Depois do recurso forçado à ideia de “rebelião” para enviar tropas para algumas zonas da Califórnia, politizando um mecanismo legal (título 10; secção 12406 Código EUA) para efeitos simbólicos de demonstração de força pessoal e de “incompetência” por parte do governador da Califórnia, Gavin Newsom, numa manobra dupla de intimidação federal e humilhação política do governador, qualquer outro presidente estaria em risco. Mas não Donald Trump.
O cenário adensa-se gravemente com a autorização do bombardeamento aos centros nucleares do Irão (Fordow, Natanz e Isfahan) sem votação prévia no Congresso, o que constitui uma violação grave da Constituição americana e da Resolução dos Poderes de Guerra de 1973.
Esta decisão, tomada unilateralmente, é uma prova da forma como Donald Trump vê o exercício da presidência – um cargo unipessoal a toda a linha, sem freios nem contrapesos, afirmando inequivocamente a sua dimensão iliberal autocrática, uma versão americana e republicana do “rei Sol”. Com esta medida, Trump defere um golpe pesado nos princípios da democracia liberal, em especial a incontornável separação de poderes, consagrada desde Montesquieu como um dos pilares do constitucionalismo moderno.
Embora vozes se façam ouvir, desde democratas como Sanders, que considerou o ataque de “alarmante” e “grossamente inconstitucional”, até algumas vozes republicanas, como o constitucionalista Thomas Massie, que considerou a decisão inconstitucional, a verdade é que Donald Trump – como todos os populistas iliberais – é capaz de escapar incólume, graças a dois fatores estruturais e interligados: (i) o modelo eleitoral americano que é desproporcional, dando peso desigual ao voto em zonas rurais, de orientação MAGA, e (ii) ao facto do seu eleitorado mais fiel apreciar as demonstrações de força de Trump, seja em guerra seja contra as instituições americanas liberais, seguindo-o como a um pastor evangélico.
Portanto, embora exista base legal para a realização de um impeachment a Donald Trump, a história recente mostra-nos que esse caminho é incapaz de produzir efeitos. Pelo contrário, é uma forma de reforçar o seu capital político como vítima do establishment, isto é, do sistema político que não tolera homens que sejam “a voz do povo”.
Com a Câmara dos Representantes e o Senado nas mãos de Trump, o impeachment é inviável, o que irá reforçar a posição do presidente norte-americano de intocável e inderrubável. Para já, ao ouvir o Secretário de Defesa dos Estados Unidos percebe-se que a doutrina Trump é uma mistura entre o lema dos Cobra Kai (“Strike first, strike hard, no mercy”) com a velha ilusão imperial de Bush Jr., a de um mundo sob vigilância moral americana. Essa ilusão de império dominante pode conduzir os EUA por caminhos perigosos e que arrastem a geopolítica mundial.
No final, pode bem ser o fim político de Trump, mas até lá parece que o presidente norte-americano se mantém irredutível e orgulhoso do seu reflexo nas águas. Veremos se acaba como Narciso e que mundo arrastará consigo nas águas onde se contempla.