DESTINO: 90s revê Andrzej Juskowiak, oito anos depois do Euro2012 na Polónia. O antigo ponta-de-lança polaco fala da «bicicleta perfeita» em Alvalade e de um plantel de luxo dos leões
DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.
JUSKOWIAK: Sporting (1992 a 1995)
Dele, o icónico Gabriel Alves dizia fruir da «vantagem de ter dois pés». Verdade, verdadinha. Andrzej Juskowiak tinha dois pés, dos bons, e foi com o direito que marcou no Estádio de Alvalade «o melhor golo da carreira»: um pontapé de bicicleta perfeito ao Boavista.
Nessa tarde de sol, dia 10 de abril de 1994, o avançado polaco conquistava em definitivo a exigente plateia leonina. A esta distância, mais de 25 anos, a frase pode parecer desadequada, mas esse era o Sporting de Luís Figo, Krasimir Balakov, Nuno Capucho, Stan Valckx ou Sergey Cherbakov. Craques.
Um grande Sporting, portanto, apesar da escassez de títulos. Um paradoxo normal na vida leonina ao longo das últimas décadas.
A última conversa com Juskowiak tinha sido realizada em Poznan, olhos nos olhos, antes do Euro2012. Agora sim, o ex-avançado chega ao DESTINO: 90s.
A ligação manteve-se, a simpatia e o português irrepreensível também. Juskowiak, 49 anos, 31 golos em 87 jogos de leão ao peito, um dos grandes pontas-de-lança do Sporting nas últimas três décadas, talvez um patamar abaixo de Mário Jardel, Liedson e Bas Dost.
JUSKOWIAK NO CAMPEONATO NACIONAL:
. 1992/1993: Sporting, 25 jogos/9 golos (3º lugar)
. 1993/1994: Sporting, 23 jogos/6 golos (3º lugar)
. 1994/1995: Sporting, 22 jogos/10 golos (2º lugar)
Troféus: uma Taça de Portugal
Maisfutebol – Olá Juskowiak. Como vão as coisas aí pela Polónia?
Juskowiak – Boa tarde, é de Portugal? Tudo bem, estou é triste com o meu Sporting. Ainda não é desta que vamos ser campeões.
MF – Estamos a ligar para falar sobre as suas memórias aqui de Alvalade.
J – Quer falar já do pontapé de bicicleta ao Boavista?
MF – Podemos começar por aí, claro. Foi o melhor golo da sua carreira?
J – Foi, claro que sim. Não é possível marcar um golo mais bonito do que esse. Dia 10 de abril de 1994, tenho a data decorada na cabeça.
MF – Costuma revê-lo?
J – Sou obrigado a isso (risos). Sempre que algum sportinguista me vê, a conversa vai sempre passar a isso. O Figo foi quase ao chão fazer o cruzamento, a bola ganhou altura e reagi por instinto. Às vezes ainda me pergunto como o movimento foi tão perfeito. ‘Como fiz aquilo, pá?’. Se calhar faltava-me mais agressividade, raça como dizem aí em Portugal, mas tecnicamente era um bom ponta-de-lança. Foi um grande, grande golo. Acho que o guarda-redes do Boavista se chamava Alfredo [correto].
VÍDEO: a «bicicleta» de Jusko ao Boavista (4m00s, imagens RTP)
MF – Vamos ao princípio de tudo. Como se proporcionou a vinda para o Sporting?
J – Eu jogava no Lech Poznan e era uma das grandes figuras da seleção olímpica da Polónia. Antes dos Jogos Olímpicos de Barcelona [1992], quis decidir a minha vida e a proposta do Sporting foi a melhor. O clube queria muito voltar a ser campeão nacional e o Sousa Cintra perdeu a cabeça comigo (risos). Assinei antes dos Jogos e fui para lá muito tranquilo. Acho que isso me ajudou a fazer um grande torneio [medalha de prata e sete golos em seis jogos].
MF – Foi fácil chegar a Portugal e entrar nas opções do senhor Bobby Robson?
J – Eu sabia que ia para o Sporting para ser titular. O senhor Robson queria que eu fizesse dupla com o Cadete e o José Mourinho explicou-me logo isso.
MF – O José Mourinho?
J – Sim, ele era tradutor e adjunto do senhor Robson e foi dos primeiros a falar comigo em Lisboa. Bom tipo, atenção. Eu não entendia uma palavra de Português, andava com um pequeno dicionário no dia-a-dia e o Mourinho falava em todas as línguas (risos). Umas semanas mais tarde aparece um rapaz polaco em Alvalade a oferecer-se para me dar aulas. Aprendi a falar Português em duas/três semanas.
MF – Até hoje.
J – Sim, ainda consigo falar bem, até porque vou muitas vezes a Portugal. Adoro a zona de Cascais. As pessoas são simpáticas, o clima é ótimo, é seguro. Adoro, adoro. Vou quase todos os anos aí e cheguei a ser sócio de um restaurante italiano.
MF – Há pouco falava do José Mourinho. Tinha uma ligação boa com ele?
J – Sim, sim, sempre me dei bem com o Zé. Ele era um miúdo [29 anos], mas já tinha muito poder no Sporting. O Robson dava-lhe grande responsabilidade. Às vezes até parecia tímido, mas quando comandava os treinos já se percebia que era diferente.
MF – Não era apenas um tradutor.
J – Não, nada disso. Ajudava na tradução, claro, mas era muito mais do que isso. Já era muito influente no trabalho diário e, principalmente, na comunicação com o plantel. O Mourinho era o polícia mau, sabe? Aquele que puxa o jogador ao lado e diz-lhe as coisas más, as coisas que o treinador às vezes não pode dizer. Mas era um grande companheiro. Fico feliz por vê-lo onde está.
MF – Trabalhou com o Bobby Robson e com o Carlos Queiroz.
J – Todos adoravam o Bobby Robson. Aliás, fui para o Sporting porque ele falou de mim ao Sousa Cintra.
MF – O senhor Robson já o conhecia?
J – Sim. Quando ele era treinador do PSV, fui lá treinar à experiência. Senti que gostou do meu futebol e não se esqueceu de mim quando foi para Portugal.
VÍDEO: dois golos de Jusko ao Beira-Mar (imagens RTP)
MF – Esse Sporting teve plantéis de grande qualidade. Mas nunca foi campeão.
J – Eh pá, basta falar no meu amigo Luís Figo, no Balakov, no Capucho, no Amunike, só craques. Na minha última temporada estivemos perto do título, mas perdemos em Alvalade contra o FC Porto num dos últimos jogos [0-1, golo de Domingos, 7 de maio de 1995]. Nós só queríamos jogar bom futebol, dar espetáculo, acho que o Benfica e principalmente o FC Porto eram mais… como dizer?
MF – Competitivos?
J – Não sei a palavra. Eram mais animais quando estavam a perder. Não aceitavam, havia logo confusão. E depois, claro, as arbitragens também nunca caíam para o nosso lado. Mas não quero falar de arbitragem. Tivemos equipas fantásticas, lembro-me de jogar contra o Real Madrid e de sentir o Sporting a ser superior nos dois jogos. Mesmo assim fomos eliminados. Até o Jorge Valdano [treinador do Real] disse que foi injusto. Só ganhei uma Taça de Portugal em três anos.
MF – Foi expulso duas vezes com vermelho direto. Lembra-se?
J – Uma não conta. Foi nas Antas (risos). Perdi a cabeça com o Fernando Couto, um dos defesas mais duros que apanhei na vida. A outra… Amadora?
MF – Isso mesmo.
J – Os meus colegas diziam que eu era muito calmo, por isso às vezes tinha de ficar um bocadinho maluco (risos).
MF – Falta saber o que anda a fazer profissionalmente aí na Polónia.
J – Sou há quase dois anos comentador numa televisão. Gosto disto e acho que tenho jeito. Já trabalhei como treinador no Lech Poznan e na seleção de Sub-21 polaca também. O mais importante é estar ligado ao futebol. Um abraço a todos os sportinguistas, volto em breve a Alvalade.
OUTROS DESTINOS:
1. Adbel Ghany, as memórias do Faraó de Aveiro
2. Careca, meio Eusébio meio Pelé
3. Kiki, o rapaz das tranças que o FC Porto raptou
4. Abazaj, o albanês que não aceita jantares
5. Eskilsson, o rei leão de 88 é um ás no poker
6. Baltazar, o «pichichi» desviado do Atl. Madrid
7. Emerson, nem ele acreditava que jogava aquilo tudo
8. Mapuata, o Renault 9 e «o maior escândalo de 1987»
9. Cacioli, o Lombardo que adbicou da carreira para casar por amor
10. Lula, da desconhecida Famalicão às portas da seleção portuguesa
11. Paille, a aventura estragada por Domingos antes do álcool e a prisão
12. Samuel, a eterna esperança do Benfica
13. Lars Eriksson, o guarda-redes que sabe que não deu alegrias
15. Doriva, as memórias do pontapé canhão das Antas
16. Elói, fotos em Faro e jantares em casa de Pinto da Costa
17. Dinis, o Sandokan de Aveiro
18. Pedro Barny, do Boavistão e das camisolas esquisitas
19. Pingo, o pedido de ajuda de um campeão do FC Porto
20. Taira, da persistência no Restelo à glória em Salamanca
21. Latapy, os penáltis com a Sampdória e as desculpas a Jokanovic
22. Marco Aurélio, memórias de quando Sousa Cintra se ria do FC Porto
23. Jorge Soares e um célebre golo de Jardel
24. Ivica Kralj e uma questão oftalmológica
25. N'Kama, o bombista zairense
26. Karoglan, em Portugal por causa da guerra
27. Ronaldo e o Benfica dos vinte reforços por época
28. Tuck, um coração entre dois emblemas
29. Tueba, ia para o Sporting, jogou no Benfica e está muito gordo
30. Krpan, o croata que não fazia amigos no FC Porto
31. Walter Paz, zero minutos no FC Porto
32. Radi, dos duelos com Maradona à pacatez de Chaves
33. Nelson Bertollazzi eliminou a Fiorentina e arrasou o dragão
34. Mangonga matou o Benfica sem saber como
35. Dino Furacão tirou um título ao Benfica e foi insultado por um taxista
36. António Carlos, o único a pôr Paulinho Santos no lugar
37. Valckx e o 3-6 que o «matou»
38. Ademir Alcântara: e a paz entre Benfica e FC Porto acabou
39. Chiquinho Conde, impedido de jogar no Benfica por Samora Machel
40. Bambo, das seleções jovens a designer de moda em Leeds
41. Iliev, sonhos na Luz desfeitos por Manuel José
42. Panduru, num Benfica onde era impossível jogar bem
43. Missé Missé, transformado em egoísta no Sporting
44. Edmilson: Amunike e Dani taparam-lhe entrada num grande
45. Jamir: «Gostava de ter dado mais ao Benfica»
46. Donizete continua um «benfiquista da porra»
47. Leandro Machado: «Se fosse mais profissional...»
48. Bobó, a última aposta de Pedroto
49. Rufai, o Príncipe que não quis ser Rei
50. Mandla Zwane, a pérola de Bobby Robson
51. Vítor Paneira e os trintões que quiseram ser como ele
52. Jorge Andrade, o FC Porto foi a maior deceção da carreira
53. Amunike e uma faca apontada a Sousa Cintra
54. Caio Júnior, ás em Guimarães
55. Luisinho: «Quem sabe jogar não precisa bater»
56. Marcelo: «Autuori preferiu Pringle, mas não ficou a ganhar»
57. Zé Carlos, o homem que Artur Jorge dizia ter «bunda grande»
58. Douglas: «Sousa Cintra entrou no balneário a pedir para eu jogar»
59. Ricky, nem Eusébio lhe valeu a titularidade no Benfica
60. Geraldão: «No FC Porto era obrigatório odiar Benfica e Sporting»
61. Paulo Nunes: «No Benfica não recebia e ainda queriam multar-me»
62. King e o sonho que morreu na marginal de Carcavelos
63. Lipcsei, num FC Porto que só teve rival em 2004
64. Alex, lenda do Marítimo: «Até Baggio me pediu a camisola»
65. Amaral: «Abaixo de Deus, o Benfica!»
66. Paulo Pereira e o polémico processo de naturalização no Benfica
67. Silas e o 'chapéu' ao Ajax: «Ate esgotámos o stock de marisco»
68. Magnusson: 87 golos no Benfica e nem um ao FC Porto
69. Zahovic e um coração dividido entre FC Porto e Benfica
70. Edmilson: «Nos 5-0, até os adeptos do Benfica bateram palmas»
71. Scott Minto: «Benfica era um gigante a dormir num manicómio»
72. Paulinho Cascavel e o Moët & Chandon de Guimarães
73. Paulinho César: «Falhei de baliza aberta no Bessa e morri no Porto»
74. Pesaresi: «Eu e o Porfírio eramos os bons malucos do Benfica»
75. Preud'Homme: «Cheguei e ouvi: 'era bom mas está velho'»
76. Butorovic, feliz quando o FC Porto ganha
77. Paredão, que em Inglaterra esteve para ser The Wall
78. Lemajic: «Nos 6-3 ainda defendi mais quatro ou cinco»
79. Esquerdinha: «Estava a mudar de roupa e entraram aos gritos: Penta!»
80. Alessandro Cambalhota: «Para Fernando Santos eu não levava nada a sério»
81. Gary Charles: «Saí do Benfica, estive preso e agora salvo vidas»
82. Vujacic: «Para haver tantos sportinguistas, tem de ser amor»
83. Rafael: «Queriam o quê, que tirasse o lugar ao Deco?»
84. Basaúla: «Qual é o mal de uma cerveja?»
85. Everton: «Um guarda-redes ou é louco ou é gay»
86. «Já disse aos amigos benfiquistas, penta é o Quinzinho»
87. Timofte: «O meu pé esquerdo era melhor do que o do Hagi»
88. Victor Quintana: «Era tosco, mas posso dizer que joguei no Porto»
89. Kostadinov: «O Domingos adorava chá, foi o tipo mais inteligente que vi»
90. Glenn Helder: «Perdi tudo no casino e no divórcio, mas a bateria salvou-me»
91. Tony Sealy: «O Damas era o Sean Connery, o 007 do Sporting»
92. Artur: «Saí do FC Porto porque stressei com o Fernando Santos»
93. Martin Pringle: «Antes de ir para o Benfica fui 'Navy Seal'»
94. Branco: «O Artur Jorge apanhou-me a imitá-lo e foi o fim do mundo»
95. Sokota: «Sou um jogador raro, fui infeliz no Benfica e no FC Porto»
96. Balakov: «Vivi ao lado da Luz e espiei muitos treinos do Benfica»
97. Drulovic: «O Robson não me convocou e disse 'não há lugar no avião'»
98. Serifo: «Fui herói em Leça, tive um enfarte e vivo do Rendimento Mínimo»
99. Edevaldo: «Joguei no genial Brasil-82 mas no FC Porto só fui feliz nas reservas»
100. O cambalacho, o gajo cool e o génio leonino: as escolhas de Rui Miguel Tovar
101. Roger Spry: «Só saí do FC Porto porque tinha o meu pai a morrer»
102. Elzo: «Preferi o Benfica ao Real Madrid só para conhecer o Eusébio»
103. Vlk: «No FC Porto chamavam-me lobo e uivavam no balneário»
104. Douala: «Jogar no Sporting foi mais difícil do que ser educador de infância»
105. Chiquinho Carioca e a «corrida do xixi» com Mozer no Bessa
106. Aílton: «Jogar no Benfica custou-me um divórcio doloroso»
107. Demol: «Sair do FC Porto foi o meu maior erro, passei a beber muito»
108. Edílson: «Entrei de pistola e o Amaral quase morria de susto»