«O José Mourinho era o polícia mau do Sporting»

13 fev 2020, 09:09
Juskowiak (Destinos)

DESTINO: 90s revê Andrzej Juskowiak, oito anos depois do Euro2012 na Polónia. O antigo ponta-de-lança polaco fala da «bicicleta perfeita» em Alvalade e de um plantel de luxo dos leões

DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

JUSKOWIAK: Sporting (1992 a 1995)

Dele, o icónico Gabriel Alves dizia fruir da «vantagem de ter dois pés». Verdade, verdadinha. Andrzej Juskowiak tinha dois pés, dos bons, e foi com o direito que marcou no Estádio de Alvalade «o melhor golo da carreira»: um pontapé de bicicleta perfeito ao Boavista.

Nessa tarde de sol, dia 10 de abril de 1994, o avançado polaco conquistava em definitivo a exigente plateia leonina. A esta distância, mais de 25 anos, a frase pode parecer desadequada, mas esse era o Sporting de Luís Figo, Krasimir Balakov, Nuno Capucho, Stan Valckx ou Sergey Cherbakov. Craques.

Um grande Sporting, portanto, apesar da escassez de títulos. Um paradoxo normal na vida leonina ao longo das últimas décadas.

A última conversa com Juskowiak tinha sido realizada em Poznan, olhos nos olhos, antes do Euro2012. Agora sim, o ex-avançado chega ao DESTINO: 90s.

A ligação manteve-se, a simpatia e o português irrepreensível também. Juskowiak, 49 anos, 31 golos em 87 jogos de leão ao peito, um dos grandes pontas-de-lança do Sporting nas últimas três décadas, talvez um patamar abaixo de Mário Jardel, Liedson e Bas Dost.

Juskowiak a celebrar um golo nos Jogos de 1992 FOTO: AP

JUSKOWIAK NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1992/1993: Sporting, 25 jogos/9 golos (3º lugar)

. 1993/1994: Sporting, 23 jogos/6 golos (3º lugar)

. 1994/1995: Sporting, 22 jogos/10 golos (2º lugar)

Troféus: uma Taça de Portugal

Maisfutebol – Olá Juskowiak. Como vão as coisas aí pela Polónia?

Juskowiak – Boa tarde, é de Portugal? Tudo bem, estou é triste com o meu Sporting. Ainda não é desta que vamos ser campeões.

MF – Estamos a ligar para falar sobre as suas memórias aqui de Alvalade.

J – Quer falar já do pontapé de bicicleta ao Boavista?

MF – Podemos começar por aí, claro. Foi o melhor golo da sua carreira?

J – Foi, claro que sim. Não é possível marcar um golo mais bonito do que esse. Dia 10 de abril de 1994, tenho a data decorada na cabeça.

MF – Costuma revê-lo?

J – Sou obrigado a isso (risos). Sempre que algum sportinguista me vê, a conversa vai sempre passar a isso. O Figo foi quase ao chão fazer o cruzamento, a bola ganhou altura e reagi por instinto. Às vezes ainda me pergunto como o movimento foi tão perfeito. ‘Como fiz aquilo, pá?’. Se calhar faltava-me mais agressividade, raça como dizem aí em Portugal, mas tecnicamente era um bom ponta-de-lança. Foi um grande, grande golo. Acho que o guarda-redes do Boavista se chamava Alfredo [correto].

VÍDEO: a «bicicleta» de Jusko ao Boavista (4m00s, imagens RTP)

MF – Vamos ao princípio de tudo. Como se proporcionou a vinda para o Sporting?

J – Eu jogava no Lech Poznan e era uma das grandes figuras da seleção olímpica da Polónia. Antes dos Jogos Olímpicos de Barcelona [1992], quis decidir a minha vida e a proposta do Sporting foi a melhor. O clube queria muito voltar a ser campeão nacional e o Sousa Cintra perdeu a cabeça comigo (risos). Assinei antes dos Jogos e fui para lá muito tranquilo. Acho que isso me ajudou a fazer um grande torneio [medalha de prata e sete golos em seis jogos].

MF – Foi fácil chegar a Portugal e entrar nas opções do senhor Bobby Robson?

J – Eu sabia que ia para o Sporting para ser titular. O senhor Robson queria que eu fizesse dupla com o Cadete e o José Mourinho explicou-me logo isso.

MF – O José Mourinho?

J – Sim, ele era tradutor e adjunto do senhor Robson e foi dos primeiros a falar comigo em Lisboa. Bom tipo, atenção. Eu não entendia uma palavra de Português, andava com um pequeno dicionário no dia-a-dia e o Mourinho falava em todas as línguas (risos). Umas semanas mais tarde aparece um rapaz polaco em Alvalade a oferecer-se para me dar aulas. Aprendi a falar Português em duas/três semanas.

MF – Até hoje.

J – Sim, ainda consigo falar bem, até porque vou muitas vezes a Portugal. Adoro a zona de Cascais. As pessoas são simpáticas, o clima é ótimo, é seguro. Adoro, adoro. Vou quase todos os anos aí e cheguei a ser sócio de um restaurante italiano.

Jusko a lutar com Renato num Salgueiros-Sporting

MF – Há pouco falava do José Mourinho. Tinha uma ligação boa com ele?

J – Sim, sim, sempre me dei bem com o Zé. Ele era um miúdo [29 anos], mas já tinha muito poder no Sporting. O Robson dava-lhe grande responsabilidade. Às vezes até parecia tímido, mas quando comandava os treinos já se percebia que era diferente.

MF – Não era apenas um tradutor.

J – Não, nada disso. Ajudava na tradução, claro, mas era muito mais do que isso. Já era muito influente no trabalho diário e, principalmente, na comunicação com o plantel. O Mourinho era o polícia mau, sabe? Aquele que puxa o jogador ao lado e diz-lhe as coisas más, as coisas que o treinador às vezes não pode dizer. Mas era um grande companheiro. Fico feliz por vê-lo onde está.

MF – Trabalhou com o Bobby Robson e com o Carlos Queiroz.

J – Todos adoravam o Bobby Robson. Aliás, fui para o Sporting porque ele falou de mim ao Sousa Cintra.

MF – O senhor Robson já o conhecia?

J – Sim. Quando ele era treinador do PSV, fui lá treinar à experiência. Senti que gostou do meu futebol e não se esqueceu de mim quando foi para Portugal.

VÍDEO: dois golos de Jusko ao Beira-Mar (imagens RTP)

MF – Esse Sporting teve plantéis de grande qualidade. Mas nunca foi campeão.

J – Eh pá, basta falar no meu amigo Luís Figo, no Balakov, no Capucho, no Amunike, só craques. Na minha última temporada estivemos perto do título, mas perdemos em Alvalade contra o FC Porto num dos últimos jogos [0-1, golo de Domingos, 7 de maio de 1995]. Nós só queríamos jogar bom futebol, dar espetáculo, acho que o Benfica e principalmente o FC Porto eram mais… como dizer?

MF – Competitivos?

J – Não sei a palavra. Eram mais animais quando estavam a perder. Não aceitavam, havia logo confusão. E depois, claro, as arbitragens também nunca caíam para o nosso lado. Mas não quero falar de arbitragem. Tivemos equipas fantásticas, lembro-me de jogar contra o Real Madrid e de sentir o Sporting a ser superior nos dois jogos. Mesmo assim fomos eliminados. Até o Jorge Valdano [treinador do Real] disse que foi injusto. Só ganhei uma Taça de Portugal em três anos.

MF – Foi expulso duas vezes com vermelho direto. Lembra-se?

J – Uma não conta. Foi nas Antas (risos). Perdi a cabeça com o Fernando Couto, um dos defesas mais duros que apanhei na vida. A outra… Amadora?

MF – Isso mesmo.

J – Os meus colegas diziam que eu era muito calmo, por isso às vezes tinha de ficar um bocadinho maluco (risos).

MF – Falta saber o que anda a fazer profissionalmente aí na Polónia.

J – Sou há quase dois anos comentador numa televisão. Gosto disto e acho que tenho jeito. Já trabalhei como treinador no Lech Poznan e na seleção de Sub-21 polaca também. O mais importante é estar ligado ao futebol. Um abraço a todos os sportinguistas, volto em breve a Alvalade.

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