Swift e Kelce dão à cultura pop um exemplo raro: ela é muito mais rica do que ele. O caso expõe como dinheiro e género ainda se cruzam nas relações
O casamento de Taylor Swift e Travis Kelce dará à cultura pop um exemplo financeiro pouco habitual.
Ambos são extremamente ricos e estão no auge das respetivas carreiras, mas Kelce, jogador profissional dos Kansas City Chiefs, não acumulou a mesma fortuna que a sua noiva, estrela pop bilionária.
Numa relação heterossexual, o facto de a mulher ganhar mais do que o marido contraria os papéis de género tradicionais - mas a tendência está a tornar-se cada vez mais comum. A percentagem de mulheres que ganham tanto ou mais do que os maridos triplicou nos últimos 50 anos - 45% das esposas em casamentos heterossexuais nos Estados Unidos têm rendimentos iguais ou superiores aos dos maridos, segundo dados do Pew Research Center de 2023.
Viver apenas com um rendimento é difícil, por isso há muitas vantagens em as mulheres terem mais acesso ao mercado de trabalho e à igualdade salarial - os filhos tendem até a ter mais sucesso e a desenvolver relações mais igualitárias se tiverem uma mãe trabalhadora, explica Megan McCoy, terapeuta financeira e professora associada de planeamento financeiro pessoal na Universidade Estadual do Kansas.
Mas a mudança face às normas tradicionais pode trazer "dores de crescimento" para algumas pessoas, e os casais podem ter de agir de forma consciente para manter a relação forte enquanto desafiam expectativas, afirma Brian Page, conselheiro financeiro e fundador da Modern Husbands, um serviço de apoio financeiro e de gestão do trabalho doméstico.
Papéis antigos, novas exigências
Antes de ser um ícone da música, Taylor Swift foi uma rapariga, e antes de ser um dos melhores tight ends da história, Travis Kelce foi um rapaz. E, como a maioria das pessoas, terão provavelmente recebido mensagens diretas e indiretas sobre o que deviam ambicionar, diz Sonya Lutter, professora e diretora de saúde e bem-estar financeiro na Texas Tech University.
Felizmente, Swift e Kelce parecem partilhar valores semelhantes e apoiam-se publicamente nas respetivas carreiras, mas, para muitas pessoas, as ideias sobre o que um homem ou uma mulher devem fazer podem ser um obstáculo, acrescenta Lutter.
"O dinheiro e a masculinidade continuam casados em 2025", aponta Page, citando dados do Pew Research Center que mostram que tanto homens como mulheres consideram que sustentar financeiramente a família é um aspeto "muito importante" para ser um bom marido ou companheiro.
O problema é que o custo de vida tem crescido mais rápido do que os rendimentos, pelo que a ideia de haver um único responsável pelo sustento da família já não faz sentido em muitos contextos, explica McCoy.
"Há um desfasamento entre as expetativas sociais e a realidade atual, e existem homens e mulheres que estão a sentir dores de crescimento devido a esse desfasamento", acrescenta Page.
Para os homens, essa disparidade entre expetativas e realidade pode significar uma crise de identidade. Se a sociedade o valoriza sobretudo pela capacidade de sustentar a família e esse papel é posto em causa, o que pode oferecer que lhe dê sentido dentro da família?
Para as mulheres, equilibrar o trabalho com a pressão persistente de serem as principais cuidadoras é muitas vezes uma tarefa impossível, que gera uma sensação de fracasso qualquer que seja a escolha.
"Quando as mulheres ganham mais do que os maridos, continuam a fazer mais de metade do trabalho doméstico", sublinha Lutter.
Resquícios das expetativas de género persistem, mesmo quando as famílias enfrentam novas exigências.
"O problema é que tudo isso se baseia em normas sociais - não necessariamente no que é racional, nem no que faz mais sentido financeiramente, nem no que torna um casal mais feliz", refere Page.
Conflito dos dois lados
Os homens tendem a estar mais satisfeitos quando os rendimentos das mulheres ficam dentro de uma determinada margem, de acordo com a investigação.
O nível de stresse psicológico de um marido é geralmente mais elevado se a mulher não tiver rendimentos, diminuindo gradualmente à medida que o salário dela aumenta, concluiu um estudo de outubro de 2019. Os homens parecem estar mais felizes quando os rendimentos das mulheres atingem cerca de 40% dos seus próprios salários, mas a satisfação começa a cair quando esse limiar é ultrapassado.
"Também vemos que, quando as mulheres ganham mais do que os maridos, surgem mais discussões sobre dinheiro no seio da família", diz Lutter.
Os homens podem sentir-se ameaçados no seu próprio sucesso - algo particularmente angustiante se tiverem sido educados para ver o trabalho como a sua principal medida de valor -, enquanto as mulheres podem sentir dificuldades em aceitar a forma como o trabalho doméstico é dividido, nota McCoy.
Além disso, as mulheres têm maior probabilidade de trabalhar fora de casa e, ao mesmo tempo, continuar a cuidar dos filhos, a gerir a casa e a assumir o peso da carga mental. E, mesmo quando ganham mais dinheiro, não usufruem de mais tempo livre, acrescenta McCoy.
"As mulheres têm menos probabilidade de ter tempo de lazer, sobretudo fora de casa. O lazer feminino tende a ser ler um livro ou tratar do jardim, atividades feitas em casa, onde os filhos continuam a poder roubar-lhe a atenção, enquanto o lazer masculino acontece mais vezes fora de casa e com maior frequência", aponta McCoy. "Não existe apenas uma diferença na divisão das tarefas domésticas - também há uma diferença no lazer, e essa desigualdade tem de ser abordada."
As discussões podem surgir quando ambos sentem que já têm demasiado em mãos, refere Lutter.
"Parece haver sempre o conflito do ‘preciso de me concentrar no trabalho, porque sou quem ganha mais’ e do ‘não tenho tempo para chamar a pessoa da limpeza, mesmo não sendo eu a limpar’", explica. "Ambos sentem isso, e daí nasce o conflito: ‘o que é que vamos fazer?’"
Planear em equipa
Muitos preconceitos sobre papéis de género e dinheiro são, em parte, inconscientes, por isso um bom ponto de partida é falar sobre eles, afirma McCoy.
"O mais importante é haver conversas abertas e honestas sobre o dinheiro enquanto metáfora de poder, controlo e sucesso", acrescenta. "É fundamental falar cedo numa relação sobre o que isto significa. O que significa se eu tiver sucesso? O que significa se tu decidires dar um passo atrás no teu papel? O que é que isso representa para ti enquanto pessoa dentro da nossa relação?"
Lutter recomenda agendar momentos regulares para conversar sobre dinheiro e papéis de género - talvez no início do ano ou na altura dos impostos, quando já se está a olhar para as finanças.
A vida muda, e aquilo que faz sentido financeiramente, ou na divisão de tarefas como lavar a loiça ou levar o lixo, também pode mudar. É útil sabermos que vamos voltar a este tema", sublinha.
"Garantam apenas que estão a falar sobre isto: ‘Estás feliz com o que estamos a fazer? Há alguma coisa que queiras mudar?’ Pode acontecer que uma das pessoas queira mudar e a outra não, mas ao menos estão a conversar sobre o assunto", aponta.
Page conta que foi o principal responsável pelo sustento no início da relação. Mas alcançou muitos dos objetivos que tinha para a sua carreira e agora é a mulher quem ganha a maior parte do dinheiro, enquanto ele assume muitas das responsabilidades da casa.
As dinâmicas mudam, mas o essencial é trabalhar em equipa para que ambos possam prosperar, sublinha.
E, à medida que as carreiras de Kelce e Swift continuam a evoluir, Page considera que é um exemplo notável para o mundo vê-los a apoiar-se mutuamente.
"Ele está tão feliz por ela", afirma. "Acho que é importante as pessoas verem isso."