Nunca se viu nada assim. Benfica e Sporting podem ser campeões. "Se houver um golo no início, o jogo será muito anárquico"

CNN Portugal , MMC
10 mai, 10:00
Sporting-Benfica (Filipe Amorim/LUSA)

"Penso que o campeão será a equipa menos má"

ENTREVISTA || São 90 anos de campeonato e nunca se viu nada assim. Benfica e Sporting podem ser campeões já este sábado no dérbi eterno. A comentadora da CNN Portugal, Sofia Oliveira faz a antevisão de um jogo inédito

“Do ponto de vista tático as equipas são pouco competentes”, considera Sofia Oliveira, adiantando que o Benfica se destaca pela capacidade “de transição ofensiva” e o Sporting pela capacidade “em lançar Gyökeres na profundidade”. Para a comentadora da CNN Portugal, ambas as equipas têm “poucos recursos em ataque organizado” e “pouca competência e organização defensiva, mesmo em transição defensiva”. Ou seja, conclui Sofia Oliveira, “é mesmo um daqueles derbies” em que a resposta à pergunta de quem é favorito é o cliché “50-50”.

As duas equipas chegam à ‘final’ do campeonato naquela que será a melhor fase da época para os dois treinadores. Quem parte mais forte? 

É uma das primeiras vezes em que não consigo atribuir favoritismo. Há fatores que atribuem favoritismo ao Sporting, mas há outros que o atribuem ao Benfica. E, portanto, anulam-se.

O Benfica tem o fator casa, que é muito difícil de medir, mas existe. E tem o fator ‘profundidade de plantel’, que não é equiparável a nenhum outro plantel em Portugal. Uma equipa que pode ir ao banco e sacar Bruma, Schjelderup, Belotti… É realmente inigualável em Portugal. São fatores que dão margem ao Benfica.

No caso do Sporting, há a questão de poder jogar com dois resultados, mas esse fator depende de como é que o jogo decorre. Vamos imaginar que o Sporting, à custa disso, chega à Luz e encolhe-se muito. Oferece muito protagonismo ao Benfica. Isso pode não ser uma coisa necessariamente positiva, mas pode ser positiva se, imaginemos, o Sporting estiver a ser muito pressionado, a sofrer ocasiões de golo em catadupa, num cenário de 2-1, mas depois vai lá uma vez à frente, marca, e o 2-2 serve. Há nuances dos dois lados.

E do ponto de vista tático?

Do ponto de vista tático as equipas são pouco competentes. Estamos a falar de um Benfica que se distingue pela capacidade que tem nos momentos de transição ofensiva e de um Sporting que se distingue na capacidade em lançar Gyökeres na profundidade. Se tivermos de apontar um ponto forte, esse é o ponto forte de cada equipa. Se estivermos a apontar os pontos fracos, estamos a falar de duas equipas com poucos recursos em ataque organizado, com pouca competência e organização defensiva, mesmo em transição defensiva. É mesmo um daqueles derbies em que vou dizer o cliché: 50-50.

Quais serão os onzes prováveis, admitindo que não haverá lesões?

Do lado do Sporting, prevejo um onze com Rui Silva, Eduardo Quaresma, Diomandé e Gonçalo Inácio. Na ala direita, Geny Catamo, na ala esquerda, Matheus Reis. No meio-campo, Zeno Debast e Hjulmand. Na frente, Pedro Gonçalves, Gyökeres e Trincão. Do lado do Benfica, prevejo um onze com Trubin, Tomás Araújo, António Silva, Otamendi e Carreras. No meio-campo, Florentino, Aursnes e Kokçu. Na frente, Di María, Pavlidis e Akturkoglu.

Di Maria a titular, apesar dos problemas físicos? 

Não temos, obviamente, acesso a todos os dados. Não sabemos qual é o cenário físico, em termos rigorosos, do craque argentino. Não jogou frente ao Estoril, também não jogou em casa frente ao AVS. Mas não imagino um Benfica, no dérbi, sem Di María. Se recordarmos, contra o Porto, ele já não jogava há muito mais tempo e foi titular. Portanto, espero claramente Di María a titular. Não tenho mesmo grandes dúvidas sobre isso.

Pedro Gonçalves e Morita: não podem jogar os dois?

Podem jogar os dois, mas não acredito que estejam os dois no 11. Acredito que Pedro Gonçalves vai estar, não acredito que Morita esteja por questões físicas. Não parece, pelo menos, que já esteja apto para fazer os 90 minutos. E como Rui Borges tem confiado muito em Zeno Debast para aquela zona do terreno, acredito que comece com Debast e depois, eventualmente, através também da perceção do jogo, lance, ou não, Morita.

O que é que Morita pode acrescentar?

Morita é um médio muito capaz no que toca à variabilidade de passe: joga com o pé esquerdo, joga com o pé direito e percebe muito bem o que o jogo necessita. Não é só um jogador que, por vezes, congela o jogo naquela zona do meio-campo, é também um jogador que, quando a sua equipa tem a bola, faz, muitas vezes, movimentos à profundidade para poder receber a bola no espaço, ou então, mesmo não recebendo, para abrir espaços para que alguém apareça naquela zona para receber. Nesse sentido, não há outro jogador no plantel do Sporting com esse perfil. O único jogador que, eventualmente, podia dar ao Sporting esse tipo de característica jogando naquela posição seria Pedro Gonçalves, mas Pedro Gonçalves joga numa posição mais adiantada.

O Sporting perde qualidade sem Morita?

Com Zeno Debast o Sporting perde qualidade para jogar em espaços apertados, algumas vezes de costas para a baliza. Zeno Debast é um jogador que tem de estar sempre a ver o jogo de frente, por isso é que, muitas vezes baixa para junto do central, seja Inácio, seja Eduardo Quaresma, porque não tem tanta facilidade ao jogar de costas ou a jogar mais apertado. Notam-se as dificuldades, o hábito… estamos a falar de um central. Por muito jogo que possa ter feito na sua formação enquanto médio, não é o mesmo nível competitivo. Em termos de qualidade com bola, para fazer este tipo de movimentos de rotura, Zeno não tem essas características.

E Pedro Gonçalves?

Pedro Gonçalves é a cola da equipa do Sporting. Fez poucos jogos desde que regressou e já perdi a conta ao número de vezes em que baixa para recuperar bolas em zonas adiantadas. É um jogador que percebe sempre, taticamente, o que a equipa tem de fazer e onde é que tem de se posicionar. Depois, tem uma relação com o golo, com a baliza, devido à sua qualidade técnica na finalização, brutal. Liga-se muito bem com Trincão e liberta-o de ser a figura do Sporting que tem de desequilibrar sozinho. Quando Pedro Gonçalves está, eles conseguem repartir esse protagonismo, e conseguem repartir, também, as próprias missões que têm de fazer em espaços curtos, entre linhas. Envolvem-se bem e acabam por dar ao corredor central uma outra vida. É sobretudo isso que Pedro Gonçalves traz à equipa do Sporting: é dar outra vida, outra qualidade, outros caminhos pelo corredor central, não sendo uma equipa que se vicie tanto pelos corredores laterais. Tudo melhora quando Pedro Gonçalves está na equipa. 

Do lado do Benfica, com Tomás Araújo a lateral, o que ganha e perde a equipa?

O Benfica perde o melhor central do plantel porque está a jogar com ele a lateral. Um central que, além da velocidade que permitiria ao Benfica jogar com uma linha subida, é também um central que na antecipação é muito forte. É um central que tem qualidade de passe. Se não for o melhor do campeonato, é um dos melhores, porque Debast também tem uma capacidade de passe superlativa.

Enquanto lateral, estou muito longe de pensar que seja a sua melhor posição. Até porque da forma como o Benfica joga, o jogador desse lado cai muitas vezes para as zonas interiores e obriga Tomás Araújo a dar bastante largura, a estar muitas vezes aberto. Tomás Araújo é melhor de frente para o jogo, a meter passes, a descobrir passes de dentro para fora. Passes entre linhas.

E na ajuda ao ataque?

Apesar de, pela sua inteligência tática, conseguir muitas vezes chegar à frente, criando a tal profundidade no corredor direito, não vai desequilibrar, não vai dar um para um. Não é irreverente nesse sentido, mas dá sequência às jogadas. Também não é aquele jogador que cruza por cruzar, que fecha os olhos e mete uma bola na área, sem qualquer critério. Agora, neste caso, o Benfica está a perder um jogador que, enquanto central, tem um teto que não é visível, porque é mesmo muito, muito alto. Enquanto lateral, acaba por ficar só ali no ‘benzinho'.

Acrescentando uma nota à questão de Tomás Araújo, pelo facto de sabermos que está ali um jogador condicionado fisicamente - isso pode ser uma mais-valia para o Sporting, porque, daquele lado, podem cair jogadores que incomodem uma ala que não se distingue pela capacidade defensiva. Di María tem os problemas inerentes ao seu perfil e se Tomás estiver muito exposto, também devido às questões físicas, pode comprometer o Benfica.

Como é que o Sporting poderia capitalizar essa situação?

Aí faria mais sentido que daquele lado não caísse Matheus Reis, mas sim Maxi Araújo, para promover mais desequilíbrios. Mas não acredito que Rui Borges jogue com dois alas desequilibradores. Vai cair Matheus Reis, para ter Matheus Reis enquanto equilibrador e, do outro lado, Geny, enquanto desequilibrador.

Quem assumirá o jogo? Quem estará mais à espera do adversário? Tendo em conta o que temos visto nos últimos tempos, estamos perante um cenário em que as duas equipas terão de sair da sua zona de conforto?

O facto de o Benfica só poder contar com uma vitória vai obrigar os encarnados a terem de entrar muito balanceados para a frente. Não estou à espera de um Benfica em contenção, porque o empate não serve. O empate é deixar o título e a decisão do lado do Sporting. E Bruno Lage nunca quererá isso. Quererá capitalizar o facto de estar a jogar junto dos seus adeptos para ir para cima do Sporting, independentemente de, noutros testes exigentes, e noutros até menos exigentes, ter sido um treinador que abdicou muitas vezes da iniciativa para acionar o seu ataque rápido ou transição ofensiva. Mas neste caso, tendo a obrigatoriedade de vencer para poder contar somente consigo para ganhar o título, espero um Benfica mais arrojado e mais ambicioso.

Não seria mais seguro repetir a aposta na organização defensiva e nas transições?

O Benfica não é uma equipa que seja sólida em organização defensiva. Contra o Vitória, que foi uma equipa mais capaz em ataque organizado do que o próprio FC Porto, sentiu muitas dificuldades, permitiu e concedeu várias situações. E mesmo contra o FC Porto, apesar desse jogo ter ficado muito marcado pelo resultado, as primeiras impressões permitiram ao FC Porto circular a bola dentro do bloco do Benfica. É muito fácil para qualquer equipa circular a bola, caso tenha essa pretensão, dentro do bloco do Benfica. Não é uma equipa que se sinta superconfortável em baixo, tal como o Sporting não é.

Espero um Benfica a entrar com tudo. E se houver um golo, seja de que parte for, no início da partida, antevejo um jogo muito anárquico, muito partido, porque não são nem duas equipas que se saibam defender particularmente bem, nem duas equipas que tenham, nas posses longas, no congelar do jogo com bola, uma dessas características coletivas.

Onde e como é que Benfica e Sporting apostarão as fichas quando têm bola e que movimentos ofensivos podemos antever para este confronto? Com que protagonistas?

Do lado do Benfica, espero muitos movimentos de trás para a frente, com Pavlidis a ser, no fundo, o organizador da equipa, no sentido de receber a bola diretamente dos centrais e até dos laterais, para depois enquadrar Kokçu, Akturkoglu, ou quiçá, até, Di María ou Aursnes.

Já o Sporting, comparativamente com o Benfica, pode ser uma equipa mais paciente com bola, mais preocupada em encontrar os espaços nas costas dos médios do Benfica, com Pedro Gonçalves e Trincão a meterem-se por esses espaços e com Hjulmand em busca dos espaços verticais. E depois, com Gyökeres a fazer os seus movimentos habituais, seja do lado de Tomás Araújo e de António Silva, seja do lado de Carreras e de Otamendi.

E em termos defensivos?

Não espero um Sporting a tentar pressionar muito alto. Espero um bloco médio. Sobretudo a tentar condicionar os passes que Carreras possa fazer, os passes que Kokçu pode fazer quando baixa para junto dos centrais. Mas não prevejo, inicialmente, uma marcação muito alta por parte do Sporting.

Da parte do Benfica, também não estou à espera de que Bruno Lage liberte os seus jogadores para marcações individuais nem nada do género. Pode ser algo parecido com o que fez no Estoril, em que pressionou com três na frente, porque o Estoril também jogou com três centrais. Portanto, poderemos ter três jogadores do Benfica a soltarem-se e não o 4-4-2 habitual de Bruno Lage em organização defensiva. E, claro, alguma preocupação a tentar condicionar o jogo interior do Sporting, nomeadamente, Hjulmand, porque lembro-me que, no jogo da primeira volta, o capitão leonino jogou durante toda a primeira parte completamente solto, 'de cadeirinha', a meter passes como quis, e isso foi um facilitador da exibição do Sporting.

Depois, em relação a Gyökeres, trata-se de um jogador que, para ser anulado, a equipa contrária tem de anular primeiro que a bola chegue a quem lhe lança a bola. Não basta anular Gyökeres, tem de ser anular os jogadores que municiam o avançado sueco, que lhe dão bolas para ele correr.

O jogo do Sporting com o Gil Vicente foi útil para Lage ver como pode anular Gyökeres?

Foi, na medida em que foi a equipa que melhor montou a estratégia defensiva este ano em Alvalade, na primeira parte. Na segunda parte, não. Mas, na primeira parte, roçou a perfeição. A forma como César Peixoto preparou a equipa defensivamente. E volto a dizer, não só por ter anulado Gyökeres, mas por ter anulado os jogadores que municiam o avançado sueco. Os jogadores que alimentam o jogo de Gyökeres. Na forma como pressionou, no 4-2-4, acompanhava sempre o jogador que baixava para junto dos centrais, quer fosse Morita, quer fosse Zeno Debast. Tinha sempre ali o Santi Garcia, na tal linha de quatro à frente, a incomodar, a bloquear as ações desse jogador. E depois, claro, com os extremos à frente, a fazer movimentos de dentro para fora, para impedirem que o pé forte dos centrais exteriores do Sporting acionassem passes. O Sporting teve muitas dificuldades em ligar o seu jogo.

Quem merece mais ser campeão?

É uma opinião bastante unânime: o campeão será a equipa menos má. Este ano, sinceramente, os dois candidatos ao título brindaram-nos com uma corrida precária, com uma corrida até penosa em alguns momentos. Ninguém pode dizer que se um ou outro não forem campeões, que é injusto. As coisas nivelaram-se mesmo muito por baixo.

Há razões para dizer que o próximo treinador-campeão é dos piores treinadores campeões dos últimos anos?

Há razões para dizê-lo. Rui Borges tem mais atenuantes do que Bruno Lage. Bruno Lage entrou numa altura em que o ambiente com Roger Schmidt já era completamente insuportável para os jogadores. Portanto, trouxe a tal chicotada psicológica, melhorou a aura psicológica em torno da equipa e colocou ou deu aos jogadores missões nas quais eles se sentiam mais confortáveis. Esse foi o grande feito, digamos assim, de Bruno Lage.

No caso de Rui Borges, tem mais atenuantes. Não só por causa da questão das lesões que é, obviamente, uma questão pertinente. Mas, primeiro, porque a substituição de Ruben Amorim era uma missão praticamente impossível. Não correu bem com João Pereira e Rui Borges já foi o terceiro treinador do Sporting na temporada. Depois, porque o plantel não tem, obviamente, as soluções do plantel de Bruno Lage. E, nesse sentido, encontro mais atenuantes para Rui Borges do que encontro para Lage. Quem acompanhou o campeonato de Trapattoni, como eu não acompanhei, com afinco, também já o disse várias vezes: este é, provavelmente, o pior campeonato desde o tempo de Trapattoni.

Que curiosidades tem sobre este jogo e que acredita que o dérbi vai esclarecer? 

Não tenho muita expetativa em relação ao jogo. A maior curiosidade que tenho é como é que os jogadores vão lidar com tamanha pressão. Saberem que aquele jogo pode valer o título, porque nunca assisti a algo deste género. Mas, em termos táticos, estou um pouco cética. Tenho muitas dúvidas de que, de um lado ou de outro, possa ser surpreendida. Porque Rui Borges e Bruno Lage não têm muito mais para dar, assim dizendo. Portanto, a minha maior curiosidade prende-se mesmo com o comportamento individual dos jogadores num cenário de altíssima pressão.

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