E você, também é um perito de investigação nas mil especulações sobre o rapper agora em prisão preventiva? Ou também anda às apalpadelas para perceber o que é verdade e mentira neste escândalo? Não se preocupe: em qualquer dos casos, você não está sozinho. Venha connosco: A Culpa é do Algoritmo é uma rubrica sobre incêndios e combustões nas redes sociais
Se anda a contar que, segundo a CNN, a polícia encontrou um túnel secreto em casa de Sean "Diddy" Combs, então você precisa mesmo de ler este texto.
Essa é uma história fabricada, nunca apareceu na CNN e já foi desmontada pela Reuters. Mas é um exemplo das labaredas descontroladas que continuam a propagar-se nas redes sociais sobre o caso grave que levou à detenção do rapper. Balançando entre a realidade e a ficção, o enredo nasceu após a detenção do magnata da música Sean Combs, a 17 de setembro, e inclui homicídios, orgias, violência, vítimas como Justin Bieber e Rihanna, abusadores e cúmplices silenciados.
Venha daí.
Mas primeiro, dê-se música
Temos uma sugestão, uma banda sonora para ler este artigo sobre este filme-difícil-de-largar: escolha uma playlist de rap dos anos 2000, altura em que Diddy estava a deixar de ser Daddy, Puff Daddy, um dos vários nomes artísticos deste homem hoje com 54 anos que nesse virar do milénio estava a raiar os trinta - e já ultrapassava as fronteiras da música e da indústria para começar a parecer o protagonista de uma história de gangsters. Por exemplo, esta playlist:
Como começou
Em novembro de 2023 Cassandra “Cassie” Ventura, antiga namorada do músico, acusou o artista de violação e abusos físicos reiterados durante mais de uma década. As duas partes resolveriam rapidamente a questão “amigavelmente”, segundo os comunicados, mas o assunto já tinha chegado à esfera pública. E escalado.
Tal como ocorreu aquando das acusações contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein por agressão sexual, que originaram o movimento “Me too”, outras alegadas vítimas sentiram-se encorajadas a denunciar os supostos crimes perpetrados por Diddy. O artista foi alvo de diversas acusações de abuso e agressão sexual que levaram a pelo menos 10 ações judiciais civis nos EUA, mais de 100 denúncias e uma investigação federal sobre tráfico sexual, o que culminou na sua detenção preventiva. Estes são os factos.
A partir daqui, brotaram peritos de investigação, teorias de conspiração e uma intrincada teia de relações e crimes que o algoritmo ama e que os utilizadores do TikTok e Instagram conhecem bem - basta ver, basta gostar, basta odiar mas olhar, basta não dizer basta e mil e uma outras coisas aparecem de baixo para cima, basta deslizar o dedo e não desligar o ecrã.
Freak Off Parties – as festas do terror e muitos, muitos famosos
Um dos focos da investigação da justiça norte-americana prende-se com as festas organizadas por Sean Combs, as chamadas “freak offs”, nas quais o músico alegadamente drogava e coagia vítimas a manter relações sexuais com profissionais do sexo. Segundo a acusação, estas festas decorriam frequentemente e poderiam durar vários dias. Os encontros sexuais eram filmados, sem consentimento, e as gravações usadas pelo artista para controlar e chantagear as vítimas.
Quem sabia das festas? Quem participou? Quem foi cúmplice?
As festas de Diddy não eram segredo. Elas foram várias vezes referenciadas em entrevistas de astros de Hollywood, em músicas, em séries de televisão e filmes. Imagens que circulam pela internet mostram diversas personalidades do meio artístico presentes ao longo dos anos. Sem ir muito longe, “oh, é como uma festa do Puffy!” é uma deixa do filme “Madagáscar” e o ator Ashton Kutcher falou delas numa entrevista enquanto saboreava asas de frango fritas…
Não é claro se estas estrelas estariam presentes apenas nas festas ou se teriam algum tipo de conhecimento ou participação no que se passava atrás das cortinas. Mas saber os nomes que constam numa possível lista exclusiva destes freak offs, conscientes de tudo o que implicaria, é o foco principal dos "detetives" das redes sociais.
Teoria delineada na Internet: Jay Z, amigo de longa data de Diddy e parceiro de negócios, seria um deles. São muitos os que esperam ver este "grande" da indústria cair. Além da relação que os dois mantinham, muitos apontam-no como “culpado” devido a uma alegada entrevista polémica da cantora Jaguar Wright, que colaborou com “The Roots”, o duo “Blackalicious” e que chegou a trabalhar e Jay Z em 2001, na qual denunciava a podridão da indústria musical. Entre várias acusações, Wright afirma que Jay Z é igualmente responsável, dizendo até que ele “está a tramar Diddy”. Colaborações frequentes de Jay Z com R. Kelly o cantor que está a cumprir 30 anos de prisão por extorsão, tráfico sexual e pornografia infantil, alimentam a ideia de uma trindade do mal dentro da indústria da música. Casada com Jay Z, Beyoncé não sai ilesa desta possível conspiração, com fãs a duvidarem que esta não tivesse conhecimento das práticas ilegais cometidas.
@tiktokyoungboss Jay z is setting up Diddy, according to Jaguar Wright 🤔 #jayz #jaguarwright #diddy #cassie #rkelly #damedash #aaliyah #hollywood ♬ I Got 5 On It - Tethered Mix from US - Michael Abels & Luniz
Outros nomes de relevo que vão surgindo nas conspirações à medida do scroll: as famosas-por-serem-famosas Kardashians, o já mencionado Ashton Kutcher, o cantor Usher, Leonardo Di Caprio, Jennifer Lopez - que namorou com Diddy entre 1999 e 2001 -, o rapper Chris Brown (também conhecido por ter namorado e agredido Rihanna), Kevin Hart, Will Smith.
Recentemente, Tony Buzbee, advogado que representa as mais de 100 alegadas vítimas, veio alimentar as especulações sobre os possíveis cúmplices neste complexo caso. “Chegará o dia em que citaremos outros nomes além de Sean Combs, e há muitos nomes. Já é uma longa lista, mas devido à natureza deste caso, vamos certificar-nos - com toda a certeza - de que estamos certos antes de o fazermos”, afirmou, prosseguindo que “os nomes vão chocar-vos". Questionado numa entrevista da CNN sobre se estaria a falar de “celebridades e executivos da indústria de entretenimento”, Buzbee respondeu prontamente: “Isso tudo, sim”.
@kingofmemes.official #fyp #fypシ #diddy #pdiddy #jlo #justinbeiber #diddyparty #hiphop #rap #tupac #biggie #badboyrecords ♬ Very Sad - Enchan
As acusações dos homicídios
O escândalo tomou outras proporções quando ressurgiram teorias sobre o possível envolvimento de Combs em homicídios e mortes suspeitas. O nome do magnata da música já havia sido associado - sem factos confirmados - às mortes de Tupac Shakur, que morreu em 1996, e de The Notorious B.I.G., que morreu em 1997, mesmo se nenhuma acusação oficial ocorreu neste sentido. Os rappers Eminem e 50 Cent são duas das vozes que mais têm veiculado tais afirmações, à vista de todos os que os queiram ouvir.
O primeiro disparou as farpas, inicialmente, na música “Killshot”, lançada em 2018. “Kells, o dia em que lançares um hit é o dia em que o Diddy admite / Que foi ele que lançou o hit que matou o Pac”, diz a letra. O mesmo reiterou as denúncias em julho deste ano, com o lançamento do álbum “The Death of Slim Shady”. Numa compilação de indiretas a Diddy, destaca-se “Fuel” que reforça a narrativa do envolvimento do artista nas mortes dos dois rappers. 50 Cent já o havia feito anteriormente. Em 2006, apresentou “The Bomb”, onde afirmava que o rapper teria conhecimento do autor do tiro que atingiu fatalmente B.I.G.. Sobre Tupac, o rapper acredita também que Diddy estará relacionado com o homicídio.
Certo é que, de acordo com a "Rolling Stone", a família de Tupac contratou um advogado para investigar possíveis ligações entre Sean Combs e o assassinato do rapper.
A galeria de acusações de envolvimento em mortes de celebridades vai até Michael Jackson. Aqui, as teorias são ainda mais rebuscadas: focam uma pessoa em comum - o chefe de segurança, Faheem Muhammad.
Muhammad era o chefe de segurança de Jackson aquando da sua morte, passando depois para chefe de segurança de Diddy. As teorias que o relacionam com a morte do cantor ganharam vapor após a partilha em massa da música “She Knows” (“Ela Sabe”) de J. Cole, que ficou associada a Beyoncé e a todo este enredo, tornando-se quase um símbolo delator para este escândalo. Na letra, o autor refere três mortes do mundo da música: Aaliyah – a estrela de R&B que morreu a 25 de agosto de 2001 - Left Eye – a cantora Lisa Nicole Lopes do grupo TLC que morreu a 25 de abril de 2002 – e Michael Jackson – que morreu a 25 de junho de 2009. Apesar da sombria coincidência dos dias de morte e algumas pontas soltas, pouco liga estas fatalidades ao escândalo sexual de Diddy. A primeira morreu devido a uma queda de avião. As autoridades norte-americanas acreditam que o excesso de peso e a forma como este estava distribuído contribuiu para o acidente. Lisa Nicole Lopes morreu num acidente de viação.
Depois de Cassie relatar o que pode ser classificado como calvário no seu quotidiano com Diddy, novas vítimas se chegaram-se à frente para relatar abusos.
Mas não basta que o caso já tenha levado a mais de 100 denúncias. Os internautas precisam de mais, mesmo de quem está em silêncio. Especula-se que Justin Bieber seria mais uma vítima do espetáculo tenebroso que ocorria nas freak offs de Sean Combs. Bieber, menino prodígio da música pop que saltou para a fama ainda menor de idade, trabalhou com Diddy no início da sua carreira. Há um vídeo antigo, e agora partilhado massivamente, em que Diddy afirma que se “se vai divertir nas próximas horas” com o jovem. Não se sabe o que aconteceu.
@dailymail ‘Creepy’ clip of Diddy with young Justin Bieber resurfaces. This comes days after Diddy’s home was raided by Homeland Security as part of a trafficking investigation. #usher #bieber #diddy #creepy #breakingnews #news #justinbieber #resurfaced #LA ♬ original sound - Daily Mail
Num episódio do programa de “Keeping Up With the Kardashians" de 2014, Khloé Kardashian revela que Justin Bieber teria estado presente numa das festas de Diddy. Para alimentar as especulações que o jovem poderá ter sido uma das vítimas, há quem se apoie na música por si lançada em 2020, “Yummy” para garantir que o videoclipe é uma denúncia subliminar de supostos crimes de abuso e pedofilia sofridos pelo jovem.
Vídeo de Yummy
No vídeo são mostradas crianças a tocar instrumentos de forma melancólica enquanto os adultos se divertem numa festa. No final, é mostrado um prato com a imagem de Bieber em criança, onde se lê “Yummy”, delícia em português. Teoria? Diddy teria vendido vídeos do jovem à deepweb. E não só dele. Por 500 milhões de euros (cerca de 446 milhões de euros), as cavernas da internet teriam acesso a imagens de Chris Brown, Drake e Rihanna.
A cantora de “Umbrella” é também relacionada com eventuais abusos por parte de Jay Z. Em poucos minutos de scroll, Instagram e TikTok garantem que foi vítima de tráfico. Rihanna terá sido levada de Barbados para os Estados Unidos com apenas 16 anos, tendo estado reunida com Jay Z sem “supervisão parental durante horas. Há quem afirme que a jovem terá sido coagida a aceitar os termos apresentados. “Ou sais pela porta com um contrato assinado ou sais pela janela e estamos no 29.º andar”, terá dito o produtor. Ainda que tenham sido partilhados vídeos da própria Rihanna a contar esta história publicamente, subsistem os que acreditam que algo de grave terá ocorrido, invocando um possível esquema de tráfico, exploração e manipulação.
@ancientwisdomnow Rome Will Fall . #rihanna #jay #diddy #hollywood #truth #light #musician #singer #foryoupagе #fyp #viralvideo #viraltiktok ♬ original sound - Inner G
Usher é outra peça que entra neste esquema paralelo. Segundo os conspiracionistas, Usher terá sido inicialmente mais uma vítima nas mãos de Diddy no início da sua carreira, quando este tinha apenas 13 anos. Segundo revelou numa entrevista à “Rolling Stone”, em 2004, Usher e Diddy chegaram a viver juntos durante um ano. Em 2016, numa conversa com Howard Stern, Usher confidenciou ainda a “loucura” que assistiu nesses tempos, “havia coisas muito curiosas a acontecer e eu não as percebia”, contou, acrescentando que não deixaria os seus filhos viver com Diddy. Por outro lado, nas redes sociais há quem o acuse de poder ter sido cúmplice no que a Bieber diz respeito, uma vez que foi o Usher que apresentou Bieber a Diddy.
Outro nome de uma possível vítima célebre seria ainda Jaden Smith. O filho de Will Smith alcançou o estrelato com apenas nove anos e disseminam os conspiracionistas das redes sociais que Jaden terá sido uma vítima das “freak offs” quando ainda era menor, afirmando ainda que o pai terá responsabilidade no que aconteceu.
Como se cozinha uma teoria da conspiração? Tudo começa com um vídeo ou uma imagem amplamente partilhados e meticulosamente analisados - declarações proferidas no espaço público, coreografias, letras… - mas sempre ignorados pelas autoridades. Até agora.
Factos, pois:
Michael Jackson morreu vítima de uma overdose de propofol e o seu médico, Conrad Murray, cumpriu dois anos de prisão de uma pena de prisão por homicídio involuntário.
A investigação à morte de Tupac poderá estar perto de estar concluída. Duane Keith “Keffe D” Davis foi detido em 2023 por suspeitas de ser o responsável pelo homicídio e aguarda agora julgamento.
Do que se sabe, Jay Z não foi chamado pelas autoridades.
E Sean ‘Diddy’ Combs é suspeito de tráfico sexual e extorsão e a lista de acusações não para de crescer. Segundo noticiado, há 120 alegadas vítimas, 25 das quais eram menores aquando do alegado abuso. O produtor está detido, sem direito a fiança, em Brooklyn, onde aguarda julgamento que poderá condená-lo a prisão perpétua.
🔥 A culpa é do algoritmo é uma rubrica da CNN Portugal sobre incêndios e combustões nas redes sociais