Pedro Silva: as memórias de Portugal e do Sporting e o que aconteceu à medalha

11 out 2022, 09:02
Pedro Silva (Getty Images)

«Destinos» encontra Pedro Silva, lateral que desfia as memórias da carreira e da passagem pelo Sporting. A conversa passa por aquela final da Taça da Liga e pelo destino da medalha que atirou ao chão, claro. Mas há muito mais

DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias das décadas de 80, 90 e 00s, marcantes no nosso futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. 

Pedro Silva, lateral que representou o Sporting ao longo de três temporadas, entre 2007 e 2010, fala com o Maisfutebol a partir de Florianópolis, numa conversa que passa, claro, pela famosa final da Taça da Liga de 2009 no Algarve, quando uma bola que lhe bateu no peito deu em penálti e valeu o empate do Benfica, que venceria depois nos penáltis. Pedro Silva foi expulso e acabou a atirar a medalha pelo ar. O que foi feito dela?

Mas tem muito mais para contar. Pedro Silva conta como o futebol cedo lhe permitiu ajudar a família, bem antes da primeira passagem por Portugal, para jogar na Académica. E desfia histórias, muitas, da passagem pelo Sporting. Também do Portimonense, onde trabalhou como adjunto depois de terminar a carreira. Hoje vive no Brasil mas mantém a ligação ao Sporting, com o projeto de uma escola de formação.

Como começou a jogar futebol?

Comecei a jogar em Brasília, a cidade onde nasci. Comecei bem cedo, com sete anos. E saí de casa aos 13 anos. Deixei a minha família, o meu pai, a minha mãe, os meus três irmãos, e fui buscar o meu sonho. A minha família sempre foi muito humilde, vim de uma família muito pobre. Foi difícil, porque eu não tinha dinheiro para comprar passagem para visitar os meus familiares. Fui para o Atlético Mineiro, em Minas Gerais, e fiquei lá três anos. De lá eu fui para São Paulo, para o Palmeiras, onde iniciei mesmo a minha base séria, já com ajuda de custo. Aí já tinha condições de visitar a minha família. O Palmeiras é um dos clubes mais importantes na minha carreira, não só por ter jogado e por ter feito o meu primeiro contrato de atleta profissional, mas também por ter proporcionado o maior sonho para mim, que era a casa dos meus pais.

Comprou uma casa para os seus pais?

O Palmeiras presenteou-me com uma casa para os meus pais. Antes a gente vivia numa casa alugada. A minha mãe era empregada doméstica, a gente não tinha muitas condições. Morávamos numa casa com um espaço bem pequeno mesmo, nós dormíamos no chão. Eu, os meus irmãos e os meus pais. Mas era legal, porque ficava sempre todo mundo junto. A casa que a minha mãe tem hoje, onde mora até hoje em Brasília, foi o Palmeiras que deu no meu segundo contrato, com 18 anos de idade.

Estreou-se como sénior pelo Palmeiras e depois passou por vários clubes.

Estreei-me no campeonato brasileiro em 2003. Nessa época, atleta vindo da formação não tinha muita oportunidade como tem hoje, inclusive com o Abel, o meu grande amigo Abel, que é o treinador do Palmeiras. Na minha época não tínhamos muitas oportunidades de ter minutos na equipa de cima. Então a gente acabava sendo emprestado. Joguei no Figueirense, de Santa Catarina, no Vitória da Bahia, no Internacional de Porto Alegre. A seguir fui a primeira vez para Portugal, em 2005, para a Académica.

Como é que surgiu a oportunidade de ir para Portugal?

Foi engraçado, porque não era a minha ideia sair do Brasil naquele momento. Eu estava bem. Só que naquele ano eu tive uma lesão no tornozelo. Acabei por ficar algum tempo parado. O Internacional tinha um time muito bom. No ano seguinte começou a ganhar tudo, Libertadores, Brasileiro, Mundial. Acabei por sair porque quando voltei eu não voltei muito bem, estava muito atrás dos outros atletas e a torcida cobrava muito. Aqui no Brasil, vocês já sabem como funciona, eles não têm paciência. Não esperam pela recuperação de um atleta de lesão ou por um treinador que tem uma capacidade muito boa, que possa trabalhar e estruturar o clube e ajudar os atletas a evoluir. Aqui eles não esperam, tem aquela pressão toda. Então, o diretor do Palmeiras ligou-me porque tinha uma proposta de Portugal, da Académica. Comecei a pesquisar sobre o clube e falei com alguns brasileiros que jogavam lá. O presidente do clube na época pediu para um brasileiro me ligar, o Joeano, que está até hoje em Portugal e é um grande amigo que eu fiz no futebol. Aí, decidi ir. Foi uma experiência muito boa. Coimbra, uma cidade maravilhosa, um clube que me acolheu muito bem. Tinha muitos brasileiros mas os portugueses também me abraçaram de uma maneira impressionante. Hoje eu falo que eu tenho mais amigos portugueses na bola do que brasileiros. Na Académica, até hoje eu falo com eles. O Pedro Roma, o Nuno … Foi uma experiência ótima para mim, tive um ano muito bom. Depois tive outras propostas, mas no final da competição acabei me lesionando e tive que fazer uma cirurgia aqui no Brasil, no menisco do joelho direito.

Então voltou para o Brasil.

Voltei. O treinador do Palmeiras na época era o Tite, que hoje é o treinador da seleção brasileira. Ele pediu para renovar, mas eu não quis. Queria seguir a carreira noutros clubes. Então recebi uma proposta do Santos, que fez um contrato de risco, até por conta da cirurgia que eu tinha. Decidi ir para o Santos. No Santos estava numa fase espetacular, mas aí acabou com uma questão muito difícil, de que infelizmente eu não posso falar, porque é coisa que pode mover processos. Essas coisas envolvendo empresários, envolvendo treinadores, enfim… Prefiro não falar.

Foi um problema com o treinador Vanderlei Luxemburgo?

Isso mesmo. Foi um problema que eu não posso falar, porque… Um tempo atrás até me ligaram do Globo Esporte aqui do Brasil, porque houve outro atleta nosso que também sofreu o que eu sofri. Ele acabou por ser processado, saiu o nome dele nos media, então eu prefiro não falar sobre isso. Hoje eu também trabalho com o futebol. Aqui no Brasil é complicado. As pessoas não gostam que se fale a verdade. Então, depois de um ano maravilhoso no Santos, infelizmente, pelo ego, eu tive que sair. Fui para o Corinthians, mas foi uma passagem bem rápida. Estive lá só sete jogos. Peguei o Corintians numa fase muito ruim, na saída da MSI, que é a empresa do Kia Joorabchian.

E depois apareceu o Sporting…

Aí recebi uma proposta do Lokomotiv da Rússia e já estava praticamente tudo certo quando chegou uma proposta do Sporting. O Carlos Freitas ligou a oferecer-me a proposta do Sporting, um contrato de cinco anos. Um contrato bom, um pouco abaixo do contrato que eu iria receber na Rússia. Mas pelo facto de já ter conhecido o país… E poxa, quando eu joguei contra o Sporting eu vi a grandeza do clube. Eu aceitei na hora. Na hora mesmo. Liguei para o meu empresário e falei: «O pessoal do Sporting ligou-me agora, eu já aceitei a proposta. Eles vão entrar em contacto com você, mas eu quero ir. Não quero ir para outro lugar. Quero voltar para Portugal.»

Estreou-se pelo Sporting logo na Supertaça, mas lesionou-se. Como foi?

Foi, com o FC Porto. Eu me machuquei logo no início. Eu nem sabia que ia jogar a final, na verdade. O Paulo Bento no dia anterior chamou-me a uma sala, a mim, ao Abel e acho que ao Ronny, também lateral-esquerdo. Aí ele falou: «Eu vou começar com o Abel e com o Pedro. Eu quero entrar com um time mais ofensivo, o Pedro e o Abel são dois atletas que atacam bastante mas também sabem defender bem.» Eu não sabia que ia jogar a lateral-esquerdo, mas acabei jogando. Não tinha problema, eu já tinha jogado no Brasil como lateral-esquerdo e para mim não foi novidade. Mas numa final, num Clássico contra o FC Porto, ainda mais jogando contra atletas de um nível tão grande… Era o Quaresma que estava ali do meu lado. E estava a correr bem. Deu certo para o Sporting, ganhou o jogo. Mas para mim foi complicado, porque tive uma lesão muito grave. A recuperação foi muito dura.

Que lesão teve?

Foi ligamento cruzado, rompi o ligamento cruzado do joelho esquerdo. Essa lesão não atrapalhou só o meu início, mas acredito que atrapalhou toda a minha carreira em Portugal. No decorrer da recuperação, acho que logo no primeiro mês, eu escorreguei no banho e abri o joelho quase todo. Tive que fechar de novo, começar toda a fisioterapia. Mas recuperei, foi o mais importante. Naquele momento para mim o mais importante era recuperar a minha saúde. Enfim, até hoje quando vou jogar uma bolinha com os amigos o joelho dói um pouquinho.

Como era aquele grupo no Sporting?

Era bom. No primeiro ano não tive muito contacto com eles, por causa da lesão. Os meus horários eram diferentes. No segundo ano já foi diferente. Depois chegou o Hélder Postiga, que era um cara espetacular, animava o grupo. O Derlei, o Fábio Rochemback também… Chegaram jogadores experientes que mudaram a mentalidade de alguns atletas, o foco do balneário. A gente tinha equipa para vencer. Sabíamos que ia ser difícil, mas tínhamos que colocar na cabeça que o Sporting é um grande clube, que tinha que entrar em todas as competições nacionais para ganhar. Era um grupo legal, um balneário legal. Claro, tinha algumas divergenciazinhas, né, o Liedson, o Simon Vukcevic às vezes… Mas a gente entendia, o Liedson era um cara que queria sempre ganhar, fazer golos. Era um cara que cobrava bastante.

Lembra-se do desentendimento entre o Liedson e o Sá Pinto?

Ah, sim. Isso foi num jogo da Taça de Portugal. Eu joguei esse jogo, o Liedson acho que estava no banco. Quando acabou o jogo eu fui para o banco, porque ficou todo mundo ali no banco de reserva. Sentei ao lado do Carlos Saleiro. E lembro-me que ele falou: «Vai dar confusão no balneário, porque teve uma discussão aqui, o Sá Pinto e o Liedson.» Aí corremos todos para o balneário, entrámos e tal… Mas são dois ídolos do Sporting, estavam a defender o clube e acabaram por se desentender no balneário. O Sá Pinto acabou por sair. Acho que foi uma parte da torcida que cobrou da nossa equipa, o Liedson não gostou e o Sá Pinto discutiu com o Liedson no banco. Mas foi coisa assim… normal. Acho que acontecem coisas piores nos clubes hoje e a imprensa acaba não sabendo.

E momentos mais descontraídos? Quem passou pelo Sporting recorda-se sempre do Paulinho, não é?

O Paulinho, nossa. Quando vou a Portugal vou sempre a Alcochete, até por causa dp projeto que nós temos no Brasil, e estou sempre com o Paulinho. No segundo ano, uma vez por mês a gente, os brasileiros, levava o Paulinho para almoçar. Tínhamos o jantar da equipa, às vezes churrascos em Alcochete, mas uma vez por mês a gente pegava o Paulinho para ir almoçar. Era engraçado. Ele começava a contar as histórias dele, chorava, depois falava: «Pô, eu amo vocês, vocês têm que ficar aqui para sempre. Amanhã vou falar com o mister para deixar vocês ficar aqui para sempre.» No início dos treinos a gente colocava ele para fazer o meinho e falava: «Se a gente chegar a 20 passes você vai ter de pular na piscina.» Aí ele ia lá, pulava na piscina, trocava de roupa… O Paulo Bento ficava doido com ele. Mas o Paulinho é uma lenda do Sporting. Grande amigo. Tenho aqui uma camisola que ele me deu, uma lembrancinha. Saudades de mais dele, nossa.

Então e aquela final da Taça da Liga?

Pois é, né?

Como é que recorda aquela noite?

É uma pena, porque naquela época não tinha o VAR. Foi difícil porque é uma final, né? Naquela altura eu fiquei muito chateado, muito triste mesmo. Eu tinha um relacionamento muito bom com os brasileiros do Benfica. Lembro-me que naquele momento o Luisão tentou acalmar. Mas não tinha como, porque foi um erro muito… Foi um erro que acabou tirando o nosso troféu. O Benfica naquele ano tinha uma grande equipa, o Sporting também tinha uma grande equipa. Lembro-me que antes do jogo nós atletas conversámos e falámos: «Vamos entrar hoje para ganhar, não tem bola perdida, vamos até ao final. Não vamos cair em provocações.» Porque os argentinos provocavam muito, né? «Provocou, vamos provocar também, vamos para cima.» Tanto que nós saímos na frente, ganhando o jogo. Foi um erro que é difícil perdoar, porque foi um troféu. O Lucílio Batista foi iludido pelo fiscal de linha que estava do outro lado, quase a 50 metros de distância, e ele acabou falando que pegou na mão quando eu estava de costas para ele. Foi um lance que infelizmente não tem como perdoar. Eu tive oportunidade depois de encontrar com o Lucílio Batista, quando estava no Portimonense, e ele pediu desculpa.

O Lucílio Batista pediu-lhe desculpa?

Pediu. Eu falei: «Lucílio, o que você está falando para mim aqui… Foi o último jogo da sua carreira, você acabou uma carreira com um erro absurdo que acabou dando o troféu para o Benfica.» O atleta às vezes fica manchado com um erro. Vou dar um exemplo: o Andreas Pereira, quando perdeu aquela bola na final da Libertadores com o Palmeiras. Ele era um dos melhores atletas do Flamengo nesse ano e depois daquele lance virou alvo da torcida, que não queria mais ele no clube. Então imagina se fosse um erro do Pedro Silva naquele lance, o Benfica empata o jogo e é campeão. Acredito que a torcida ia marcar muito. Mas para a arbitragem, infelizmente, eles pegam um jogo de suspensão e depois voltam a apitar normal. Naquele jogo, com tudo o que aconteceu, eu peguei cinco jogos de suspensão e paguei dois mil euros de multa. Claro, foi mais pelo que eu falei, depois até pedi desculpa. Estava chateado, de cabeça quente. Mas serviu de lição. O ser humano tem direito ao erro, vai errar. Mas a gente precisa sempre evoluir.

E quando atirou a medalha para o relvado, foi também uma reação a quente?

Eu falei para quem me entregou a medalha, eu não me lembro se foi o diretor da Federação ou o diretor da arbitragem: «Poxa, vocês deviam rever o que aconteceu aqui hoje.» Eu não falei mal da arbitragem, só falei do Lucílio Batista e do fiscal de linha que marcou o penálti. Quando eu falei isso para ele, ele falou: «Anda daqui, pá. Você perdeu, você não quer aceitar sua derrota.» Aí foi quando eu fiquei mais chateado mesmo. Peguei a medalha e falei para ele: «Eu não vou aceitar essa medalha, porque essa medalha aqui é fruto de um roubo.» E eu peguei e joguei a medalha longe. Depois quem pegou a medalha foi o Paulinho, ou o outro roupeiro. Acho que eles têm a medalha até hoje.

 

Guardaram a medalha?

Sim. Depois quiseram entregar-ma. Quando cheguei na segunda-feira a medalha estava dentro do meu cacifo. Peguei, devolvi e falei: «Olha, eu não quero. Vou jogar no lixo. Se vocês quiserem podem pegar para vocês. Eu não quero essa medalha porque não é essa que a gente merecia, era a outra. Eu não quero essa.»

Foi o momento mais marcante da sua passagem pelo Sporting?

Foi a situação que mais me marcou. Eu achei que ia ter uma punição muito grande da torcida do Sporting, porque foi uma coisa que marcou também a torcida. Mas depois os adeptos estiveram em Alcochete, abraçaram-me, deram-me um cachecol e disseram: «A gente está junto, a gente está com você. Você representou bem o Sporting.» Foi um momento que eu não sabia que ia acontecer. Depois acabei por renovar por mais dois anos. Quando fui de férias, o Pedro Barbosa falou que íamos renovar. Voltei e estive mais um ano. E fui sendo sempre lembrado por aquela situação.

Lembra-se do único golo que marcou pelo Sporting, no seu último jogo?

Sim, com o Leixões. Pô, que momento. O Carvalhal era o treinador. Eu joguei como extremo, à frente do Abel. Foi uma noite muito boa. Lembro-me sempre. Eu tenho esse golo até hoje e vejo sempre. Foi o último jogo do campeonato, o meu irmão estava lá, ia-me ajudar a levar algumas coisas para o Brasil. Eu saí muito feliz. E disse ao Carvalhal: «No ano que vem eu quero continuar nessa posição.» Lembro-me que falei assim mesmo. Eu já tinha jogado ali, mas queria continuar, deu certo. O jogo ficou 2-1, eu dei o passe para o primeiro golo do Miguel Veloso e fiz o segundo. Quando fui substituído, o Carvalhal veio me dar um abraço e falou: «Muito bem. Parabéns e continua assim.» Foi um momento especial.

Mas acabou por sair.

Acabei por sair. Esse foi o meu último ano no Sporting como atleta. Mas foi bom. Não guardo mágoa, pelo contrário. Só gratidão mesmo. O Sporting e o Palmeiras são os dois clubes que eu tenho no coração. Pela maneira como fui tratado e pela maneira que foi passado para mim que não iria continuar. Quando decidiram não contar mais comigo deram-me toda a estrutura para treinar. Na altura o diretor era o Costinha. Ligou-me e disse: «Você vai ter tudo, o seu contrato está a valer. Se não conseguirmos uma solução até ao fecho do mercado você vai ser integrado no clube.» Eu aceitei da melhor maneira. A sinceridade e a honestidade é o mais importante. E eles foram sempre e são até hoje honestos comigo. A gente hoje tem um projeto aqui no Brasil.

Isso foi no final da terceira época?

Sim. Aí eu fui emprestado para o Portimonense, onde depois também tive a oportunidade de trabalhar três anos como adjunto.

Como surgiu a hipótese de voltar para trabalhar no Portimonense? Já tinha começado a formação de treinador?

Não. Na verdade, eu não tinha nem ideia de voltar para Portugal naquele momento, quando o meu telefone tocou. Era o Teodoro, que é o dono do Portimonense e foi meu empresário muitos anos, a convidar-me: «Eu quero você aqui comigo, eu comprei o Portimonense e quero você comigo para me ajudar a colocar esse clube na I Divisão.» E eu fui. Quando eu cheguei ao Sporting em 2007, eu conto isso para todo o mundo aqui, o Abel já estava a fazer curso de treinador. Eu perguntei-lhe se era preciso curso, não sabia. E ele disse: «Aqui é preciso. Em Portugal você precisa de curso.» No Brasil naquela época não precisava. Hoje em dia já é preciso, mas é totalmente diferente. Aqui no Brasil acho que o nível mais completo, se não me engano, é um mês só. Quando cheguei ao Portimonense fui fazer o curso de treinador em Faro. Foi bacana. Foi boa a minha passagem pelo Portimonense. Conheci pessoas maravilhosas.

Trabalhou com o Vítor Oliveira, na subida do Portimonense à Liga. Que recordações tem dele?

Foi fantástico para mim. Em tudo. Não só profissionalmente, mas na minha vida pessoal também. Aprendi muito com ele. Um cara nota 1000. Eu chamava ele de Fenómeno. A gente tinha uma amizade muito boa. No Portimonense, pelo facto de o Teo ser meu empresário, eu nunca misturei as coisas, sempre fui muito profissional com todos. O que tinha de falar falava, o que tinha errado falava. Mas realmente a chegada do Vítor Oliveira foi o que mudou tudo. O clube subiu, passou para outro patamar. Também outras pessoas, como o José Augusto, o Vitor Maçãs, o Pedro Neto, o Pedro Delgado, pessoas que fizeram do clube a vida deles. Estive lá três anos. No último ano o Portimonense subiu para a I Divisão e eu não quis mais continuar. Voltei para o Brasil e vim seguir a minha carreira aqui, onde tenho este projeto com o Sporting.

O seu projeto é uma escola associada ao Sporting?

É uma escola oficial do Sporting. Hoje já é um projeto bem sólido aqui em Santa Catarina. Colocamos muitos atletas em grandes clubes no Brasil e tivemos um atleta chamado agora à seleção brasileira de sub-17. Isso é muito importante, ter um atleta de uma escolinha de futebol na seleção brasileira não é fácil. Infelizmente, a burocracia não nos permite levar atletas para o Sporting. Todo o mundo me pergunta isso. Mesmo tendo dupla nacionalidade e passaporte europeu. Hoje os nossos atletas com 16 anos já estão no Palmeiras, no Flamengo... E esses clubes já não vão liberar o atleta, porque já tem multa, já tem contrato profissional. O nosso projeto vai fazer no dia 25 de novembro cinco anos. Já chegámos a ter 400 atletas. Com a pandemia o número caiu para metade. Hoje temos cinco atletas no Palmeiras, no Flamengo, temos sete no Avaí, que é o clube da primeira divisão aqui da cidade, temos atletas que já assinaram contrato profissional no Goiás e Internacional. Recebemos várias propostas para parcerias, mas dizemos que não. O nosso trabalho é realmente voltado para a formação, não só como atleta mas também como cidadão. É um projeto muito bacano. É complicado, o nosso material é todo oficial. Temos que trazer material de Portugal para cá, é uma burocracia e um gasto muito grande, mas que vale a pena.

Do que é que sente mais saudades de Portugal?

De tudo. Tenho grandes amigos. Sempre que vou a Portugal sou muito bem tratado. Mas eu converso com a minha família e digo que acho que o que eu mais sinto falta é da segurança. Andar na rua despreocupado. Eu vivo bem no Brasil, só que hoje o Brasil está uma briga muito feia, muito política, nas redes sociais. Está muito difícil. Infelizmente está uma briga política por causa da escolha do presidente. O Brasil tem estados que são bons para viver, como no sul do Brasil, o índice de criminalidade é mais baixo que nos outros estados. Mas infelizmente no Brasil a gente tem que andar com medo. Eu sinto falta disso, da segurança, de você andar na rua tranquilo. Não é falar mal do Brasil, mas todo o mundo sabe da realidade aqui. Eu sou brasileiro e gosto muito, mas eu falo que, se fosse para descansar e continuar a vida com a minha família, era em Portugal. Sem dúvida.

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