Figueiredo: o 10 que distribui vinhos portugueses em Angola

17 fev 2022, 09:25
Paulo Figueiredo

Antigo médio está na história do Santa Clara e dos Palancas Negras; aos 49 anos, é comentador desportivo e trabalha na importação e distribuição de bebidas

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Paulo Figueiredo foi um craque. Um 10 da cabeça aos pés. O antigo médio ficou na história do Santa Clara e da seleção de Angola, participando em duas CAN e no inesquecível Campeonato do Mundo de 2006.

A carreira do luso-angolano podia ter atingido outros patamares, mas Figueiredo criou uma ligação forte com o Santa Clara e ficou oito épocas no clube dos Açores, entre 1996 e 2004, dos 23 aos 31 anos.

Médio de inegável qualidade técnica e visão de jogo, o 10 viria a pendurar as chuteiras no país que o viu nascer, em 2009, ao serviço do Recreativo de Libolo. Desde então, foi diretor desportivo, treinador-adjunto e treinador principal.

Após uma má experiência do Progresso Lunda Sul, em 2017, Paulo Figueiredo decidiu afastar-se temporariamente do futebol e iniciou atividade num contexto completamente diferente.

«Trabalho numa empresa de importação e distribuição de vinhos, sobretudo portugueses, e sou gestor de contas de grandes empresas. Vim para cá por um ano e já estou na empresa há três anos e meio. Queria desligar-me um pouco do futebol e crescer em outra área. Continuo por cá e assim será até aparecer um projeto sólido no futebol», explica, ao Maisfutebol, a partir de Luanda.

O mundo do futebol não é terreno fértil em oportunidades para ex-jogadores. Desde 2009, por exemplo, o antigo médio trabalhou como diretor desportivo do 1.º de agosto (2011), adjunto de Carlos Manuel na seleção da Guiné-Bissau (2012) e no Sanat Naft do Irão (2014/15) antes da experiência no Progresso Lunda Sul, como adjunto e treinador principal (entre 2016 e 2017).

Farto de espaços em branco e falta de continuidade na carreira como treinador, Figueiredo teve de alargar horizontes. Atualmente, para além do trabalho na empresa de importação e distribuição de bebidas (Cincos Sentidos), trabalha regularmente como comentador desportivo na TPA, a Televisão Pública de Angola.



A atividade principal, porém, gira em torno do vinho, uma bebida que o antigo jogador nem apreciava. «Não era consumidor regular de vinho e continuo a não ser. Aliás, quando o nosso administrador vem a Angola, pergunta-me sempre se eu já bebo vinho. Não bebo mas provo e já consigo perceber quando um vinho é bom ou não», atira, entre gargalhadas.

A empresa tem alargado o portefólio, passando a incluir vinhos de Espanha, da África do Sul e dos Estados Unidos da América, para além de champanhe e bebidas espirituosas. Porém, o principal produto é o vinho português e a Cinco Sentidos trabalha com os maiores produtores lusos.

«Em Angola vendem-se sobretudo vinhos do Douro e do Alentejo, tintos. Sendo este um país com tanto sol, até devia haver um consumo maior de brancos e Rosés, mas a cultura dos angolanos ainda não está enraizada nesse sentido. Só agora começa a haver uma maior procura desses vinhos», explica Figueiredo.

A morar em Luanda, o antigo jogador vai matando saudades do futebol através dos comentários regulares na TPA: «Quando vim para Angola, fui comentador na altura do Mundial de 2018. Depois disso, a TPA convidou-me para ser comentador residente em vários programas de futebol, incluindo o Domingo Desportivo.»

Domingo Desportivo, como havia em Portugal? «Exato, eu nasci em Angola mas fui para Portugal com três anos e cresci a ver o Domingo Desportivo. Agora, sou comentador num programa do género em Angola. É pena que em Portugal tenha deixado de haver um programa desses», salienta.

O histórico capitão do Santa Clara e o Pula de Angola

Paulo Figueiredo nasceu em Malanje, em 1972, mas cresceu em Portugal e fez-se jogador em terras lusitanas: «Fiz a minha formação no Desportivo Domingos Sávio, passei pelo Benfica, voltei ao Domingos Sávio e depois fiz os dois anos de júnior no Belenenses. Estive depois no União de Tomar, Desp. Aves, Elvas e Camacha até chegar ao Santa Clara.»

O médio ofensivo rumou ao Santa Clara em 1996, com 23 anos. «Quando cheguei, estávamos na antiga II Divisão. Estive no clube oito anos e chegámos à Liga, disputámos a Taça Intertoto, enfim, foram anos muito felizes e sinto que deixei uma grande marca no Santa Clara, tal como aconteceu nos outros clubes por onde passei», frisa.

Com a camisola 10 e a braçadeira de capitão, Figueiredo cumpriu oito temporadas no emblema açoriano e deteve uma marca que foi batida apenas no final de 2021: era o atleta com mais jogos pelo clube na Liga (97), tendo sido ultrapassado recentemente pelo guarda-redes Marco Pereira (109).

«Fico feliz por saber que estou na história do Santa Clara. Houve duas situações em que estive para ingressar no Sporting e, no final do primeiro ano do Santa Clara na Liga, tive vários convites para sair, mas por uma ou outra razão tal não aconteceu e fui ficando», explica.

Na reta final do percurso no clube dos Açores, o médio ofensivo chegou à seleção de Angola, mais uma página dourada no seu livro de memórias: «Comecei a ir à seleção de Angola em 2003, já com 30 anos, e fiquei até 2008. A minha marca foi nesses cinco anos ter ido a duas CAN e a um Campeonato do Mundo.»

«Fizemos jogos fantásticos nesse período, de muito sofrimento e alegria. Ir ao Mundial de 2006 foi histórico, porque era algo impensável naquela altura. Fui muito bem recebido naquele grupo e chamavam-me de Pula (pessoa de pele branca), com muito carinho, obviamente», recorda.

Depois de terminar a ligação ao Santa Clara, Figueiredo passou ainda por Dragões Sandinenses, Lusitânia dos Açores, Varzim - clube que representou na II Liga antes do Mundial de 2006 -, Osters (Suécia) e Olivais e Moscavide até chegar ao Recreativo de Libolo, em 2008: «Foi lá que terminei a carreira como jogador, em março de 2009, já com 36 anos.»

A carreira depois do futebol e o sucessor a dar cartas no Montijo

«Depois de terminar a carreira, tirei o II Nível do curso de treinador e um curso de Gestão Desportiva na Quest. Em 2011, fui para diretor desportivo do 1º de Agosto. Apanhei a época em andamento mas foi gratificante, aprendi imenso, porque tínhamos de antecipar cenários e organizar quase tudo, fossem viagens, estágios, etc», explica Figueiredo.

Carlos Manuel, que orientava o 1.º de Agosto, seguiu para a seleção da Guiné-Bissau e levou o antigo jogador do Santa Clara como treinador-adjunto. Dois anos depois, a dupla viajou para o Irão e esteve à frente do Sanat Naft: «Foi nessas experiências que percebi que era aquilo que eu pretendia, ou seja, estar no relvado, transmitir os meus ensinamentos dentro de campo, a sentir o cheiro da relva.»

Em 2016, Figueiredo aceitou um convite do Progresso Lunda Sul, iniciando a colaboração como treinador-adjunto e passando posteriormente a técnico principal. Foi a última experiência no banco. «Depois do Progresso Lunda Sul, por causa do desgaste com algumas situações, decidi fazer uma pausa e afastar-me do futebol. Foi quando surgiu a possibilidade de trabalhar na área dos vinhos», frisa.

«Quando regressar outra vez ao futebol, quero que seja uma situação mais prolongada. Têm-me aparecido alguns convites, é sinal que as pessoas não se esqueceram, mas quero um projeto que tenha cabeça, tronco e ombros. Infelizmente, ainda não apareceu, quero muito voltar, mas vou continuar à espera. Até lá, estou aqui na empresa e sinto-me bem, portanto faz todo o sentido continuar», considera o ex-jogador.

Paulo Figueiredo está em Angola e torce à distância pelo seu sucessor natural. Bruno, médio de 22 anos, tem realizado uma temporada de bom nível no Olímpico de Montijo, na 1.ª divisão distrital da AF Setúbal.

«Devido à paragem nos campeonatos por causa da pandemia de covid-19, ele não teve continuidade nas duas épocas anteriores. Este ano, felizmente, está a ter regularidade e os resultados estão à vista. Nesta altura, mesmo sendo médio, é o melhor marcador da equipa, com sete golos», salienta o pai, com orgulho.

Bruno Figueiredo é médio ofensivo e tem o espírito de um 10, embora use outro número na camisola. «Ele é o 28 porque 2 mais 8 é 10», diz Paulo, concluído: «É complicado estar longe deles, do meu filho, da minha mulher e das minhas duas filhas. Vamos ver o que o futuro nos reserva. Claro que se houvesse uma possibilidade em Portugal, eu aceitaria, desde que fosse algo sustentado, como disse. Entretanto, vou acompanhando a família à distância»
 

Bruno Figueiredo no Olímpico de Montijo

 

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