Crédito à habitação. Desconto mensal no IRS é "simpático", "mas manifestamente desproporcional aos aumentos"

11 out 2022, 07:00
Fernando Medina (Lusa/António Pedro Santos)

Especialistas dizem à CNN Portugal que a possibilidade de os titulares de contratos de crédito à habitação passarem para o escalão imediatamente inferior não tem um impacto suficientemente grande face às subidas das prestações da casa. A solução, dizem, deveria passar por deduzir os juros no IRS. Mas essa foi uma medida que o Governo não contemplou

O Governo deu o sinal de que está atento às famílias que já sofreram ou vão sofrer com o forte aumento das taxas de juro no crédito à habitação e dedicou na proposta de Orçamento do Estado para 2023 cerca de 250 milhões de euros para tentar atenuar os efeitos dessas subidas.

A medida, anunciada esta segunda-feira pelo ministro das Finanças, permite que quem tenha empréstimo à habitação possa, no próximo ano, pagar menos IRS todos os meses, passando para o escalão imediatamente inferior. O problema, salientam os especialistas contactados pela CNN Portugal, é que o que as famílias vão obter todos os meses é “simpático, mas manifestamente desproporcional aos aumentos que vão ver nos seus créditos à habitação”, como detalha a consultora financeira Andreia Teixeira.

Pegando no exemplo de um contribuinte casado, com dois filhos, em que os dois cônjuges trabalhem por conta de outrem e recebam 1.500 euros brutos mensais, é possível verificar que, aderindo a esta medida, este contribuinte vai passar a descontar 204 euros em vez dos 219 euros que, segundo os escalões atuais estaria a pagar. Uma diferença de 15 euros.

Ora, o mesmo contribuinte com uma taxa indexada à Euribor a seis meses, se visse o seu contrato de crédito à habitação revisto em novembro, com as médias das taxas de juro atuais, iria pagar 618,74 euros. Mais 211,03 euros do que pagava da última vez que viu o contrato reavaliado.

A medida no OE2023, “pode suavizar os encargos das famílias, mas não corrige de todo, afirma Andreia Teixeira, sublinhando que este problema “vai apanhar as famílias a eito”.

Dedução no IRS seria a medida certa

Por isso, destaca a consultora financeira, o Governo deveria ter optado por outra solução. Regressar a uma medida eliminada no tempo da 'troika' a todos os contratos assinados até 2011: deduzir os juros no IRS. “Era muito importante”, sublinha.

“Seria uma outra ajuda, bastante mais incisiva, se se tivesse reativado essa possibilidade”, concorda o economista Vinay Pranjivan, especialista em proteção do consumidor e serviços financeiros. 

Para Vinay Pranjivan, esta seria uma forma de “realmente reverter a favor do agregado, havendo uma redução de facto naquilo que o contribuinte paga”, já a medida apresentada, explica, “é só um aumento de liquidez, que também resulta num maior ajuste” que terá de ser feito em 2024 quando o contribuinte entregar a declaração de IRS referente aos rendimentos auferidos em 2023.

Esse ajuste, acrescenta, vai ser feito com base nas taxas gerais do imposto, "significando que, ou recebo menos [reembolso de IRS], ou se calhar ainda vou ter de pagar”.

Além disso, esta é uma medida que suscita dúvidas e promove exclusões, diz Vinay Pranjivan. “Da leitura da proposta não fica claro que isto englobe apenas os contratos com crédito variável”, afirma, adiantando que lhe “parece estranho que aqueles que tenham contratos com taxa mista e taxa fixa”, que à partida não estariam afetados pelas subidas das taxas de juro, “também sejam englobados”. A medida podia ser um pouco mais clara, sublinha. 

Por outro lado, afirma ainda, “é de questionar o porquê de a medida não englobar também os trabalhadores independentes”, até porque “há muita gente neste regime que é excluída e aufere baixos rendimentos”.

Burocracia pode atrapalhar 

Outro problema inerente a esta medida que vai contemplar um milhão e 400 mil titulares de crédito é a possibilidade de ser prejudicada pela máquina burocrática do Estado.

“Todos sabemos que, muitas vezes os governos anunciam medidas que até parecem ser boas, mas depois, devido à burocracia que existe no sistema, ou aos entraves que são criados, poucos são aqueles que acabam por beneficiar verdadeiramente desses apoios”, afirma o economista Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e Professor na Universidade Lusófona.

Ainda que não tenha a dimensão necessária para representar uma ajuda suficiente a quem vê subir o valor do seu crédito à habitação, os especialistas contactados pela CNN Portugal, reconhecem que com a pressão criada pela subida da inflação e da guerra na Ucrânia, há nesta medida “algum ganho de tesouraria o que permite que as famílias consigam aguentar melhor este impacto”, considera a consultora Andreia Teixeira. 

Ricardo Ferraz considera ainda que o Governo poderia ter ido mais longe e implementado “um verdadeiro programa de redução dos impostos”. Contudo, refere, que ainda assim, se esta medida produzir efeitos práticos visíveis, mesmo sendo temporária, é bem vinda, na medida em que o nosso “país é mesmo muito pouco competitivo fiscalmente”.

Amortizar crédito ou alargar prazo são outras soluções

Certo é que no “pacote” de medidas apresentadas por Fernando Medina esta segunda-feira, a possibilidade de baixar temporariamente de escalão no IRS é a que deverá ter menor impacto na carteira dos titulares de crédito à habitação. Segundo simulações feitas pela CNN Portugal, as outras duas propostas para em cima da mesa amenizar o impacto da subida das prestações - a suspensão das penalizações por amortização antecipada e a obrigação dos bancos de renegociar os créditos - representam diferenças no orçamento das famílias mais significativas.

Para um titular de um empréstimo de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1%, que queira abater 25 mil euros no seu contrato de crédito à habitação, com a média da taxa de Euribor a seis meses aos valores de hoje, teria de pagar uma comissão ao banco de, no máximo 0,5%. Se esta taxa não for cobrada, o devedor consegue poupar 125 euros.

Já o mesmo devedor que consiga renegociar com o banco uma extensão do prazo de pagamento do empréstimo de 30 para 40 anos, por exemplo, iria conseguir baixar a prestação de 618,74 euros para 522,39 euros. Uma diferença de 96,35 euros que acaba por ser apenas uma forma de ganhar tempo

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