Caso está a gerar preocupação. E também está a gerar especulação. Afinal, "estamos numa fase de guerra híbrida". Mas como é que se consegue mesmo sabotar um avião?
A queda de um Boeing 737 da DHL durante a aproximação ao aeroporto de Vilnius, na Lituânia, não passou despercebida aos grandes líderes europeus. O contexto atual - em que a Europa está em guerra com a Rússia, bem como o facto de a Lituânia ser vizinha do país liderado por Vladimir Putin - tem gerado especulações sobre o que realmente aconteceu.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que a queda “precisa de ser investigada de perto". A sua ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, foi mais longe. “O facto é que nós, juntamente com os nossos parceiros lituanos e espanhóis, temos agora de nos questionar seriamente se este foi um acidente (ou) outro incidente híbrido que mostra os tempos voláteis em que vivemos atualmente, mesmo no centro da Europa”, afirmou Baerbock durante a cimeira do G7, esta terça-feira.
À CNN Portugal, o major-general Isidro de Morais Pereira valida a perspetiva da ministra alemã. “Há ações antecedentes similares, sobre as quais já há indícios suficientemente positivos de que se trata de ações de sabotagem”, afirma o especialista militar, que aludiu ao alerta feito pelas autoridades alemãs em agosto sobre “dispositivos incendiários não convencionais” que estariam a circular pela Europa através das empresas de transporte. O aviso da Polícia Federal da Alemanha (BKA) e do Serviço Federal de Proteção da Constituição (BfV) - os sistemas de informações internos da Alemanha - descrevia vários incidentes em que encomendas enviadas por particulares em vários países europeus se incendiaram durante o transporte.
O objetivo da Rússia, segundo o major-general, é “amedrontar as populações europeias” através destas ações subversivas, que “condicionam de forma indireta a liberdade de ação dos decisores políticos”. “Há fortes dúvidas de que esta ação sobre a DHL - que já não é a primeira, porque já foi tentada inclusivamente em Leipzig, no seu centro operacional - não tenha a mesma origem”.
Em contraponto, o major-general Agostinho Costa, apesar de reconhecer a possibilidade de tal ato acontecer, rejeita que a queda do avião esteja relacionada com qualquer sabotagem russa. “Possível é, até porque estamos numa fase de guerra híbrida e este acontecimento foi relacionado com os cortes de cabos submarinos no Báltico, mas não me parece provável. (…) Não tem um impacto estratégico, não tem qualquer efeito relevante e não vai criar um fator disruptivo nos canais de abastecimento”, afirma o especialista em assuntos de segurança. “Parece-me um bocadinho a histeria coletiva em que caímos, em que tudo o que acontece fora do comum é atribuído aos russos.”
Para já, as autoridades lituanas não se mostram convictas de que tenha havido sabotagem e estão mais inclinadas para uma falha técnica. Citado pela Reuters, Vilmantas Vitkauskas, chefe do Centro Nacional de Gestão de Crises da Lituânia. admite ainda assim que, se chegarem “dados adicionais”, é possível que possam mudar de opinião, mas que isso não está em cima da mesa “neste momento” face às informações atuais. Além disso, Vitkauskas acrescenta que os sistemas do aeroporto de Vilnius usados para guiar os aviões estavam a funcionar normalmente quando foram testados na terça-feira, um dia depois do acidente.
Sabotagem informática a um avião é “improvável”
À CNN Portugal, o especialista em cibersegurança Nuno Mateus-Coelho explica que a redundância dos sistemas que equipam os aviões torna muito difícil que um destes possa ser sabotado pela via informática.
“A aviónica (sistemas eletrónicos dos aviões) é isolada e fechada e é constituída por múltiplos sistemas. Por exemplo, enquanto nós num computador normal temos o rato, o teclado e o monitor ligados a uma só torre, num avião o rato está ligado a uma torre, o monitor está ligado a outra torre e o teclado a outra torre, para poderem trabalhar isoladamente sem colocar em risco a funcionalidade do sistema”, começa por dizer o especialista. “Os aviões são construídos de forma a serem resilientes a um ataque informático. Os sistemas dos aviões são como um castelo dentro de um castelo.”
Nuno Mateus-Coelho aponta um cenário possível para uma sabotagem informática, mas que não interfere diretamente com a aeronave: “O que um atacante pode fazer, e isso pode mesmo acontecer, é interferir nos sistemas com os quais o avião comunica com a terra. Se houver uma interferência no chão, um ataque a um aeroporto, e se se mexer nesses sistemas, então há várias possibilidades como, por exemplo, um avião receber coordenadas erradas, receber uma informação falsa ou impedir que o cockpit fale com a terra”, afirma à CNN Portugal. “Mas os aeroportos protegem-se com fibras dedicadas, as chamadas 'fibras escuras', que são um garante de que mais ninguém está a utilizar aquela fibra ótica.”
O especialista elenca ainda outra possibilidade, muito mais remota. “Se um avião for invadido fisicamente, pode de facto instalar-se lá um dispositivo. Esse dispositivo já vem com código pré-instruído para alterar qualquer coisa dentro do avião (…) e, à distância, numa intromissão com um equipamento dentro do avião, poder-se-á mexer no avião e causar um acidente.”
Nuno Mateus-Coelho frisa com veemência a quase total improbabilidade de um ataque direto a uma aeronave. “Não existe segurança a 100%, isso é um mito. Mas, até aos dias de hoje, nenhum hacker conseguiu atacar um avião e fazê-lo cair”, afirma o especialista, que não acredita que o avião da DHL tenha sido sabotado.