Nove meses depois do último relatório, o mesmo neurologista confirma o "agravamento da memória e outras funções cognitivas". Defesa entrega documento na sessão de instrução do caso BES
A defesa do ex-líder do BES, Ricardo Salgado, apresentou novo relatório médico ao processo BES/GES, de forma a comprovar a doença de Alzheimer do arguido.
Nove meses depois do último relatório, o mesmo médico neurologista confirma o “agravamento da memória e outras funções cognitivas, alteração do comportamento, alteração da marcha e desequilíbrio com risco de quedas e episódios de incontinência”, “a perda progressiva de autonomia para a realização de atividades básicas da vida diária”, como seja higiene pessoal, alimentação, administração da medicação e acrescenta ainda que, “apesar de estar mantida a capacidade para alguma socialização e a capacidade para manter uma conversação com um conteúdo simples, apresenta atualmente um defeito de memória e um defeito de funções executivas relevante“. Concluindo que existe “um claro agravamento dos sintomas associados a uma síndroma demencial” e que “este agravamento é o expectável para a progressão de uma doença neurodegenerativa como a Doença de Alzheimer”, escreve o médico Joaquim Ferreira, no relatório a que o ECO teve acesso, elaborado a 1 de maio.
“Tendo elaborado no dia 2 de Julho de 2022 um relatório clínico sobre o estado de saúde do Dr. Ricardo Salgado, venho agora complementar a informação elaborada com novos dados clínicos relativos à evolução da doença. No relatório elaborado no dia 2 de Julho de 2022 já tinha sido reportado que, comparativamente com o momento do diagnóstico, o Dr. Ricardo Salgado apresentava um agravamento do defeito cognitivo, maior lentificação motora, agravamento da marcha e do desequilíbrio e uma perda de autonomia progressiva para a realização de atividades da vida diária. Nessa informação clínica, já tinha sido também documentado que se encontrava medicado com um fármaco oral destinado ao tratamento da Doença de Alzheimer. Nesse momento, também já se encontrava a participar num ensaio clínico multicêntrico internacional destinado a avaliar o benefício de um novo medicamento experimental para a Doença de Alzheimer”, explicou o médico.
Que confirmou ainda que seu paciente continua “a participar num ensaio clínico multicêntrico internacional em que tem a possibilidade de estar a ser tratado com um novo medicamento experimental para a Doença de Alzheimer” e que “mantém a restante medicação oral”.
Ricardo Salgado, que foi acusado também, em dezembro, pelo Ministério Público (MP) no caso EDP de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, outro de corrupção ativa e um de branqueamento, tinha sido notificado para esclarecer se queria prestar declarações relativamente a factos descritos no despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre que colocou (em dezembro de 2021) Manuel Pinho em prisão domiciliária.
O recurso para a Relação de Lisboa já tinha sido apresentado sete meses antes, no final de maio de 2022, e contou com 792 páginas nas quais os representantes legais do antigo banqueiro, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace, pedem a revogação do acórdão da primeira instância por entenderem que a sentença de seis anos de prisão vai acelerar a morte de Salgado.
Nesse documento, os advogados do ex-banqueiro lembram o diagnóstico de Doença de Alzheimer que foi atribuído e criticam a decisão do tribunal de primeira instância por aplicar “esta pena de prisão efetiva sem sequer ter ‘gasto’ ou ‘dedicado’ uma única palavra para apreciar a concreta relevância” da patologia, tornando uma “questão absolutamente essencial numa ‘não questão’”.
“O próprio acórdão recorrido fez questão de omitir e não apreciar os concretos efeitos jurídicos que daí advêm para a determinação da pena e respetiva suspensão“, refere a defesa de Salgado, sublinhando que “a mera leitura do acórdão recorrido afigura-se, no mínimo, chocante no que diz respeito à aplicação de uma pena de prisão efetiva” e que a omissão de pronúncia relativamente à doença de Alzheimer constitui uma nulidade.
Invocam também os advogados que, caso se entenda que a doença diagnosticada não esteja sustentada pela matéria de facto, “a primeira instância tinha de ter determinado a realização de perícia médica para determinar se o ora arguido recorrente tem anomalia psíquica superveniente, mas, não o fez”. Nesse sentido, apontam a violação de diversos artigos do Código do Processo Penal e a incursão em nulidade.