Depois de ter posto fim aos combates em Gaza, havia esperanças de que Trump pudesse lançar-se numa nova tentativa de acabar com a guerra sangrenta na Ucrânia. Mas, na terça-feira, o presidente pôs um ponto final no último capítulo da sua relação turbulenta com Putin
Desejar a paz é muito mais fácil do que fazer a paz.
As grandes ambições do presidente Donald Trump no Médio Oriente e na Ucrânia estão a lutar contra as suas próprias limitações internas e as terríveis consequências de duas guerras brutais.
Trump abandonou os planos para uma rápida segunda cimeira com o presidente russo, Vladimir Putin, declarando na terça-feira que não queria perder o seu tempo, na mais recente reviravolta vertiginosa da sua tentativa de paz dramática, mas até agora infrutífera.
E o vice-presidente, JD Vance, correu para o Médio Oriente, onde Trump, na semana passada, expressou esperanças de ter forjado uma “paz eterna”. O cessar-fogo que ele negociou entre Israel e o Hamas está a ser mantido. Por enquanto.
Os críticos de Trump podem sentir alguma satisfação pelo facto de os seus grandes planos correrem o risco de ficar paralisados. Ele suscitou algum ceticismo com a sua apresentação hiperbólica de sucessivos acontecimentos promissores como avanços históricos. Mas torcer contra ele apenas para privá-lo de vitórias seria grosseiro, dado que a estabilidade global e milhares de vidas podem depender do sucesso de Trump.
Trump precisa de trabalhar nas duas guerras sem parar
As complicações que surgiram em torno dos dois principais esforços de paz de Trump ressaltam a necessidade de um envolvimento constante dos EUA, juntamente com a atenção pessoal do presidente, apesar da contínua controvérsia que o rodeia.
Depois de ter posto fim aos combates em Gaza, uma conquista significativa, havia esperanças de que Trump pudesse lançar-se numa nova tentativa de acabar com a guerra sangrenta na Ucrânia, depois de os esforços anteriores terem fracassado após a sua cimeira de agosto com um Putin teimoso.
Mas, na terça-feira, o presidente pôs um ponto final no último capítulo da sua relação turbulenta com Putin, deixando claro que a cimeira que ele tinha previsto para Budapeste dentro de algumas semanas já não era uma prioridade.
“Não quero ter uma reunião desperdiçada. Não quero perder tempo”, justificou Trump aos repórteres na Sala Oval depois de uma chamada entre o secretário de Estado, Marco Rubio, e o seu homólogo russo, na segunda-feira, não ter produzido resultados significativos.
A deceção de Trump foi a mais recente reviravolta numa semana confusa, na qual o presidente norte-americano parecia disposto a enviar mísseis de cruzeiro para a Ucrânia, foi dissuadido por Putin e, em seguida, teve um novo confronto na Sala Oval com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Até agora, os esforços de Trump na Ucrânia estão a alcançar apenas uma coisa: refutar as suas próprias afirmações questionáveis de que Putin quer a paz.
Enquanto isso, a tentativa apressada do vice-presidente de reforçar o progresso no Médio Oriente tem como objetivo impedir que a outra grande iniciativa de paz do governo sofra um destino semelhante. Após a fanfarra da vitória de Trump na região, as desvantagens da sua abordagem estão a ficar mais evidentes.
A grande questão sempre foi como superar a pausa inicial nos combates entre Israel e o Hamas e o ambicioso plano de paz que prevê que o Hamas entregue as armas e se desligue politicamente.
Seguiu-se a visita de Vance — procurando criar uma ilusão de impulso para permitir que os negociadores tivessem tempo para tentar preencher as lacunas.
O cessar-fogo ficou num impasse depois de Israel acusar o Hamas de matar dois soldados israelitas no fim de semana e lançar uma onda de ataques aéreos que mataram dezenas de pessoas em Gaza.
Mas Vance, tentando impedir que a situação se deteriorasse ainda mais, procurou reafirmar o panorama geral numa advertência simbólica a Israel e ao Hamas para que cumprissem os termos do acordo. A visita do vice-presidente também demonstrou o compromisso dos EUA com os principais Estados árabes necessários para implementar o plano de Trump.
“O que vimos na semana passada deixa-me muito otimista de que o cessar-fogo vai continuar em vigor”, assumiu Vance, numa avaliação otimista que não necessariamente condiz com a realidade. “Estou muito otimista. Posso dizer com 100% de certeza que vai funcionar? Não.”
Como o último plano da Rússia fracassou
Se Trump precisava de confirmação de que Putin não está pronto para fazer a paz na Ucrânia, a Rússia fez isso mesmo, ao lançar um enxame de drones contra centrais de energia ucranianas, num regresso à estratégia brutal de usar o inverno como arma contra civis a tremer de frio.
O presidente dos EUA esperava sinais de verdadeiras mudanças políticas por parte da Rússia para justificar o relançamento da sua diplomacia pessoal com Putin. Mas o homem forte do Kremlin limitou-se a jogar a sua carta clássica, telefonando a Trump um dia antes de receber Zelensky na Casa Branca, numa demonstração de flexibilidade destinada a mitigar a nova pressão dos EUA e a raiva e frustração do presidente.
Trump especulou sobre o envio de mísseis de cruzeiro Tomahawk para a Ucrânia, o que permitiria às forças de Kiev atingir profundamente o território russo. Mas o presidente norte-americano abandonou a ideia após conversar com Putin e, em vez disso, voltou-se contra Zelensky. No entanto, a conversa entre Rubio e o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, na segunda-feira, mostrou que qualquer nova cimeira refletiria o impasse do Alasca.
A Rússia não mudou fundamentalmente a sua posição, que a Ucrânia nunca poderia aceitar. O Kremlin quer que Kiev ceda território em duas regiões orientais, Lugansk e Donetsk, que não conseguiu capturar totalmente em três anos de combates. A Ucrânia teme que, ao ceder nessa medida, ficaria perigosamente vulnerável a um futuro ataque da Rússia lançado a partir dessas terras estratégicas.
O melodrama repetiu um ciclo já bem conhecido. Putin reagiu quando Trump pareceu que poderia impor um preço pela intransigência russa. Então, o presidente dos EUA, após falar com Putin, pressionou a Ucrânia a ceder território. Em seguida, o processo esbarrou novamente num obstáculo, deixando Trump frustrado.
Trump agora voltou à sua posição inicial de que os inimigos devem parar de lutar nas linhas de frente atuais. “O resto é muito difícil de negociar se dissermos: 'vocês ficam com isto, nós ficamos com aquilo'”, declarou aos jornalistas a bordo do Air Force One, no domingo.
Zelensky havia previsto anteriormente que nada aconteceria sem que Trump tentasse coagir Putin a sentar-se à mesa. “Assim que a questão das capacidades de longo alcance ficou um pouco mais distante para nós — para a Ucrânia — a Rússia quase automaticamente ficou menos interessada na diplomacia”, afirmou, no seu habitual discurso à nação, na terça-feira.
O impasse convém a Putin, que não mostra sinais de querer parar de lutar e poderia usar mais tempo para prosseguir com a sua guerra de desgaste, com o objetivo de conquistar o máximo possível de território ucraniano antes de quaisquer negociações de paz.
Após uma semana de acrimónia e mudanças de posição, nada mudou muito.
Vitória no Médio Oriente tinha como objetivo impulsionar os esforços da Rússia
O tempo também é um problema no impasse entre Israel e o Hamas. O atual interregno entre o acordo de cessar-fogo e a implementação das etapas posteriores, previstas no acordo de Trump, está a permitir que as tensões aumentem, assim como as ameaças à sua duração.
O Hamas aproveitou o fim dos combates com Israel para reafirmar o seu controlo sobre os palestinianos em Gaza com assassinatos por vingança contra supostos colaboradores, levantando dúvidas de que o grupo alguma vez deponha as armas, tal como exige Trump. Está prevista uma força de paz internacional para manter a paz permanente na Faixa de Gaza, mas, até que ela seja formada, o cessar-fogo permanecerá frágil.
A viagem de Vance foi um sinal para Netanyahu de quão importante é manter o cessar-fogo para Trump e para países como o Catar e a Turquia, que devem manter a pressão sobre o Hamas para que cumpra o seu plano de 20 pontos. Os negociadores norte-americanos Jared Kushner e Steve Witkoff tentarão usar a cobertura fornecida por Vance para tentar criar algum progresso e manter o ímpeto vivo.
“Há cerca de 10 prioridades de nível 1, e estamos a trabalhar em todas elas em paralelo”, declarou Kushner numa entrevista ao programa “60 Minutes” da CBS, no domingo.
Todavia, novos incidentes com mortes de soldados israelitas quase certamente levariam a reabrir as hostilidades com o Hamas. É por isso que os complexos elementos de transição do plano de paz devem ser implementados rapidamente.
“A questão crítica neste momento é começar a implementar a administração alternativa. Isso começa com o Conselho de Paz, reforçado por esta administração tecnocrática palestiniana, e é ainda mais fortalecido pela Força Internacional de Estabilização”, declarou o ex-negociador de paz dos EUA Dennis Ross à CNN, na segunda-feira. “Tudo isso tem de ser implementado o mais rápido possível. Isso cria um impulso por si só.”
Até agora, porém, a força de estabilização não passou muito além da fase teórica, levando Trump a tentar pressionar as potências regionais a apressarem-se.
“Vários dos nossos agora grande aliados no Médio Oriente e nas áreas circundantes informaram-me, de forma explícita e veemente, com grande entusiasmo, que acolheriam com agrado a oportunidade, a meu pedido, de entrar em Gaza com uma força pesada e ‘endireitar o nosso Hamas’ se este continuar a agir mal, violando o acordo que tem connosco”, escreveu Trump na rede social Truth Social.
Nenhum Estado da região está a alinhar-se publicamente para enviar os seus jovens soldados a Gaza e para os inserir entre as forças israelitas e do Hamas. Portanto, a publicação do presidente estava mais próxima da esperança do que da realidade — uma descrição que, infelizmente, também se aplica ao seu plano interrompido para acabar com a guerra na Ucrânia.
Mas, pelo menos, ele está a tentar. E ainda não é tarde demais.