Vem aí um grande debate com Kamala Harris - e eventualmente outros dois debates entre ambos. O ex-presidente parece estar em negação sobre o sucesso inicial da nova e enérgica da dupla democrata Harris/Walz
O debate entre Kamala Harris e Donald Trump pode ser um momento histórico nesta extraordinária campanha
por Stephen Collinson, CNN
O presidente Joe Biden apostou que o debate presidencial de junho mudaria o rumo da corrida à Casa Branca, que, na altura, lhe estava a escapar. Agora, Donald Trump pode estar a fazer uma aposta semelhante depois de voltar atrás e concordar em debater na ABC no próximo mês, enquanto a sua nova oponente democrata aproveita o momento de crescimento.
Trump claramente não acredita que sofrerá o tipo de desastre que pôs fim à campanha de Biden, mas a sua decisão - e o apelo para mais dois debates na NBC e na Fox, com os quais a vice-presidente Kamala Harris ainda não concordou - revela uma verdade emergente sobre a eleição. Depois de uma semana arrasadora para Harris e para o seu novo companheiro de equipa, o governador de Minnesota, Tim Walz, Trump de repente parece uma "notícia velha" - o que é uma experiência nova e devastadora para um ex-presidente que se orgulha de controlar a narrativa.
Um grande teste para ambos os candidatos
A preparação para o debate de 10 de setembro, partindo do princípio de que vai acontecer, será intensa, e a natureza intrincada da nova campanha significa que este pode ser um ponto de viragem histórico no caminho cada vez mais curto para a Casa Branca.
Trump já está a jogar o seu jogo de expectativas idiossincráticas, denegrindo as capacidades da sua rival, que pode ser a primeira mulher, negra e sul-asiática a chegar à presidência. Numa conferência de imprensa no seu resort em Mar-a-Lago, na quinta-feira, Trump comparou desfavoravelmente Harris a Biden, que ele há muito argumentava não ter acuidade mental para assumir o cargo. "Na verdade, ela não é tão inteligente quanto ele. A propósito, acho que ele também não é muito inteligente. Não sou muito fã do cérebro dele", disse Trump.
O confronto também se apresenta como um teste extremo para Harris. A vice-presidente tem um histórico misto em debates - teve um desempenho forte no início de sua fracassada campanha presidencial de 2020, mas noutros teve grandes dificuldades. E os seus momentos mais desfavoráveis no cargo ocorreram quando lhe pediram para explicar as suas posições ou responder a perguntas difíceis em grandes entrevistas.
Mas à medida que ganha confiança como candidata democrata, Harris é uma política mais completa do que era há quatro anos - e os apoiantes estão ansiosos para vê-la alavancar as suas habilidades como ex-promotora para criticar o ex-presidente, quatro vezes acusado pela justiça.
Harris provocou Trump sobre o facto de ter mudado de ideias quanto ao debate da ABC e disse que iria considerar conversar sobre um segundo encontro. "Estou feliz que ele finalmente tenha concordado com um debate em 10 de setembro. Estou ansiosa por isso e espero que ele apareça", disse aos jornalistas antes de embarcar no Air Force Two em Detroit.
Trump ainda está a adaptar-se à nova campanha
Depois de Harris ter virado a campanha de cabeça para baixo em menos de três semanas, Trump ainda está à procura de uma resposta eficaz.
O ex-presidente parece lamentar o fim da disputa contra Biden, de 81 anos, e parece estar em negação sobre o sucesso inicial da nova e enérgica dupla democrata. Questionado sobre por que não estava a fazer mais para conter o lançamento turbulento da campanha de Harris, Trump argumentou: "Estou a liderar por muito e estou à espera que a convenção deles aconteça". Insistiu que não tinha "recalibrado a estratégia de forma alguma", pois continua a utilizar os mesmos argumentos de que os EUA estão com problemas devido às fronteiras abertas e aos crimes dos imigrantes.
Mas há um sentimento crescente de que a sua campanha precisa de um "restart". Harris anulou a vantagem que Trump tinha sobre sobre Biden e agora, de acordo com a última sondagem da CNN, ele está com a corda ao pescos. Uma nova pesquisa da Marquette Law School divulgada na quinta-feira mostrou que Harris lidera com 52% contra 48% de Trump entre os eleitores registados a nível nacional.
O problema de Trump não é que não haja argumentos sólidos contra Harris e o seu novo companheiro de equipa: milhões de americanos estão a sofrer com os altos preços e são afetados pela insegurança económica. O mundo é um lugar cada vez mais perigoso e os inimigos americanos unem-se para desafiar o poder de Washington. E Harris está intimamente ligada a tudo o que o impopular governo Biden fez nestas áreas. A nova equipa democrata não divulgou ainda políticas concretas para lidar com estas questões, e a atual vice-presidente ainda não se submeteu a perguntas detalhadas de jornalistas nem deu uma grande entrevista à televisão. Muitos republicanos e independentes de direita estão recetivos aos argumentos de Trump sobre a crise da fronteira do sul, mesmo que as chegadas de migrantes sem documentos tenham diminuído desde que Biden reforçou a fiscalização no início deste ano.
Mas Trump não está a usar muitos destes pontos de forma eficaz, neste momento parece mais preocupado com as suas queixas pessoais. Na conferência de imprensa, divagou quando comparou o tamanho de sua multidão com a de Martin Luther King Jr.
E o ex-presidente também parece estar a deixar a porta aberta para desafiar os resultados eleitorais se perder - na quinta-feira insistiu falsamenteque a troca de nomeados do Partido Democrata era inconstitucional. "Temos uma constituição. É um documento muito importante e vivemos de acordo com ele", disse Trump, aparentemente alheio à ironia de tais comentários vindos de um ex-presidente que tentou roubar a eleição de 2020 e ameaçou a base da democracia dos EUA.
A campanha de Harris tentou, num comunicado, usar as divagações de Trump como prova de que ele está a perder, ao mesmo tempo que apelidou Trump e o seu companheiro de equipa, o senador JD Vance, como "estranhos". "Donald Trump fez uma pausa para vestir as calças e dar uma conferência de imprensa que foi um colapso público", dizia o comunicado, acrescentando: "Trump não fez campanha a semana toda. Não vai a um único estado indeciso esta semana. Mas certamente está furioso porque Kamala Harris e Tim Walz estão a atrair grandes multidões.”
O regresso da carnificina americana
A estratégia de Trump na quinta-feira era familiar. Conseguiu voltar a aparecer nas notícias com uma mensagem sombria e distópica: este é "o período mais perigoso que já vi para o nosso país", disse, prevendo uma Grande Depressão e a Terceira Guerra Mundial se não for eleito.
O regresso de Trump à política do medo e às narrativas sombrias de carnificina americana sublinham o contraste com a leveza e a alegria que irromperam nos grandes comícios democratas esta semana depois de Harris ter nomeado o seu vice e terem partido juntos numa viagem pelos estados indecisos que decidirão a eleição de novembro.
Apesar dos temores renovados de recessão, o desemprego está atualmente em 4,3% e o crescimento económico é sólido. Nenhum economista respeitado prevê um regresso aos 25% de desemprego da década de 1930. E apesar de o poder americano estar a ser desafiado por líderes ditatoriais na Rússia, China e Coreia do Norte, e haver guerras no Médio Oriente e na Ucrânia, não há sinal de que uma terceira guerra mundial esteja iminente.
A atmosfera da campanha de 2024 mudou a uma velocidade notável. Há três semanas, os delegados republicanos deixaram a convenção em Milwaukee animados com as hipóteses de Trump, com muitos a prever uma vitória eleitoral esmagadora depois da resposta desafiadora do candidato a uma tentativa de assassínio.
Agora, Trump parece preso num momento de paralisia política. Mas é improvável que ele continue assim. Toda a sua carreira política, e a sua campanha de 2024 especialmente, tem sido um exemplo de como se pode aproveitar ameaças e usá-las para ganhar vantagem política. Afinal, este é o ex-presidente que aproveitou uma foto tirada numa prisão da Geórgia para construir uma campanha primária que esmagou os seus rivais com a premissa de que estava a ser vitimizado.
A conquista de Harris até agora foi transofrmar a eleição numa disputa apertada numa nação polarizada.
Mas, apesar das suas multidões adoradoras esta semana, a vice-presidente continua sem ter passado pelo teste feroz de uma eleição presidencial nacional. E o caminho dos democratas para conseguir os 270 votos eleitorais ainda é um desafio, mesmo que haja sinais de que a vice-presidente possa estar a trazer alguns campos de batalha de volta para o jogo.
Os assessores de Trump insistiram na quinta-feira que a recuperação inicial de Harris era esperada. "Eles estão a comemorar o regresso dos eleitores que deveriam ter tido desde o início", disse um responsável aos jornalistas. "Eles sabem, assim como nós, que os fundamentos da corrida não mudaram. Quando se pergunta aos eleitores se eles preferem regressar à economia Trump ou ficar com a economia Biden, nós ganhamos dois a um." É por isso que muitos republicanos acreditam que a sua versão da realidade será confirmada.
"O período de lua de mel vai acabar", insistiu Trump na quinta-feira. Mas o ex-presidente mostra poucos sinais de que sabe como fazer com que isso aconteça.