Uma descoberta numa gruta poderá contribuir para desvendar o maior mistério da evolução humana

CNN , Katie Hunt
22 mai 2022, 10:00
Laos

Um dente desenterrado numa gruta remota no Laos está a contribuir para desvendar um capítulo desconhecido da história da evolução humana.

Os investigadores acreditam que o dente pertenceu a uma jovem mulher que viveu há pelo menos 130.000 anos e que pertencia, provavelmente, ao grupo dos Denisovanos - um grupo enigmático de hominídeos primitivos identificado pela primeira vez em 2010.

O molar inferior é a primeira evidência fóssil que coloca os Denisovanos no Sudeste Asiático e pode ajudar a resolver um quebra-cabeças que há muito atormenta os especialistas em evolução humana.

Os únicos fósseis concretos de Denisovanos foram encontrados no Norte da Ásia - na gruta epónima conhecida como Denisova, localizada nas montanhas de Altai, na Rússia, na região da Sibéria. No entanto, as evidências genéticas ligaram os hominídeos primitivos a lugares muito mais a sul – onde existem atualmente as Filipinas, a Papua Nova Guiné e a Austrália.

"Isto prova que os Denisovanos também existiram, provavelmente, no sul da Ásia. E isto vai ao encontro dos resultados dos geneticistas, que afirmam que os antecessores dos humanos modernos e os Denisovanos poderão ter-se cruzado no sudeste asiático", afirmou o autor do estudo, Clément Zanolli, investigador em paleoantropologia no CNRS, Centro Nacional Francês de Investigação Científica, e na Universidade de Bordéus.

Os arqueólogos descobriram o dente num local conhecido como Cobra Cave, 260 quilómetros a norte da capital de Laos, Vientiane, onde as escavações começaram em 2018. O estudo, publicado na revista Nature Communications na terça-feira, concluiu que o molar tinha entre 131.000 e 164.000 anos, baseando-se na análise dos sedimentos da gruta, o tempo de duração de três ossos de animais encontrados na mesma camada, e a idade da rocha que cobria o fóssil.

O dente foi desenterrado de uma gruta em Laos e pertenceu a uma mulher que viveu há pelo menos 131.000 anos.

"Os dentes são como a caixa negra de um indivíduo. Preservam muita informação sobre a sua vida e biologia. Foram desde sempre utilizados por paleoantropólogos para descrever espécies ou para fazer distinção entre espécies. Assim, para nós, os paleoantropólogos (os dentes) são fósseis muito úteis", afirmou Zanolli.

Comparação com os dentes dos hominídeos primitivos

Os investigadores compararam as saliências e as cavidades do dente com outros dentes fossilizados pertencentes a hominídeos primitivos e descobriram que não se assemelhava a dentes pertencentes ao Homo Sapiens ou Homo Erectus – o primeiro hominídeo primitivo a andar com uma postura ereta e cujos vestígios foram encontrados por toda a Ásia. As descobertas da gruta determinaram que o mesmo era mais parecido com um dente pertencente a um maxilar pertencente ao grupo Denisovano encontrado no planalto tibetano, no condado de Xiahe, na província de Gansu, China. Os autores referiram que era possível, embora menos provável, que pudesse pertencer a um Neandertal.

"Pensem nisso (no dente) como se estivessem a percorrer um vale entre montanhas. E a organização destas montanhas e vales é muito específica em relação a uma determinada espécie", explicou Zanolli.

A análise de algumas proteínas no esmalte do dente sugeriu que este terá pertencido a uma fêmea.

O ADN Denisovano subsiste ainda hoje em dia em alguns humanos porque, uma vez que os nossos antepassados Homo Sapiens se cruzaram com os Denisovanos, os dois grupos envolveram-se e deram origem a outras vidas - algo a que os geneticistas chamam “mistura genética”. Isto significa que podemos ficar a conhecer mais sobre a história da evolução humana, analisando os dados genéticos atuais.

Esta "mistura genética" aconteceu há mais de 50.000 anos, quando os antecessores dos humanos modernos saíram de África e provavelmente se cruzaram com Neandertais e os Denisovanos. Mas já se provou ser difícil localizar exatamente o sítio onde isso aconteceu - particularmente no caso dos hominínios Denisovanos.

Inquestionavelmente Desinovano?

Qualquer informação que venha a adicionar-se ao escasso registo de fósseis de hominínios da Ásia é uma notícia emocionante, referiu Katerina Douka, professora assistente de ciência arqueológica no departamento de antropologia evolutiva da Universidade de Viena, que não participou na investigação.

Douka afirmou que teria gostado de analisar provas - “em maior número e profundidade” – que garantissem que o dente pertencia inquestionavelmente ao grupo de hominídeos Denisovanos.

"Há uma cadeia de pressupostos que os autores aceitam para confirmar que se trata de um fóssil de um Denisovano", referiu.

"A verdade é que não temos forma de saber se este molar único e mal conservado pertencia, de facto, a um Denisovano, a um grupo híbrido ou mesmo a um grupo de hominínios desconhecido. Pode perfeitamente ser um Denisovano, e eu adoraria que pertencesse, de facto, a um Denisovano - quão extraordinário seria isso? Mas precisamos de provas mais fiáveis", afirmou.

Para considerarem o dente encontrado em Laos como pertencente a um hominínio Denisovano, os investigadores deste estudo usaram como forte referência uma comparação com o maxilar de Xiahe, afirmou Douka. Todavia, embora muitos acreditassem que o maxilar fosse Denisovano, esta questão não era ainda um ponto assente. Nenhum ADN tinha sido recuperado do maxilar fossilizado, apenas provas proteicas "ténues", acrescentou.

"Qualquer pessoa que desenvolva estudos sobre este grupo de hominínios, onde ainda subsistem muitas questões importantes, quer acrescentar novos dados marcantes. A dificuldade está em identificar de forma fiável quaisquer fósseis como os de um Denisovano", acrescentou ela. "No entanto, esta falta de dados biomoleculares sólidos, reduz significativamente o impacto desta nova descoberta e relembra-nos como é difícil trabalhar nos trópicos."

Os autores do estudo revelaram que planeavam tentar extrair ADN antigo do dente, o que, caso fosse possível, lhes daria uma resposta mais definitiva, mas o clima quente torna a possibilidade de realização da experiência numa hipótese remota. A equipa de investigação também planeia continuar a escavar o local após um período de intervalo induzido pela pandemia, na esperança de que possam ser feitas mais descobertas de hominídeos primitivos que possam ter vivido naquela região.

"Neste tipo de ambiente, o ADN não se preserva nada bem, mas faremos o nosso melhor", afirmou o autor do estudo, Fabrice Demeter, professor assistente no Centro GeoGenetics da Fundação Lundbeck, na Dinamarca.

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