemia de Covid-19, a votação antecipada deu alguma vantagem ao Partido Democrata, no que alguns viram, à distância, como um prenúncio da vitória de Biden. Este ano, contudo, pode não ter assim tanto peso, até porque, como refere Robert Y. Shapiro, “não nos podemos esquecer que os republicanos estão a ser encorajados a votar antecipadamente” – num comício de campanha há algumas semanas, Trump conseguiu, no mesmo discurso, repetir que o voto antecipado é “estúpido” e, simultaneamente, seguir os conselhos da sua campanha para incentivar os apoiantes a irem votar já.
"Antecipo que este ano haja menos votação antecipada do que durante as paralisações pandémicas, ainda assim os americanos tomaram o gosto ao voto antecipado e agora ambos os partidos estão a encorajar os eleitores a tirarem partido dele, apesar de Trump continuar a denunciá-lo", refere Paul Beck.
Os dados já disponibilizados por alguns dos estados com voto antecipado mostram que até 48 milhões de boletins já foram requeridos por eleitores, segundo o New York Times pedidos mais por democratas do que por republicanos. Para além disso, cerca de 2,5 milhões de boletins de voto já foram entregues quer por via postal, quer em mãos, indica a NBC News – e desses, refere o mesmo canal, 54% correspondem a eleitores registados como democratas e a 30% registados como republicanos, a par de 16% a eleitores ditos independentes. Os números são semelhantes aos registados em 2020, quando cerca de 60% de democratas e 32% de republicanos votaram por correio, de acordo com um estudo do Massachusetts Institute of Technology.
Há alguns dias, o conceituado instituto de sondagens Gallup avançava que quatro em cada 10 eleitores planeiam votar antecipadamente este ano. Mas isso, dizem os especialistas, não significa que se possa pré-anunciar vitórias ou sequer inferir tendências determinantes de voto. "É difícil saber o que deduzir dos dados relativos ao voto antecipado até à data", diz Paul Beck, da Universidade Estatal do Ohio. "Em eleições anteriores, pendeu mais para os democratas do que para os republicanos, embora não seja claro se os eleitores que optaram pelo voto antecipado iriam às urnas no dia das eleições, levando dessa forma a que os votos no dia eleitoral fossem mais republicanos. Não estou inclinado a tirar conclusões das contagens do voto antecipado, exceto que podem demonstrar entusiasmo."
Para Robert Shapiro, “só podemos ter uma ideia da afluência antecipada às urnas se tivermos dados completos sobre o registo partidário dos eleitores". Embora esses dados "permitam perceber como se repartem os votos das pessoas que já decidiram como vão votar e cujo voto não vai mudar, o que tem especial interesse nos sete estados de batalha, nesta fase inicial ainda nada demonstra qualquer vantagem para qualquer um dos partidos", adianta o especialista da Universidade de Columbia. "Estas vão ser eleições muito, muito renhidas."