CNN enfrenta duras críticas depois de Trump lançar uma mangueirada de mentiras em entrevista em direto

CNN , Oliver Darcy
11 mai 2023, 20:16
Donald Trump no Town Hall da CNN Foto Will Lanzoni _ CNN

ANÁLISE Programa provoca chuva de críticas à CNN. Era o “feed” das redes sociais de Trump a ganhar vida no palco.

É difícil perceber como é que a América ficou servida pelo espetáculo de mentiras que foi para o ar na CNN esta quarta-feira à noite.

Kaitlan Collins é uma entrevistadora tão dura e informada quanto é possível ser-se. Verificou os fatos de Trump durante os 70 minutos do Town Hall [uma espécie de “assembleia municipal”, formato de entrevista ao vivo perante uma audiência que também coloca perguntas]. Repetidamente, disse-lhe que a eleição não tinha sido roubada. Que não foi manipulada. Que não havia provas das mentiras que ele estava a divulgar no palco.

“A eleição não foi manipulada, Sr. Presidente”, disse Collins a Trump a certa altura. “Não pode continuar a dizer isso a noite toda.”

No entanto, ele continuou. Trump ignorou frequentemente ou falou por cima de Collins ao longo da noite, enquanto lançava uma mangueirada de desinformação sobre o país, na qual uma parte considerável do Partido Republicano continua a acreditar. Como uma máquina de mentiras profissional, Trump disparou falsidades a um ritmo acelerado enquanto usava a sua fanfarronice para subjugar Collins, roubando-lhe o comando do palco em alguns momentos do Town Hall.

Trump mentiu sobre as eleições de 2020. Não assumiu qualquer responsabilidade pela insurreição de 6 de Janeiro que essas mesmas mentiras incitaram. E troçou das alegações de E. Jean Carroll de agressão sexual, pelas quais um júri o considerou responsável esta terça-feira.

E a CNN transmitiu tudo. Sem parar. Parecia 2016 outra vez. Era o “feed” das redes sociais de Trump a ganhar vida no palco. E Collins foi colocada numa posição desconfortável, uma vez que p Town Hall foi conduzido perante uma audiência republicana que aplaudiu Trump, dando uma sensação de apoio involuntário às suas atitudes vergonhosas.

Sim, deu algumas notícias. O Town Hall pôs em evidência a sua insistência em continuar a vender mentiras sobre as eleições de 2020. Além disso, Trump disse que os EUA deveriam entrar em incumprimento (“default”) da sua dívida se a Casa Branca não concordasse com os cortes de despesas dos republicanos, recusou-se a dizer se prefere que seja a Ucrânia ou a Rússia a ganhar a guerra e recusou-se a dar uma resposta direta sobre o aborto.

Mas, durante a maior parte da noite, os olhos da nação estiveram fixados no abuso que Trump fez da plataforma que lhe foi dada. A certa altura, chegou mesmo a insultar Collins, chamando-a de “pessoa desagradável” [“nasty person”], ao que a multidão de eleitores das primárias republicanas de New Hampshire irrompeu em aplausos.

“Não temos tempo suficiente para verificar todas as mentiras que ele disse”, disse o pivô Jake Tapper, após o encerramento do encontro.

A equipa de Trump ficou, naturalmente, muito satisfeita com o resultado, de acordo com as notícias. “Os conselheiros de Trump estão entusiasmados com a forma como isto está a correr até agora para ele”, escreveu Jonathan Swan, do The New York Times. “Não conseguem acreditar que ele está a ter uma hora na CNN com uma audiência que aplaude todas as suas frases e se ri de todas as suas piadas”.

Mais ninguém conseguia acreditar.

Embora Collins esteja a ser amplamente elogiada pela sua incansável verificação dos factos do antigo presidente, ela estava perante uma tarefa impossível. A CNN e o novo diretor da estação, Chris Licht, estão a enfrentar uma fúria de críticas - tanto a nível interno como externo - por causa do programa.

A forma como Licht e outros executivos da CNN vão lidar com as críticas nos próximos dias e semanas será crucial. Será que vão defender o que aconteceu no Saint Anselm College? Ou irão manifestar algum arrependimento?

Para já, a CNN está a defender-se.

“Esta noite, Kaitlan Collins exemplificou o que significa ser um jornalista de classe mundial. Ela fez perguntas difíceis, justas e reveladoras”, disse um porta-voz da estação. “E acompanhou e verificou os factos do presidente Trump em tempo real, para municiar os eleitores com informações cruciais sobre suas posições enquanto ele entra na eleição de 2024 como candidato preferencial republicano.”

“Esse é o papel e a responsabilidade da CNN: obter respostas e responsabilizar os poderosos.”

 A barra lateral

“O previsivelmente desastroso Town Hall [da CNN] foi de facto desastroso”, escreveu o veterano das notícias televisivas Mark Lukasiewicz. “Provando mais uma vez: mentir em direto funciona. Uma multidão MAGA [acrónimo de “Make America Great Again”] amigável ri consistentemente, bate palmas às piadas de Trump - incluindo a agressão sexual e o 6 de janeiro - e o moderador não consegue acompanhar o ritmo de mentiras de uma [metralhadora] AR-15". (Twitter)

“Isto foi uma loucura, uma loucura total”, disse Bill Carter. “É como dar um microfone ao Tio Bêbado e dizer-lhe: vai em frente!" (Twitter)

“Este é o momento mais baixo da CNN como organização2, argumentou James Fallows. (Twitter)

“ISTO são as primárias presidenciais republicanas de 2024”, escreveu Brian Stelter. “Desvie o olhar se quiser, mas é assim que vai ser. As agências de notícias devem pôr-lhe um cordão sanitário ou encará-lo de frente?" (Twitter)

A este respeito: “Tenho queixas, mas não culpo a CNN por ter um Town Hall com o primeiro classificado do Partido Republicano”, argumentou Sarah Longwell. “É bom saber o que estamos a enfrentar. Não nos podemos esconder da luta que temos pela frente. Trump vai provavelmente ser o nomeado e temos de saber com clareza com o que estamos a lidar”. (Twitter)

“Esta foi uma antevisão do que o jornalismo americano pode esperar de uma campanha em 2024 com Trump, que, apesar da sua omnipresença na vida política, raramente apareceu na televisão convencional fora da Fox News desde que deixou o cargo”, escreveu Michael Grynbaum. (The New York Times)

Justin Baragona disse que a CNN estava a sair do Town Hall “com um monte de ovos” na cara. “Ao mesmo tempo, sinto que Kaitlan Collins está a fazer o melhor que pode nesta situação”, acrescentou. (Twitter)

“Chris Licht disse que não permitiria que ninguém na sua estação de televisão dissesse que está a chover quando não está”, salientou Alex Sherman. “Mas agora deixou entrar alguém que diz que está a chover quando não está, e acrescentou centenas de pessoas para aplaudir quando o faz”. (Twitter)

“Trump parecia ter uma vantagem significativa sobre Collins”, escreveu Jeremy Barr. (The Washington Post)

“Elogios [a Collins], que estava numa posição impossível, mas fez um trabalho heroico ao verificar os factos de Trump durante toda o encontro”, escreveu Peter Baker no Twitter. “Não foi tarefa fácil, dada a quantidade de coisas factualmente falsas que ele disse em tão pouco tempo”. (Twitter)

“Mesmo num mundo em que [Collins] estivesse a corrigir todas as mentiras de Trump à medida que estas eram lançadas - e estamos muito longe desse mundo - a multidão zurzidora faria com que Trump parecesse o vencedor”, afirmou Jonathan Chait. (Twitter)

“Isto não foi culpa da Kaitlin Collins”, disse Charlie Sykes. “O formato era impossível e os chefes da CNN deviam ter percebido isso”. (Twitter)

“Este formato programou-a a ela - e ao país - para o fracasso”, ecoou Tom Nichols. (Twitter)

“A culpa não é [de Collins] (ela está a fazer o melhor que pode), mas isto é um geiser de desinformação que não pode ser verificado em tempo real”, acrescentou Dan Pfeiffer. (Twitter)

Os políticos democratas ficaram furiosos: “A CNN devia ter vergonha na cara”, escreveu Alexandria Ocasio-Cortez. (Twitter)

Seung Min Kim noticiou que as televisões do Air Force One, que “estão sempre” sintonizadas na CNN, foram alteradas para mostrar a MSNBC durante o encontro. (Twitter)

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