Sabe ler os rótulos dos cosméticos? O que são cosméticos biológicos? Conheça as substâncias perigosas que podemos encontrar nestes produtos e quais os cuidados a ter

29 abr 2022, 08:00
Maquilhagem (AP)

A maioria dos cosméticos que estão à venda em Portugal são seguros mas, com a introdução de cada vez mais químicos, é importante ter a certeza que os fabricantes cumprem os regulamentos. Falámos com especialistas que deixam alguns conselhos para o momento de comprar e de usar estes produtos

O Infarmed ordenou a retirada do mercado de alguns produtos cosméticos que continham substâncias consideradas perigosas. As notícias causaram preocupação entre os consumidores. No entanto, segundo explica a dermatologista Ana Moreira à CNN Portugal, não há motivos para alarme. "Os produtos cosméticos são de venda livre, não precisam de uma autorização prévia para serem colocados no mercado. Mas existem regras que devem ser cumpridas pelos fabricantes e, se tal não acontecer, serão punidos pelas autoridades. O mercado português é bastante seguro", afirma.

Marta Ferreira, farmacêutica e autora do blogue A pele que habito, explica à CNN Portugal como isto se processa: "De acordo com a legislação europeia (Regulamento (CE) n. o 1223/2009), os produtos cosméticos não podem conter substâncias que possam constituir um risco conhecido para a saúde humana quando usados para o fim a que se destinam. Antes da sua entrada no mercado, todos os produtos cosméticos devem ter um relatório de segurança próprio, elaborado por um especialista credenciado para o efeito, no qual se demonstre que esta exigência legal é cumprida com uma margem de segurança que salvaguarde os consumidores. Assim, não é provável encontrar substâncias perigosas nos produtos cosméticos que cumprem a legislação europeia, e que se encontram em supermercados, farmácias, perfumarias ou noutros espaços comerciais devidamente licenciados".

Cabe ao Infarmed fazer o controlo dos produtos que estão à venda, garantindo que todos cumprem as regras. "Uma vez que o conhecimento científico evolui, por vezes verifica-se que um determinado ingrediente utilizado até então já não cumpre os requisitos de segurança exigidos por lei. Nesses casos, o ingrediente em questão é sujeito a restrições ou proibido, e os produtos que o contêm são retirados do mercado", explica Marta Ferreira. Foi isso que aconteceu com os produtos agora identificados pelo Infarmed.

Para que não haja dúvidas, veja o que está em causa e o que pode fazer para evitar ter problemas com cosméticos.

O que são cosméticos?

"Os produtos que usa para proteger, limpar e dar melhor aspeto ou odor à pele, ao cabelo, às unhas e à boca são cosméticos", esclarece a Deco. "Nenhum tem propriedades terapêuticas. Estas são exclusivas dos medicamentos."

Os cosméticos podem ser produtos que ficam na pele (cremes, desodorizantes, protetores solares e produtos de maquilhagem) ou produtos laváveis (géis de banho, champôs, sabonetes, cremes de barbear e pastas de dentes).

O que são substâncias CMR?

Com base em pareceres elaborado pelo Comité de Avaliação de Riscos da Agência Europeia de Produtos Químicos, o regulaento REACh (Registo, Avaliação e Autorização de Químicos)  o regulamento identifica três tipos de substâncias perigosas:

  • Cancerígenas (C) - substâncias ou misturas que, se inaladas, ingeridas ou absorvidas pela pele, podem causar cancro ou aumentar a incidência de canco;
  • Mutagénicas (M)  - substâncias ou misturas que, se inaladas, ingeridas ou absorvidas pela pele, podem produzir ou aumentar a frequência de anomalias genéticas hereditárias;
  • Tóxicas para a Reprodução (R) - substâncias ou misturas que, se inaladas, ingeridas ou absorvidas pela pele, podem produzir ou aumentar a incidência de efeitos adversos não hereditários nos filhos ou prejudicar as funções reprodutivas dos utilizadores.

Por defeito, a utilização de substâncias classificadas como CMR1A (com efeitos comprovados em humanos), CMR1B (com efeitos comprovados em animais) ou CMR2 (com efeitos suspeitos) é proibida de acordo com o artigo 15.º do Regulamento Europeu relativo aos Produtos Cosméticos. No entanto, uma substância CMR pode ser utilizada em produtos cosméticos, a título excecional, desde que sejam cumpridas condições específicas de segurança.

Que substâncias CMR foram proibidas este ano?

Regularmente, a União Europeia vai atualizando a classificação de diversas substâncias. A última atualização, que entrou em vigor a 1 de março, foi aprovada a 29 de outubro de 2021 e acrescentou 23 substâncias à lista de substâncias CMR. Como explica o Infarmed, desde então estão proibidos nos cosméticos, entre outros ingredientes, o Butylphenyl methylpropional e a Piritiona de zinc.

O Butylphenyl methylpropiona é um ingrediente comum em fragrâncias, tem um aroma floral agradável e também é conhecido pelo nome de Lilial. Foi proibido na UE devido a estudos em animais (ratos) que mostram uma possível ligação à infertilidade. Mas antes já era considerado um produto susceptível de provocar alergias. "É irritante e, segundo o Comité Científico da Segurança dos Consumidores, pode induzir sensibilidade para alergias e não é considerado seguro para os consumidores", esclarece a Deco.

Piritiona de zinco é um dos sais de zinco mais usados em produtos capilares anti-caspa e para a dermatite seborreica. Até aqui este ingrediente era permitido desde que a sua concentração não excedesse 1% do produto. Agora, é completamente proibido, uma vez que se considera que existem alternativas mais seguras à sua utilização.

Que outras substâncias podem ser perigosas nos cosméticos?

As substâncias suspeitas de serem desreguladores endócrinos são motivos de preocupação porque podem alterar o funcionamento do sistema hormonal, afetar o crescimento e o metabolismo e causar problemas de fertilidade, alerta a Deco. Os parabenos, substâncias conservantes, são os mais conhecidos do grupo. No entanto, "apesar da má reputação, nem todos são perigosos", sublinha a associação de defesa do consumidor. Estas são algumas das substâncias a que, segundo a Deco, devemos estar mais atentos:

O methylparaben e o ethylparaben, nas quantidades permitidas nos cosméticos, não apresentam risco. Contudo, por precaução, não são recomendáveis em produtos para grávidas e bebés.

O propylparaben e o butylparaben apresentam um nível de risco mais elevado e devem ser evitados em cosméticos que ficam na pele. Estas substâncias são proibidas em produtos para aplicar na zona da fralda.

O ethylhexyl methoxycinnamate (OMC), usado em muitos protetores solares, também pode perturbar o funcionamento das hormonas, se usado em elevadas quantidades.

Já o triclosan, um antissético que faz parte da composição de vários produtos de higiene, pode contribuir para o aparecimento de resistências bacterianas. Nos dentífricos, esta substância é segura e benéfica se a concentração não ultrapassar 0,3%. Os produtos de lavagem bucal não devem conter mais de 0,2 %.

E as substâncias que provocam alergias?

A dermatite de contacto - uma inflamação cutânea provocada pelo contacto com uma substância exógena - é uma das doenças mais observadas pelos dermatologistas. As fragrâncias são substâncias complexas, que incluem muitos produtos químicos diferentes e são a principal causa de dermatite de contacto relacionada com cosméticos.

Quando existe uma suspeita de alergia, o utilizador deve realizar testes epicutâneos que são feitos com base numa listagem das substâncias alergénicas que são mais comuns na população portuguesa - a chamada "bateria standard" que é da responsabilidade do Grupo de Estudos das Dermatites de Contactos. Essa lista está constantemente a ser atualizada, explica a dermatologista Ana Moreira, e inclui mais de 30 alergénios. "Estão sempre a surgir novas substâncias", diz a especialista. Nos últimos anos, foram resgistados casos de alergias, por exemplo, associados às unhas de gel que se tornaram moda e também ao "slime" que numa determinada altura se tornou uma das brincadeiras mais populares entre as crianças.

Existe também uma lista elaborada pela Comissão Europeia de 30 substâncias identificadas como suscetíveis de causarem alergias, e que coincide em grande parte com a lista portuguesa.  "Os cosméticos que as incluem devem ser evitados por pessoas com pele sensível, tendência para alergias e crianças até aos três anos", diz a Deco. 

Os cosméticos são controlados antes de entrarem no mercado?

Os cosméticos não são objeto de uma autorização administrativa prévia à colocação no mercado, explica o Infarmed. A pessoa responsável por um produto garante o cumprimento das obrigações previstas no regulamento europeu. Após o início da sua comercialização, e de modo a garantir que não representam risco para a saúde do consumidor, estes produtos são controlados pela autoridade nacional competente de fiscalização do mercado (o Infarmed).

Que cuidados devemos ter ao comprar produtos de cosmética?

"Recomendo que a compra de produtos cosméticos seja sempre realizada em locais licenciados para o efeito, sejam eles lojas físicas ou online", aconselha Marta Ferreira. "Perante uma marca desconhecida, ou um produto que inspire alguma desconfiança relativamente ao cumprimento da legislação dos produtos cosméticos, recomendo que se verifique se a rotulagem tem as menções legais obrigatórias: todos os produtos devem indicar o nome e endereço postal da pessoa responsável (frequentemente o fabricante, distribuidor, importador), número de lote, modo de utilização, prazo de validade ou prazo após abertura. Estas informações devem estar disponíveis em língua portuguesa. É importante verificar ainda se a lista de ingredientes se encontra redigida na nomenclatura INCI [Nomenclatura Internacional de Ingredientes de Cosméticos], aquela que vemos nos produtos de marcas reputadas, e não em português ou noutra língua."

"As pessoas que já têm alergias conhecidas devem ter mais cuidados, claro", sublinha a dermatologista Ana Moreira. Além disso, esta especialista recorda que é importante verificar "se a cartonagem está estranha" e se a embalagem já foi aberta.

A que devemos dar atenção no rótulo?

Ler o rótulo com atenção é muito importante, avisam Ana Moreira e Marta Ferreira. "Quando compramos produtos cosméticos devemos prestar atenção à rotulagem como um todo, já que é nela que encontramos as informações mais importantes para realizar uma compra informada", explica a farmacêutica Marta Ferreira.

Em primeiro lugar, é importante verificar o tipo de produto, partes do corpo e características da pessoa a quem se destina (ex: cabelo oleoso, pele seca).

Devemos também prestar atenção a informações que podem ser menos óbvias, como por exemplo o prazo de validade ou prazo após abertura, o modo de utilização correto do produto em questão, e, em alguns casos, as precauções de utilização (comuns por exemplo em tintas capilares, protetores solares e pastas de dentes).

"Caso o consumidor tenha alguma alergia conhecida a um determinado ingrediente cosmético, ou indicação médica específica, por exemplo, para evitar o uso de perfumes, é importante confirmar se o produto em questão os contém. Para isso, é essencial consultar cuidadosamente a sua lista de ingredientes."

Os rótulos devem ter sempre a indicação do código do lote do produto, importante para o caso de querer reportar algum defeito ou reação adversa.

Devemos confiar nos produtos que se anunciam como “biológicos”?

"Ao contrário daquilo que acontece com os alimentos, a definição de «cosmético biológico» não se encontra regulamentada", explica Marta Ferreira. "Para colmatar este aspeto existem certificações como a Ecocert, que estabelecem critérios que permitem definir este tipo de produto. Porém, a sua fundamentação é pouco consensual. Por outro lado, não são conhecidas vantagens reais do ponto de vista da segurança, eficácia ou qualidade em comprar produtos cosméticos que se apresentam como sendo biológicos. Até porque, do ponto de vista legal, todos os produtos cosméticos devem cumprir exatamente a mesma legislação no que diz respeito a cada um destes aspetos. Nestes produtos, chamaria apenas a atenção para os consumidores que possuem alergias conhecidas a ingredientes cosméticos, já que grande parte dos alergénios provém justamente de ingredientes de origem natural."

Que cuidados devemos ter ao usar um produto pela primeira vez?

Antes de mais, é importante "verificar a aparência dos produtos", diz Ana Moreira. "Há produtos que têm mesmo uma aparência ou uma cor estranhas, mas outros podem estar estragados".

Depois, quando se utiliza um produto pela primeira vez, deve-se usar numa zona limitada do corpo (se for um creme pode ser nos pulsos ou atrás das orelhas) e esperar algum tempo para ver se há algum tipo de reação antes de espalhar a sua utilização ao resto do corpo.

O que fazer se ocorrer um efeito indesejável após a utilização de um cosmético?

A primeira coisa a fazer é "lavar de imediato a zona para retirar o produto aplicado", afirma Ana Moreira. Se a reação persistir, o utilizador deve, preferencialmente, contactar um dermatologista, médico assistente, farmacêutico ou outro profissional de saúde.

Se se tratar de uma reação alérgica, é aconselhável fazer testes epicutâneos, "para saber exatamente qual a substância que a provocou e assim evitar reações futuras".

Caso o especialista considere que há motivo para tal, deve ajudar a fazer o devido preenchimento da notificação de efeito indesejável através do Reporte.

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