«Quando eu e o Deco chegámos, nos primeiros dias a gente queria ir embora»

15 mar 2023, 08:09
Caju (Foto arquivo pessoal)

«Destinos» encontra Cajú, o avançado que trocou o Brasil por Portugal para jogar no Benfica, mas acabou no Ribatejo. Teve uma longa ligação ao Alverca e pelo meio chegou ao FC Porto, mas não deu certo. O antigo jogador, que trabalha agora num projeto social com crianças desfavorecidas, desfia histórias do seu tempo em Portugal e fala sobre o que podia ter sido diferente

DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias das décadas de 80, 90 e 00s, marcantes no nosso futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis.

Cajú chegou a Portugal ao lado de Deco, em 1997. O destino dos dois jovens que chegavam do Corinthians Alagoano devia ser o Benfica, mas acabaram por rumar a Alverca. Chegaram a pensar ir embora, como conta Cajú ao Maisfutebol, a desfiar as memórias daqueles primeiros dias: como pensaram que o aglomerado de jornalistas no aeroporto os esperava a eles, mas afinal não. E como passaram ao largo do Estádio da Luz, sem perceber o que se estava a passar.

No primeiro ano em Alverca fizeram parte de uma equipa cheia de craques para o futuro, que levou o clube à Liga. Cajú recorda com saudade aqueles tempos, entre gargalhadas a lembrar o mau feitio de Maniche ou a forma como Mário Wilson comunicava a equipa titular.

Deco chegaria ao topo do mundo. Cajú distinguiu-se logo na primeira época, quando foi o segundo melhor marcador na II Liga. É ao Alverca, onde jogou ao todo sete temporadas, que fica ligada a memória da sua passagem pelo futebol português. Mas teve também uma passagem, curta, pelo FC Porto. Ele conta como aconteceu, como não foi escolha de Fernando Santos nas Antas e acabou por rescindir. Com algum arrependimento por não ter sabido gerir melhor a situação.

Hoje trabalha com futebol de formação e num projeto social que procura ajudar crianças menos favorecidas. Parte do seu exemplo para tentar ajudar a que possam fazer melhores escolhas. Mantém contacto com o Alverca, a torcer pelo regresso do clube à Liga. Esteve perto de voltar a Portugal, a convite de Deco. Não aconteceu, mas ainda tem esse objetivo.

Como aconteceu a sua vinda para Portugal, com o Deco?

Nós saímos do Brasil, na verdade, para o Benfica. Mas quando chegámos a Portugal fomos encaminhados para o FC Alverca. Foi um tempo muito bom, de muita aprendizagem. Éramos novos, estávamos a começar a carreira.

Como foi a vossa chegada? O Deco já contou que no aeroporto havia muitos jornalistas, mas estavam à espera de outro jogador, não era?

Ahahahah, sim... Na verdade, nós fomos no mesmo voo do Paulo Nunes e do Ronaldo também, o zagueiro, que iam para o Benfica. (Risos) Como a gente ia também para o Benfica, achámos que estavam à nossa espera. Mas na verdade estavam à espera do Paulo Nunes e do Ronaldo. Quem estava à nossa espera era os diretores do Alverca. E dirigiram-nos para Alverca. Nós sem entendermos muito, passámos em frente do Estádio do Benfica (Mais risos). Não estávamos a entender. Porque é que a gente não fica aqui, né? E aí foi quando nos falaram que íamos jogar no Alverca, que íamos ser emprestados ao Alverca.

Como foi o processo, com quem acertaram a transferência para o Benfica?

Na época era o Toni o diretor do Benfica. Ele tinha-nos visto no Brasil e foi negociado, nós assinámos contrato com o Benfica. Mas a questão de ir para o Alverca foi só mesmo quando chegámos. É muito engraçado, porque só fomos informados mesmo pela diretoria do Alverca. Quando chegámos a Alverca, eu e o Deco, nos primeiros dias a gente queria ir embora. Não queríamos nem treinar, não queríamos nem jogar, porque sentimos que tínhamos sido enganados, não é? Mas com o tempo nós entendemos, agarrámos a oportunidade. Sabíamos que era uma oportunidade boa para a nossa vida, entendemos o processo. Tivemos um pouco de paciência e humildade também, de entender que seria bom para a gente e graças a Deus correu tudo bem.

Chegaram a esclarecer com os responsáveis do Benfica porque é que foi assim?

Não. Como nós éramos jogadores do Benfica tivemos oportunidade de ir ao Estádio da Luz fazer alguns treinos, mas nunca falaram connosco a esse respeito. Depois, outros jogadores que também eram jogadores do Benfica e estavam no Alverca disseram-nos que o processo era esse mesmo. Como o Alverca era um clube-satélite do Benfica, os jogadores mais novos estavam lá e eram seguidos pelo Benfica para depois retornarem para a equipa principal.

Acabou por deixar o Benfica e assinar com o Alverca, não foi?

Sim. Tínhamos contrato de dois anos com o Benfica e tivemos de rescindir, através de acordo, para poder jogar no Alverca. Na época o Luís Filipe, o Luís Filipe Vieira, era presidente do Alverca, e nós chegámos a um acordo com o Benfica. Para o Alverca jogar na primeira divisão e para que a gente pudesse ficar no Alverca.

Voltando atrás. Como é que começou a jogar no Brasil e como chegou ao Corinthians Alagoano?

A maioria das crianças e adolescentes no Brasil tem esse sonho em busca de uma carreira no futebol. Eu saí muito cedo do Espírito Santo, onde nasci, e fui para o Paraná, para uma equipa chamada Matsubara, que era uma grande escola, referência em todo o Brasil. Através do Matsubara fui jogar a Copa São Paulo, que hoje chamam de Copinha. Na Copa São Paulo fui visto pelo Corinthians paulista e fui contratado. Foi lá em São Paulo que conheci o Deco. Fiquei um ano no Corinthians. Fizemos a Copinha São Paulo pelo Corinthians e daí fui para Maceió, para o CSA de Alagoas. Na verdade, eu não joguei no Corinthians Alagoano. O empresário que era dono na época do meu passe, do passe do Deco e de alguns atletas, o João Feijó, era dono do Corinthians Alagoano. E nós tínhamos esse vínculo por ele ser dono do clube. Fomos para o CSA, mas já sabendo que tinha essa proposta para o Benfica, para irmos para Portugal. Fizemos seis meses no campeonato alagoano até irmos para Portugal.

Viveu desde muito jovem longe de casa, não foi? Que idade tinha quando saiu?

15 anos. É muito diferente do que é hoje. Naquela época havia pouca comunicação, a comunicação era feita ainda via carta, em papel. Não tínhamos a família perto. Mas como todos os garotos, a gente sabia que tinha de passar pelas dificuldades mas sabíamos onde queríamos chegar, por sermos de famílias humildes e entendermos que era uma forma de poder ganhar dinheiro para ajudar a família. É um processo que hoje se tem trabalhado muito no Brasil. Hoje eles procuram trabalhar muito com a família, ter a família próxima. Isso faz uma diferença enorme na carreira de um jogador. Eu não tive os meus pais presentes nesse processo. Foi uma fase muito difícil. Imagina um garoto ficar sozinho descobrindo o mundo, tendo todos os dias de viver uma experiência nova e brigar por algo ainda desconhecido. Eu vejo hoje os clubes… Até acompanhei há pouco tempo uma reportagem do Benfica, eles têm um centro onde os pais podem ficar perto dos filhos. Acho isso muito interessante, faz muita diferença na carreira inicial de um atleta.

Acabou por atingir o seu sonho, de poder vir a ajudar também os seus pais?

Sim. Era um objetivo ser jogador profissional, poder jogar num grande clube no Brasil, poder jogar num grande clube em Portugal… Eu tive oportunidade de jogar em Alverca, de ir para o FC Porto. Muitas vezes pensei que poderia ter sido muito melhor, mas também acredito que teve uma parte de sucesso dentro desse processo, por ter alcançado alguns objetivos. Sinto-me realizado. Porque todo o garoto tem o sonho de ser jogador e eu consegui chegar lá. Isso é o mais importante.

Fez todo esse percurso inicial ao lado do Deco…

Eu conheci o Deco em São Paulo, no Corinthians. Daí fizemos parceria, jogámos juntos e depois do Corinthians fomos juntos para Maceió. Morámos juntos, vivemos o dia a dia juntos e foi nesse ano no CSA que nasceu essa amizade. Depois fomos juntos também para Portugal. Aí imagina, dois garotos novos saindo do país… Tivemos de nos agarrar um ao outro, né? Tínhamos um ao outro para se agarrar. O Deco é meu amigo de sempre, foi essencial na minha carreira, como eu sei que vivemos grandes coisas e faço parte da vida dele também.

Jogaram juntos na primeira temporada no Alverca, em que acabaram por subir à Liga. Como foi essa época?

Fantástica. Tínhamos uma grande equipa. Não só na II Liga, depois tivemos tempos muito bons também na I Liga. Mas aquele tempo na II Liga… Lembro-me que quando começámos a época, quando a equipa encaixou, se ouvia muito que nós não podíamos subir de divisão. Podíamos jogar todos os jogos muito bem, mas não podíamos subir de divisão.

Porquê?

Por ser o clube satélite do Benfica. Aí, nós falámos até mesmo com o presidente para perceber. Ele falou que tinha de romper o contrato com o Benfica. Muitos daqueles jogadores chegaram a grandes clubes. Nós sabíamos que a equipa que se formou ali ia ficar para a história, não só pelo talento, mas por aquilo que o Alverca se tinha proposto fazer naquele ano. Acabámos por subir de divisão, tivemos uma boa época. Eu fui o vice-artilheiro. Todos os jogadores foram importantíssimos e saíram valorizados.

Tinham uma grande equipa, muitos jogadores que chegaram ao topo. Deco, Maniche, Hugo Leal…

Deco, Maniche, Diogo… Tantos. Era complicado para o mister definir a equipa. Eu lembro-me que quando o Maniche ficava na reserva por opção do treinador… Meu Deus, o Maniche não gostava. Ele ficava muito nervoso. Mas depois ele entrava e resolvia… Nossa, era uma equipa fantástica.

O treinador era o Mário Wilson, não era?

Mário Wilson, grande referência. Ele não comandava os treinos, comandava os jogos. O Mário Wilson comandava os jogos e tomava as decisões na hora certa. Quem dava os treinos era o mister João Santos. Também um grande profissional, que me ajudou bastante no início da minha caminhada no Alverca. Deu-me muitos conselhos. Fui muito realista comigo. E o Mário Wilson era a referência. Tudo o que ele falava dava certo (Risos). O Mário Wilson era engraçado. Muitas vezes, nos jogos, a gente olhava para o banco e ele estava junto da bancada conversando com os adeptos. (Risos) Era o mister João Santos que passava a informação para ele.

E o Mário Wilson fazia as palestras no balneário?

Fazia. Fazia as palestras, escalava os jogadores… Quando ele colocava algum jogador na reserva primeiro ele elogiava. Colocava lá em cima. E depois falava que ele não ia jogar. (Risos) Ele chamava: ‘Craque de bola’, ‘Bom de bola', e depois falava que não ia jogar por alguma situação. Mas ele era um espetáculo para gerir os garotos. Foi fundamental também.

Portanto, quando ouviam um elogio já sabiam que não iam jogar…

Já, já… Era mais ou menos isso.

A meio da terceira época no Alverca, o Caju foi para o FC Porto. Como aconteceu essa mudança?

Tem muitos detalhes nessa transação que ficaram para trás. Na noite antes de ir para o FC Porto eu tinha-me reunido na casa do Jorge Mendes, até com outro atleta do Alverca, o Anderson Luís. A gente tinha uma proposta certa do Sporting. O Jorge Mendes tinha colocado para a gente um valor do salário que a gente queria receber no Sporting. Estava tudo praticamente acertado. Não se concretizou, não sei porquê também. Aí, dois dias depois veio o Luís Filipe Vieira, falando que eu ia para o FC Porto. Tinha um outro empresário envolvido também, e ele disse para eu arrumar uma bolsa que ele já estava passando na minha casa e ia levar-me para o FC Porto. O que muita gente não sabe é que eu tinha essa proposta do Sporting. A minha decisão de ir para o FC Porto foi influenciada também porque o Deco estava lá, lembro-me que nessa época ele tinha feito uma cirurgia no joelho. Enfim, as coisas não aconteceram como o planeado. Mas tive essa oportunidade.

Só fez dois jogos pelo FC Porto, não foi?

Dois jogos, sim.

Porque é que acha que não teve mais oportunidades no FC Porto?

Também fiquei algum tempo com essa pergunta para mim. Eu fiz o primeiro jogo em Campo Maior. Vinha do Alverca como atacante, como um 9 ou ponta de lança, com grandes jogos e muitos golos. No primeiro jogo com o FC Porto, eu joguei como segundo médio, no meio-campo defensivo. Fui substituído no segundo tempo. No segundo jogo, no Estádio das Antas, o treinador colocou-me no ataque, joguei atrás do avançado, na posição em que eu estava habituado a jogar. Fiz até uma boa primeira parte e na segunda parte fui substituído. E depois disso não fui mais relacionado em nenhum jogo. Também não entendi. Estive esse tempo todo trabalhando, esperando uma oportunidade, e não tive. Perante isso, por vários fatores, a gente acaba desmotivando e deixando algumas coisas entrarem na cabeça. Foi um tempo muito difícil. Algumas perguntas também ficaram sem resposta. Mas foi tudo superado com o tempo.

O treinador era o Fernando Santos. Falou com ele para saber por que não jogava?

Não. Quando cheguei ao FC Porto, ele falou que eu não era uma contratação dele, que foi a SAD que me contratou e não foi ele que me pediu. E eu falei: ‘Então, mister, quer dizer que eu vou ter dificuldade…’ E ele falou assim: ‘Vai ter de trabalhar muito para jogar.’ Eu entendi isso até mesmo como um desafio, mas com o tempo… Talvez tenha sido um erro não ter questionado, não ter buscado esse diálogo com o mister. Mas… é o orgulho. Era novo, achava que podia dar a volta por cima, que podia resolver da minha forma. Então, no final da época, vim de férias e quando ia voltar pediram-me para voltar numa data depois do grupo, porque eu não ia para a pré-temporada. Ia ser emprestado. Acho que o erro maior de imaturidade foi eu ter pedido para rescindir o contrato, por eles quererem emprestar-me.

Pediu para rescindir?

Isso. Não tive ninguém que pudesse orientar-me nesse aspeto. Que dissesse: ‘Fica, vai emprestado, espera mais um pouco.’ Tinha o Leiria, tinha o Braga, tinha alguns clubes do norte que queriam que eu fosse para lá. Eu optei por voltar para Lisboa e aí eles falaram que eu tinha de rescindir o contrato para poder voltar para o Alverca. Nessa época, tinha um diretor, acho que já faleceu, que se virou para mim e me disse: ‘Ninguém rescinde o contrato com o FC Porto.’ E eu rescindi, porque achava que tinha que voltar para Lisboa.

Era o Reinaldo Teles?

Isso, o Reinaldo Teles. Mas acredito também que não era para ser. Hoje convivo bem com isso.

Diz que não tinha ninguém que o aconselhasse. Não tinha empresário nessa altura?

Acabei por perder o vínculo com o Jorge Mendes, mas a gente falava-se. Mas não tive essa orientação. Estava sozinho e nessa época quem me orientou a voltar para o Alverca foi o Vieira. Ele foi muito correto, porque ofereceu-me um contrato de quatro anos com o Alverca, com um salário bom, e ajudou-me nesse aspeto. Só que não tive orientação para poder ficar no FC Porto.

Olhando para trás, acha que podia ter passado por um empréstimo e voltar noutras condições ao FC Porto?

Exato. Porque depois fiz boas épocas no Alverca.

Voltou então ao Alverca...

Sim. Ainda fui para a Coreia, depois voltei.

Esteve na Coreia antes de voltar ao Alverca?

Sim, foi antes de voltar. Fui para o Busan Icons. Fiz um contrato de um ano, mas fiquei um mês e pouco. Não consegui adaptar-me, não estava a marcar golos e eles queriam rescindir o meu contrato porque eu não estava fazendo golos. Aí retornei, tive a quebra do contrato também, mas tive uma experiência de alguns dias na Coreia.

Como foi essa passagem pela Coreia?

Foi uma experiência muito diferente. A cultura deles é muito diferente da nossa. Mas foi uma experiência bacana.

Com o Alverca, desceram de divisão em 2002, mas voltaram logo na época seguinte

Descemos e eu permaneci no clube. Foi um acordo que eu fiz, permanecer depois da descida para tentar a subida de novo. Logo no ano seguinte conseguimos subir novamente.

Fez um acordo para ficar na II Liga?

Sim. Eu dei a minha palavra que ficava, porque tínhamos descido, eu sentia isso como obrigação, poder ajudar o Alverca.

O que é que recorda mais da passagem por Alverca? Há algum momento mais especial?

Foram muitos. Não recordo um jogo em específico. Mas tivemos muitos momentos especiais. Houve um jogo, agora não me recordo contra quem, em que precisávamos de uma vitória para não descer de divisão. O jogo estava 1-1. Tivemos um penálti a favor aos 90 e poucos minutos. Eu era o batedor e todos os atletas do Alverca pegaram a bola e vieram dá-la na minha mão, como a dizer: ‘Toma, resolve aí agora. Se você perde nós estamos lascados.’ Nesse dia eu senti uma grande responsabilidade. É uma recordação que tenho guardada até hoje.

Como foi o seu percurso depois do Alverca? Saiu em 2004, quando o clube desceu de novo, não foi?

Sim, o Alverca tinha descido. Eu voltei ao Brasil por um tempo, depois voltei para Portugal para o Académico Viseu. Tinha uma proposta e era um projeto parecido com o do Alverca, de levar a equipa até à I Divisão. Fiz uma época, mas não conseguimos alcançar o objetivo. Depois tive a passagem pelo Maia. Estive só quatro meses, as coisas não correram bem e voltei ao Brasil. Nessa época já não me sentia tão à vontade, o futebol já não fluía, a confiança já não era como no início. Enfim. Comecei a pensar em outros projetos.

Continuou sempre ligado ao futebol?

Tive um período completamente desligado do futebol. Um pouco pelo processo de tentar outras coisas. Entrei num ramo que não conhecia de bares, restaurantes. Estive dois anos ligado a isso, mas entendi que não era o que que gostava. Acabei retornando ao futebol nas categorias de base. Comecei a trabalhar num clube chamado CA Futebol Clube, com sub-17 e sub-20. Nesse processo iniciei também um projeto social, para orientar aquelas crianças com menos condições. Tenho esse projeto social até hoje.

É o projeto Joga Bonito, não é?

Isso. Dar oportunidade para as crianças que não têm condições de pagar uma escolinha, de comprar umas chuteiras, esse trabalho social. Também trabalho numa escolinha particular. E tenho um projeto de poder voltar a trabalhar com profissionais. Em 2017 tive uma passagem como treinador pela equipa principal do Serra. Até fomos campeões e subimos à Serie A do Campeonato Capixaba (Estadual do Espírito Santo). Também tenho o projeto de poder voltar. E tenho voltado a estudar também, estou a concluir a faculdade agora. Tudo ligado ao futebol.

Como surgiu a ideia de criar esse projeto social?

O projeto nasceu do coração de um amigo meu de infância e até hoje somos os dois, eu e o Paulo Felipe. Eu estou ligado à parte de coordenação de campo, e ele faz a parte burocrática do projeto, a interação, buscar apoios, buscar patrocínios. Há 13 anos que estamos juntos. O objetivo principal foi dar oportunidade para as crianças dos bairros mais necessitados, mais carentes. Dentro disso, trabalhar também o ensino avançado do futebol. O objetivo é tirá-los das ruas e criar oportunidades para aqueles que a gente possa potencializar, para que se possam desenvolver em outras equipas. Com o tempo tem gerado alguns frutos, temos alguns garotos que estão em grandes clubes: no Grêmio, no América, no Bahia… Jogadores espalhados aí pelo Brasil.

Trabalham com quantas crianças?

Hoje trabalhamos com cerca de 80 crianças, dos seis aos 14 anos.

Gosta muito desse trabalho?

Gosto. O projeto social ajudou-me bastante. Num momento difícil que eu tive, voltar para o futebol e trabalhar com crianças fez-me aprender muitas coisas, ter uma visão totalmente diferente. Poder passar algumas experiências daquilo que eu não tive oportunidade de aprender é gratificante. O projeto social vive de ajudas, de doações, nós nem temos salário nem nada. Mas é muito gratificante poder ajudar na construção de um caráter, ajudar na construção de um garoto, para que ele possa se sentir incluído na sociedade, capaz de progredir. Não é olhar só para o futebol. Tem de ser um olhar para a sociedade, para o mundo. Esses garotos de periferia precisam se sentir capazes também de sonhar com coisas grandes. Tudo isso faz parte de um projeto social, não é só treino ou futebol.

O momento difícil de que fala foi a fase de terminar a carreira e decidir o que fazer?

Sim. Hoje, os grandes jogadores preparam-se para o pós-carreira. Eu não tive esse preparo, não tive como entender que uma hora eu tinha que parar. Dentro desse processo vieram muitos desafios. O que fazer, como fazer, para onde ir, e agora? Como é que vou agir agora? E o projeto social deu-me um rumo. Comecei por aprender como trabalhar com crianças e adolescentes, sentia-me útil por poder passar as experiências vividas. É como eu falo: eles não precisam errar como nós errámos. Não podemos evitar que eles errem, mas podemos mostrar o caminho para que eles possam entender, pegar um caminho reto. Quando as dificuldades vierem talvez eles possam estar preparados.

Acha que se tivesse tido esse apoio quando estava a começar teria ido mais longe?

Com certeza. Hoje o trabalho é muito forte nessa relação atleta-clube-pais-família. Não é uma carreira certa, não é 100 por cento certo que um garoto vá se tornar um jogador profissional, com garantias financeiras, então esse processo, os pais entenderem que é uma carreira curta, que precisam se preparar para que eles possam ter outros objetivos se não der certo, isso é essencial. Eu não tive essa oportunidade. Muitas coisas, muitos erros, talvez pudessem ter sido evitados. A gente fala que a gente cresce com os erros. Mas muitos podiam ser evitados se tivéssemos pessoas ao nosso lado que pudessem nos instruir.

Continua em contacto com os antigos colegas e com o Alverca?

Hoje tenho contacto com o Alverca, falo com o Fernando Orge, para saber como está, como vai andando. Mas não falo muito com alguns ex-atletas da minha época. Até mesmo o Deco, a gente se fala pouco. Ele tem a vida dele, corrida. Mas estou sempre a acompanhar. Acompanhei agora o último jogo do Alverca, mandei um grande abraço para todos. Às vezes faço um vídeo para o clube. Eu gosto de ter essa ligação e acredito que ainda vou ver o nosso Alverca de novo ali na Liga. Com certeza vai acontecer.

Voltou a Portugal alguma vez?

Voltei. Estive em Portugal em 2018. O Deco tinha-me proposto voltar para Portugal, ele estava com investidores que iam investir num clube da II Liga, a Oliveirense, e queria que eu fosse trabalhar nesse clube. Para morar lá, para levar a família. Era o regresso mesmo para Portugal. Fiquei uns meses lá. Mas não deu certo, porque o investidor que ia colocar o dinheiro era o presidente do Gabão e esse presidente acabou tendo um problema de saúde. O Deco teve de ficar um tempo sem contacto com ele e aí não foi feito o negócio e eu retornei para o Brasil. Gostaria muito de ter ficado. Era um sonho mesmo, voltar para Portugal, trabalhar dentro do futebol. Ainda é um sonho. Tenho muita vontade, tenho o sonho de voltar para Portugal e trabalhar em futebol. Dentro daquilo que eu tenho feito nessa área dos jovens e da formação, acredito que possa ajudar.

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