opinião
Master em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen e Universidade de Estrasburgo

Trump 2.0: o que leva as pessoas a apoiarem populistas?

11 nov, 22:01

A partir de 20 de janeiro de 2025, Donald Trump estará novamente na Casa Branca. Qualquer pessoa que tenha acompanhado minimamente a cobertura das eleições sabe que, segundo as sondagens, a economia foi a principal razão que levou cerca de 75 milhões de americanos a ignorarem tudo o que veio com o “combo Trump” e a votarem nele. E quando digo tudo, incluo desde os incentivos à invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021 até os inúmeros escândalos — como o uso de dinheiro de campanha para silenciar uma atriz de filmes para adultos e a tentativa de reverter os resultados eleitorais. E como se não bastasse, há ainda o seu negacionismo em relação às mudanças climáticas e às vacinas durante a pandemia, uma postura que ameaça o planeta e destruiu vidas.

Ainda assim, milhões de americanos acreditam que ele é a melhor opção para o futuro, ultrapassando Kamala Harris. Para quem ainda se pergunta como milhões de eleitores conseguem fechar os olhos para uma lista interminável de escândalos e, mesmo assim, votar no republicano, a resposta pode estar no velho manual do populismo. Os principais teóricos do tema explicam bem esse fenómeno: a tal devoção trumpista, onde os deslizes viram “estratégia”, a mentira é “autenticidade” e qualquer absurdo é tolerado em nome de uma “causa” que ninguém sabe exatamente qual é, mas que continua a vender.

Antes de tudo, é preciso desmistificar o conceito de populismo. Embora existam diferentes abordagens para compreendê-lo, considero mais completa e didática a abordagem ideacional, como a defendida pelo académico holandês Cas Mudde. Ele define o populismo como uma ideologia que vê a sociedade dividida entre “o povo puro” e “a elite corrupta”. Esta visão promove a ideia de que a política deve expressar diretamente a “vontade geral” do povo, sem a mediação de instituições que poderiam distorcer essa vontade. Em outras palavras, o populismo assume uma oposição direta entre os interesses do povo e os da elite.

Mudde observa que o populismo é uma ideologia camaleónica, adaptável e capaz de se infiltrar noutras ideologias, seja o nacionalismo ou o socialismo, conforme o que mais convier ao contexto. Essa maleabilidade permite ao populismo metamorfosear-se, adotando o discurso de quem quer que lhe sirva de “hospedeiro”. Assim, pode aliar-se à esquerda, como no caso do socialismo de Nicolás Maduro na Venezuela, ou pender para a direita, como no nacionalismo de Donald Trump nos EUA. No fim, o populismo não tem compromisso com ideologias, apenas com a conveniência.

Para entender essa abordagem a fundo, é essencial dissecar os conceitos de “povo”, “elite” e “vontade geral do povo” na definição de Cas Mudde. O “povo” é romantizado como a única fonte legítima de autoridade, enquanto a “vontade geral” torna-se uma ferramenta de conveniência para justificar até mesmo ações autoritárias, sempre sob o pretexto de representar os “interesses comuns” da nação. Quando Trump se apresenta como o porta-voz da “vontade do povo americano”, ele ignora, de forma quase cínica, o facto de que o povo é plural e diverso, o que nos leva a mais dois pilares do populismo: o antielitismo e o antipluralismo.

O antielitismo alimenta uma oposição feroz às elites, retratadas como corruptas e responsáveis por todos os males sociais, enquanto o “povo puro” é tratado como moralmente superior. Já o antipluralismo descarta a diversidade de vozes e a pluralidade social, promovendo uma ilusória “vontade geral” que justifica a exclusão de minorias e simplifica a complexidade democrática. Esses conceitos sustentam uma visão binária e reducionista da sociedade, fortalecendo a narrativa populista de um conflito inevitável e direto entre povo e elite — uma manipulação conveniente que serve aos interesses de quem está no poder.

Afinal, enquanto se constrói essa “batalha” fictícia entre o bem e o mal, é preciso que alguém esteja à frente da luta... claro, sempre em nome do povo.

Quais são as características desses líderes? Frequentemente, colocam-se em oposição ao politicamente correto e desafiam tabus supostamente ditados pela elite, construindo uma imagem de corajosos e autênticos. O populista faz questão de usar elementos culturais tidos como inferiores — linguajar grosseiro e comportamento ostensivamente pouco profissional — para se apresentar como o verdadeiro porta-voz do povo simples, distanciando-se da figura do político elitista que, segundo ele, só representa interesses obscuros.

Outro traço inconfundível é a vitimização e a síndrome de perseguição: eles colocam-se como mártires de uma suposta perseguição implacável da comunicação social ou do establishment, usando essa narrativa para justificar as suas ações e desviar críticas. Trump, por exemplo, retratou os processos contra ele — que resultam das suas próprias condutas controversas — como uma “caça às bruxas” promovida pelo governo democrata, alegando que o Departamento de Justiça teria sido instrumentalizado para o destruir. Esse discurso vitimista apenas se intensificou depois que sofreu uma tentativa de assassinato em julho de 2024, reforçando o seu papel de perseguido.

Por fim, há também a valorização da ignorância como virtude. Muitos desses líderes desprezam a erudição e insinuam que o seu sucesso e sabedoria são naturais, instintivos, uma habilidade inata para entender o povo. Ao desprezarem a intelectualidade tradicional, tentam criar uma identificação direta com o seu eleitorado. Um exemplo notório: em fevereiro de 2016, após vencer as primárias republicanas no Nevada, Trump declarou sem rodeios: “[…] vencemos entre as pessoas com baixos níveis de educação, eu adoro as pessoas com baixos níveis de educação!”

Porque é que uma sociedade se torna tão vulnerável a discursos tão rasos? Qual é o cenário que permite que ideias simplistas ganhem terreno? Os pesquisadores Roger Eatwell e Matthew Goodwin propõem algumas explicações. Para eles, esse ambiente fértil surge de um profundo sentimento de “desconfiança” nas democracias liberais, vistas como elitistas e distantes. Muitos cidadãos sentem-se impotentes, como meros espectadores de decisões políticas que moldam as suas vidas sem serem consultados. O Partido Democrata norte-americano, por exemplo, parece ter perdido completamente a conexão com a classe trabalhadora, enquanto os republicanos, ao fazerem discursos nacionalistas, demonizando potências globais e exaltando a industrialização salvadora da economia, aparentemente souberam exatamente como atrair essas pessoas.

Outro elemento destacado pelos pesquisadores é o sentimento de “destruição”: o medo de que mudanças – como imigração e transformações culturais – estejam a corroer a identidade nacional. Este receio encontra terreno fértil na Europa e nos Estados Unidos, onde a imigração é vista como uma ameaça à “pureza” cultural. Donald Trump capitalizou ferozmente em cima desse medo, criando narrativas fantasiosas sobre como os imigrantes supostamente destroem o “american way of life” e propondo deportações em massa para “proteger” o “sangue norte-americano” de um suposto “envenenamento”.

Trump também soube explorar o conceito de “privação”, apontado por Goodwin e Eatwell, ou seja, a desigualdade crescente que cria uma sensação de privação relativa — a perceção de que uns estão sempre em vantagem. Esse sentimento de injustiça, de que as oportunidades de uma vida melhor estão a ficar fora de alcance, alimenta o discurso populista com combustível inflamável. E, finalmente, há o “desalinhamento”: a desconexão entre os eleitores e os partidos tradicionais — democratas que perderam a essência e não souberam identificar as demandas do seu eleitorado e os republicanos tradicionais que foram devorados pelo trumpismo. Essa ruptura abriu espaço para os populistas, que não perdem a oportunidade de prometer representar o povo “esquecido”, mesmo que estejam longe disso.

Para quem ainda se pergunta por que o populismo é perigoso: porque as soluções mágicas têm um custo altíssimo. Um estudo de Yascha Mounk e Jordan Kyle, que analisou 46 partidos e líderes populistas em 33 países entre 1990 e 2018, revela que esses líderes são mestres na arte de se agarrarem ao poder — e representam uma ameaça direta às instituições democráticas. A pesquisa concluiu que populistas tendem a permanecer no poder o dobro do tempo dos não populistas, e não é pela grande popularidade que tanto alardeiam. Em vez disso, usam a desculpa previsível de que precisam de mais tempo para devolver o poder ao povo — uma justificação tão falsa quanto conveniente.

O estudo também revela que os populistas têm quatro vezes mais probabilidades de desmontar instituições democráticas do que os líderes não populistas. Como alguém pode afirmar defender o povo enquanto ataca as próprias instituições que o protegem de tiranos? A resposta é simples: populistas não querem proteger, querem poder — e não medem esforços para garantir que o preço seja pago pela democracia.

O preço democrático a ser pago é altíssimo e desdobra-se em etapas de uma escalada autoritária minuciosamente orquestrada. Primeiro, começa a erosão democrática: interferências nos sistemas judiciários, controlo sobre as instituições e ameaças persistentes aos direitos das minorias. Esta fase é uma subversão subtil — e cobarde — das normas democráticas, preparando o terreno para a concentração de poder e o enfraquecimento dos freios e contrapesos. Nos EUA, Donald Trump já deixou claro que pretende fazer o mesmo, com propostas para intervir no Departamento de Justiça, acusando-o de estar contaminado e infiltrado por seus adversários políticos.

Em seguida, temos o colapso democrático, quando o conceito de democracia eleitoral é apenas uma fachada para o autoritarismo competitivo. As eleições continuam a ocorrer, mas com regras manipuladas que garantem o favoritismo do governo, transformando o processo democrático em um teatro de marionetas. Viktor Orbán, na Hungria, já domina essa arte há anos, tornando a oposição quase irrelevante com uma série de obstáculos que transformam qualquer tentativa de campanha competitiva em apenas um teatro.

Por fim, vem a repressão — o golpe de misericórdia. Aqui, o regime torna-se totalmente autoritário, eliminando direitos civis, amordaçando a oposição e esmagando qualquer sinal de resistência com punho de ferro. Putin e sua Rússia já nos mostram claramente o que essa etapa representa: o controlo absoluto, onde qualquer voz dissonante é esmagada sem piedade.

Significa isto que os Estados Unidos estão prestes a tornar-se um regime repressivo? Não exatamente. Mas é um sinal claro de que a população precisa manter-se alerta para as táticas de Donald Trump, que já deixou evidente a sua disposição em adotar a mesma cartilha de outros líderes populistas que corroeram democracias, por mais imperfeitas que fossem. Além disso, ele escancara o uso de um discurso divisivo como ferramenta para legitimar ações questionáveis, sempre pronto para testar os limites do aceitável enquanto busca respaldo para minar as bases da própria democracia.

Ao contrário do seu primeiro mandato, Trump não teria a “ingenuidade” de se rodear de pessoas que o questionem. Não haveria lugar para figuras como Alyssa Farah Griffin, ex-Diretora de Comunicações e atual comentadora da CNN americana, que declarou que um segundo mandato de Trump poderia significar “o fim da democracia americana como a conhecemos”. Em vez disso, Trump selecionaria, a dedo, uma equipa de leais que jamais ousariam questionar as suas ordens, pavimentando o caminho para um governo ajustado aos seus interesses pessoais e ambições, onde o controlo absoluto seria a regra e qualquer oposição, eliminada.

Esse cenário torna-se ainda mais preocupante com o Project 2025, um documento da ultraconservadora Heritage Foundation que delineia uma agenda focada em restringir direitos civis, enfraquecer as proteções ambientais e ameaçar a igualdade de género, institucionalizando a intolerância. Para viabilizar essas metas, o documento propõe uma burocracia ideologicamente controlada, priorizando a contratação de indivíduos rigidamente alinhados ao ultraconservadorismo, sob o disfarce de uma “reforma” que, na prática, serve para consolidar um projeto de poder autoritário.

Com uma maioria no Congresso e uma Suprema Corte fortemente conservadora — na qual já nomeou três juízes e talvez venha a nomear outros dois —, Trump encontra um cenário pouco propício para os freios e contrapesos. Diante desse quadro, cabe à população e à imprensa manterem-se em alerta máximo.

Se há algo que as sondagens pré-eleitorais nos Estados Unidos captaram bem, é que a economia era a principal preocupação dos eleitores — e esse foi o combustível que alavancou Donald Trump. Mas não era só pelo aumento no preço do pão de hambúrguer; era o peso simbólico da economia e tudo o que ela representava. Usando os conceitos de Eatwell e Goodwin sobre as causas do populismo, é possível perceber como Trump soube manipular perfeitamente os sentimentos de destruição, privação, desalinhamento e desconfiança, descarregando tudo isso na economia como um bode expiatório e transformando o descontentamento em um movimento que servia aos seus interesses.

O “sentimento de destruição” encontrou terreno fértil no medo de que empregos e indústrias estavam a ser “roubados” por imigrantes, um discurso amplificado por Trump, que pintou a imigração como vilã da economia e da identidade americana. O fator da “privação” — a perceção de que alguns sempre saem ganhando enquanto outros ficam para trás — foi outra peça-chave: enquanto a desigualdade aumentava, Trump apontou o dedo para as elites, prometendo uma economia para o trabalhador comum, por mais contraditório que isso fosse vindo de um bilionário. A “desconfiança” nas democracias liberais, vistas como ferramentas das elites, foi reforçada por Trump ao criticar decisões económicas distantes da realidade da população, promovendo o retorno da indústria como símbolo de proteção ao cidadão de bem. Já o desalinhamento entre eleitores e partidos tradicionais mostrou-se claro: o Partido Democrata, alienado da classe trabalhadora, e os republicanos tradicionais, absorvidos pelo trumpismo, abriram espaço para que Trump se consolidasse como o candidato da insatisfação económica.

Esses elementos, muito mais do que o simples custo de vida, explicam por que Trump atraiu eleitores que se sentiam marginalizados por um sistema que parecia não dar a mínima para eles — uma decepção que ele fez questão de transformar em plataforma pessoal para o seu projeto de poder.
Trump encarna o populismo na sua forma mais crua: sabe que dividir é o seu passe para o poder. Ele promete ao 'povo puro', ou 'real American', retomar o controlo das 'elites corruptas', ou dos 'comunistas woke', e, para quem se sente traído, essa promessa é ouro. Mas, para a democracia, é veneno. Em 2025, Trump 2.0 volta ainda mais impiedoso, com uma disposição afiada para rasgar instituições e transformar a desconfiança em poder absoluto. A questão é: até onde ele irá — e quantas liberdades cairão pelo caminho?

Colunistas

Mais Colunistas

Patrocinados