Como ela, há dezenas de docentes que estiveram anos ao serviço dos organismos do Ministério da Educação e que agora foram reencaminhados para as escolas. Muitos apresentaram-se ao serviço e os diretores nem sequer sabiam que iam voltar e não têm horário para eles
‘Teresa’ prefere não revelar o nome verdadeiro porque “os colegas que ficaram pediram”. Tem mais de 40 anos de serviço. “São mais de 40 anos. Não são 40 dias. São 40 anos!”, como faz questão de frisar. Nessas quatro décadas dedicadas ao ensino, já foi diretora de uma escola, ensinou várias disciplinas a milhares de alunos e foi requisitada pelo Ministério para prestar serviços em vários organismos da estrutura ministerial. Nos últimos anos, esteve ao serviço da DGAE (Direção Geral da Administração Escolar), de onde foi dispensada na sequência da reestruturação do Ministério da Educação, da Ciência e da Inovação (MECI) e da criação da ‘superagência’ que vai gerir as questões da Educação, a Agência para a Gestão do Sistema Educativo (AGSE).
Ao todo, mais de 90 professores foram reenviados para as escolas. Docentes que estavam ao serviço de organismos do Ministério que foram extintos e que o ministro Fernando Alexandre assegurou que iriam suprir necessidades nas escolas de origem. “Só da DGAE são cerca de 50. Das pessoas que conheço ninguém tem horário na escola de origem. Conheço dois casos de professores de físico-química (uma delas estava na DGAE há mais de 20 anos), que chegaram à escola não tinham horário. E é um grupo de recrutamento carenciado”, conta ‘Teresa’.
Estes docentes estavam em mobilidade estatutária, que foi assinada em julho e a que o Governo colocou fim a 17 de setembro. ‘Teresa’ queixa-se da forma como o processo foi conduzido: “Recebi um email do diretor-geral no dia 17, com ordem para nos apresentarmos nas escolas de origem a 20 de setembro. Ora, 20 de setembro é um sábado e ninguém se apresenta nas escolas ao sábado. Logo nesse dia, deixei de ter acesso ao SIGRE e, no dia seguinte, não tinha sequer conta no computador. Eu tinha 40 e tal processos a meu cargo e como era preciso passar os casos a quem ficava, houve uma diretora de serviços dos Recursos Humanos que teve de ir à informática e pediu de novo os acessos aos computadores.”
Apresentou-se na escola de origem, na Grande Lisboa, na segunda-feira seguinte e apanhou o diretor de surpresa. Não só não a esperava, porque não foi avisado que regressaria, como não tinha horário para lhe atribuir.
“Isso teria de ter pensado logo em julho, quando o Ministério renovou as mobilidades estatutárias. Se pensavam que a mobilidade não ia ser anual. Quando mandaram para assinar, os horários que nos estavam destinados deviam ser temporários. Foram anuais e agora esses colegas têm contrato até final do ano”, reclama ‘Teresa’.
Uma “reviravolta” na vida
Também ‘João’ prefere não revelar o nome. Também ele estava em mobilidade estatutária na DGE (Direção Geral de Educação). Teve mais sorte do que ‘Teresa’, quer no tratamento, quer no regresso à escola de origem. Também a direção da escola ficou “estupefacta”, mas tinha horário para lhe atribuir. “E a antiga subdiretora da DGE teve a amabilidade de nos ligar a dizer que a mobilidade estatutária iria cessar e iriamos regressar à escola. Só depois é que recebemos o email a informar-nos que cessaríamos serviço três dias depois. E tive acesso a tudo até ao último dia. Só tenho a elogiar a postura da subdiretora da DGE. Tratou-nos sempre com o máximo de respeito e nunca tiraram acesso a nada”, relata.
Do que ‘João’ se queixa é de ter visto a sua vida sofrer uma “reviravolta”. “Como requereram a mobilidade estatutária por um ano, reorganizei a minha vida nesse sentido e mudei inclusive de casa. Como tínhamos a autorização para a mobilidade estatutária, não pudemos concorrer à mobilidade interna. Portanto, não pude tentar aproximar à residência e agora tenho de fazer dezenas de quilómetros para ir dar aulas”, conta.
“Repare: eu não tenho qualquer problema em regressar à escola. Nada me dá mais prazer do que ensinar. Mas o processo podia ter sido conduzido de outra maneira e, se sabiam que iam terminar a mobilidade estatutária a meio de setembro, podiam ter-nos permitido concorrer à mobilidade interna”, reforça ‘João’.
‘João’ também não estava preparado para “chorrilho” de comentários negativos que leu nas redes sociais. “Muita gente a dizer ‘bem feito!’, ‘queriam era poleiro!’. Acho que há colegas que não sabem o que cada direção-geral fazia e não têm noção do volume de trabalho que nos passava pelas mãos todos os dias”, lamenta.
‘João’ e ‘Teresa’ consideram que o MECI está, “mais uma vez”, a tratar mal os professores ao acabar com determinados serviços. “O E72, que era a plataforma onde os professores colocavam dúvidas sobre concursos e pediam esclarecimentos já só está disponível para diretores. O atendimento presencial parece que também vai deixar de existir. Pelo menos está interrompido”, enumeram.
Governo garante que fez “análise prévia” das necessidades
Apesar de ‘Teresa’ não ter horário na escola de origem e tanto ela como ‘João’ garantirem que conhecem vários colegas que estão sem horário e até alguns que pertenciam a grupos de recrutamento que não são considerados carenciados, contactado pela CNN Portugal, o MECI garante que “a maioria desses docentes tinha horários nas escolas / quadros de zona pedagógica de origem, tendo sido feita previamente uma análise entre os respetivos grupos de recrutamento e as necessidades declaradas nas suas escolas / quadros de zona pedagógica de origem”. “Esses mesmo horários foram retirados da reserva de recrutamento para que pudessem ser preenchidos por estes professores”, garante ainda o MECI, em resposta enviada por email.
“Convém ainda referir que as necessidades de professores não se esgotam num determinado momento. Num corpo docente com cerca de 130 mil professores, é expectável que, ao longo do ano letivo, existam horários por ocupar, seja porque há docentes que passam à aposentação ou porque têm de ser substituídos por motivos diversos: baixa médica, licença de maternidade, licença de paternidade, licença de amamentação/aleitação, serviços moderados (medicina no trabalho), entre outros”, acrescenta ainda o MECI.
A tutela assegura ainda que nenhum dos mais de 90 docentes “que regressou à sua escola ou ao respetivo quadro de zona pedagógica ficou geograficamente afastado do seu atual local de trabalho”.
O Ministério reforça ainda que o que importa é a “garantia de que todos os alunos têm aulas, desde o início do ano letivo, é condição essencial para que a Escola Pública cumpra a sua missão de assegurar a igualdade de oportunidades para todos os alunos” e que “é responsabilidade do Governo encetar todos os esforços para a resolução das situações de alunos sem aulas por períodos prolongados”.
‘Teresa’ conhece pelo menos o caso de uma colega dispensada que, entretanto, voltou a ser requisitada para integrar a AGSE. “A mim, já não me chamam que eu já disse que não queria voltar”, garante.
O Governo, por seu lado, diz que a AGSE, “um dos pilares da nova organização do sistema educativo não superior, vai contar com os professores estritamente necessários ao cumprimento das suas missões e atribuições”.