"As pessoas aparecem desesperadas". Há um caso de sucesso a ajudar portugueses a gerir dívidas

17 jan 2023, 07:01
Supermercado (Getty Images)

Começou em Carcavelos, já se estendeu a Cascais e até atende pessoas do resto do país. O Gabinete Dívida Zero surgiu em 2009 e continua a ajudar pessoas endividadas

É como se fosse o "amigo das finanças", conta-nos Pedro Mateus, o único responsável do Gabinete Dívida Zero, um ponto de ajuda para centenas de pessoas que tiveram ou têm problemas com dívidas. Trata-se de uma ideia que surgiu em 2009 na Associação de Beneficência Luso-Alemã, na freguesia de Carcavelos, e cujo sucesso fez com que a Câmara Municipal de Cascais quisesse integrar o projeto.

Em quase 14 anos (foi fundado a 1 de março), o Gabinete Dívida Zero atendeu cerca de 1.400 pessoas, muitas delas com a ‘corda na garganta’, e que saíram de lá com a vida resolvida ou, pelo menos, encaminhada.

Num contexto de inflação como não se via desde 1992, Pedro Mateus conta à CNN Portugal que só em 2022 atendeu 220 famílias, 105 das quais pela primeira vez. Um número maior face ao que acontecia antes, e que o responsável antevê que vá aumentar, uma vez que a carga mensal das famílias já está a aumentar.

"Ainda não vemos mais famílias em dívida, mas isso vai acontecer", garante o responsável, ele próprio um "recuperado" de uma situação semelhante: esteve 13 anos a pagar uma dívida contraída por má gestão das suas finanças, e foi precisamente nessa altura que foi chamado pelo criador do projeto, que sabia ter ali um licenciado em gestão e alguém com capacidade para lidar com os diferentes casos, não fosse ele um deles. "Ajudar os outros também me ajuda a mim", confessa.

Apesar de relatar vários casos de sucesso, Pedro Mateus não tem problemas em afirmar que o objetivo do projeto falhou. Afinal, diz, o Gabinete Dívida Zero destinava-se a ajudar pessoas a não contraírem dívidas, e não a resolver as já existentes. Mas foram aparecendo cada vez mais pessoas em situações de "desespero", algumas das quais com dificuldades em colocar comida na mesa para os filhos. Já houve até casos de aconselhamento psicológico ou de encaminhamento para apoios da Segurança Social. Isso mudou o paradigma, e hoje o gabinete é o tal "amigo das finanças".

"As pessoas que nos procuraram foram as que já tinham dívidas, algumas cheias delas e no desespero", lembra, apontando que há pessoas que vão ali às vezes só para fazerem o IRS. Também há pessoas em situações limite, que muitas vezes só precisam que haja mais uma "cabeça a pensar".

Pedro Mateus ajuda pessoas com problemas financeiros em Cascais (DR)

Crédito mais fácil (e uma forma de ajudar)

Se em 2009 Pedro Mateus já via casos de pessoas com dívidas em cartões de crédito, o cenário atual é ainda mais assustador. O responsável fala na iliteracia financeira dos portugueses, mas também culpa as empresas que cedem créditos, algumas das quais até "aparecem no supermercado a vender crédito como se fosse um iogurte".

"Depois as pessoas perdem-se, entram num efeito de bola de neve e começam a ter de se financiar para pagar essas dívidas", nota, criticando estas empresas de concessão de crédito por não verificarem as situações financeiras das pessoas a quem vão emprestar dinheiro.

Ainda assim, para quem possa pensar que o Gabinete Dívida Zero faz milagres há um aviso: "quem resolve os seus problemas são as próprias pessoas". O que Pedro Mateus faz é ajudá-las a terem consciência, a formularem um plano para lidarem com o problema e a encontrarem uma solução, por vezes "criativa".

Tudo começa por compreender a natureza da dívida. O profissional da gestão dá um exemplo: uma dívida de mil euros num cartão de crédito pode ser mais difícil de gerir que uma dívida de 100 mil euros num crédito à habitação. Confuso? É que um crédito à habitação pressupõe mais cuidados. Desde logo a provável existência de fiadores, além de que a taxa associada, apesar de neste momento até estar a subir vertiginosamente, não andar nem perto da dos cartões de crédito. Com efeito, e como sublinha Pedro Mateus, há cartões com taxas até 30% que se não forem pagos durante longos períodos podem ver os juros de mora subir para situações incomportáveis. De repente, uma dívida de mil euros pode transformar-se numa de milhares e milhares, e que tem de ser paga mais rapidamente que uma mensalidade da casa. Além disso, a casa terá sempre um valor, pelo que, em último caso, pode ser dada como garantia para saldar a dívida.

A seguir à compreensão Pedro Mateus ajuda as pessoas a estabilizarem as dívidas, muitas vezes pelas tais soluções "criativas", às vezes pagando dívidas com crédito, mas de forma consolidada: "A transformação de um cartão de crédito num crédito a longo prazo é uma solução que pode ser eficaz".

Ajudar estas pessoas também depende do agregado familiar. É diferente se a pessoa que tem dívida vive sozinha ou se tem filhos e um cônjuge. Neste último caso há que "envolver o resto da família, o resto da casa". Caso não seja esse o cenário, aplica-se algo essencial para os dois casos: mudança de comportamentos e de atitudes. Isso significa ajudar as pessoas a perceberem o que fizeram de errado e a "treiná-las" para que algo semelhante não volte a acontecer. Conseguido esse ponto segue-se a elaboração de um orçamento familiar e, como se espera, a "estabilidade" financeira.

Uma porta sempre aberta

Mas mesmo para quem atinge essa estabilidade financeira há sempre uma dúvida. Muitas pessoas acabam por voltar ao Gabinete Dívida Zero, e Pedro Mateus quer que assim seja, mesmo que já não tenham dívidas.

"Há pessoas que me perguntam 'posso vir aqui no próximo mês? E no a seguir?'", conta, referindo que estas pessoas sentem necessidade de "prestar contas a alguém", de saberem se estão na rota certa.

A porta do gabinete está aberta a estes casos, e até a outros. Com efeito, Pedro Mateus conta que, apesar de o projeto ser municipal, já teve várias pessoas de todo o país, "até de Vila Real ou da Madeira" a marcarem uma consulta. Algo facilitado pela flexibilidade de plataformas digitais como o Zoom, por onde o responsável do gabinete fala com dezenas de pessoas que não querem ou não conseguem ir ao local.

É que o Gabinete Dívida Zero não quer servir como um meio de tratamento, mas sim como um suporte de cura: "Acreditamos que há sempre uma solução, que as pessoas vão ser resolvidas e são o principal motor para se ajudarem. Acredito neste efeito de bola de neve de generosidade, onde sou ajudado e posso ajudar o outro", conclui o responsável.

Se estiver numa situação de endividamento ou com dificuldades em gerir o orçamento pode contactar várias organizações que prestam apoio gratuito. Além do Gabinete Dívida Zero, também associações como a APOIARE, a DECO ou até o website Doutor Finanças podem ajudar a tomar a melhor opção numa altura mais difícil.

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