Carlos Manuel: a lesão, o pesadelo Torreense e a festa do Penta

12 nov 2014, 10:03
Carlos Manuel

Entre o inferno e o céu em dois jogos pelo FC Porto, num percurso marcado por um problema físico que o afeta desde os 12 anos

Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.


GD Sesimbra, V. Setúbal e o FC Porto aos 21 anos. Carlos Manuel era uma boa promessa do futebol português. Após grandes exibições no clube sadino, o médio ofensivo escolheu entre os principais interessados e vestiu a camisola azul e branca.

Tinha um grande futuro pela frente mas não foi tão feliz como esperava. Sagrou-se pentacampeão pelo FC Porto em 1999, disputando apenas uma partida do campeonato nacional. Ficara marcado por outra, na Taça de Portugal, frente ao Torreense (0-1). Esse foi apenas um capítulo isolado numa história que desiludiu Carlos Manuel.

Saiba o que faz agora Carlos Manuel


Com pouco espaço no clube portista, passou por empréstimos a Vitória de Setúbal e Leça. Lentamente, perdeu o lugar de destaque no futebol nacional.

«O difícil para mim não foi chegar ao FC Porto. Pude escolher. Podia ter ido para o Benfica ou o Sporting, mas decidi porque era portista e cumpri um objetivo. Depois, ao longo dos anos na carreira, fui percebendo que há muitas cunhas, influências de empresários, amigos de amigos, enfim, gente que não serve o futebol mas que se serve dele», desabafa.

A relação com o FC Porto ficou comprometida por uma questão que não lhe dizia respeito. «No FC Porto tive o azar de me ver envolvido na guerra que houve entre Jorge Nuno Pinto da Costa e José Veiga, com Alexandre Pinto da Costa ao lado de Veiga. Era ele que me representava, tal como a outros jogadores do plantel. Assim, a certa altura fui para a equipa B, mas nem foi para jogar, apenas para fazer uns meinhos e isso. Aconteceu comigo, com Peixe, Panduru, Fehér. O Zahovic saiu, o João Manuel Pinto também. Enfim, todos.»

A lesão aos 12 anos que condicionou toda a carreira


«No final dessa etapa no FC Porto, com o que tinha acontecido, acho que acabei por ficar um pouco mal visto, fiquei com a imagem afetada em outros clubes. Para além disso, a certa altura algumas pessoas começaram a dizer que eu tinha demasiadas lesões», recorda.

Carlos Manuel revela ao Maisfutebol
a verdadeira origem dos problemas. «O que as pessoas não sabiam é que tive um problema grave aos 12 anos, quando fui para o V. Setúbal. Parti os ossos do cóccix e isso devia ter sido logo corrigido com uma operação. Não o fizeram e assim fiquei com uma atrofia enorme no músculo da perna esquerda. Ainda hoje é notório esse desnível entre as duas pernas.»

«A dimensão do problema só foi detetada no FC Porto, até porque se tornou mais evidente com a exigência dos treinos e jogos nos seniores, não tanto nas camadas jovens. Tive de usar palmilhas e passei largas horas a fazer treino específico com Rodolfo Moura. Muitas vezes chorei por causa disso, e foi essa a razão de alguns problemas físicos, mas nunca tive lesões graves ou recorrentes como as pessoas ficaram a pensar, mais à frente», lamenta.



A alegria do Penta após o choque na Taça de Portugal


Carlos Manuel chegou ao FC Porto a par de nomes como Nélson ou Miki Féher. Era um jovem à procura de oportunidades no clube do seu coração. Mas percebeu rapidamente que seria difícil entrar nas escolhas do treinador.

«Como treinador, Fernando Santos foi aquele com quem mais aprendi. Como pessoa, não posso elogiar muito porque me lembro de várias vezes em que disse que me ia convocar, que me ia por a jogar, e nunca aconteceu», desabafa, elogiando o balneário do FC Porto: «Não esqueço nomes como Jorge Costa, Paulinho Santos, Folha, Vítor Baía, Capucho, eram referências e transportavam a tal mística. Eu convivi muito com o Peixe, das melhores pessoas que conheci no futebol.»

O ano do Penta foi verdadeiramente especial: «Notava-se a mística e o enorme desejo de vencer, como não se vê em mais lado nenhum. Era o ano do Penta, um ano histórico para o clube e queriam torna-lo memorável, por isso havia poucas oportunidades para os mais novos. Eu joguei pouco, mas aconteceu o mesmo com o Ricardo Carvalho, o malogrado Fehér, etc.»

«Fiz apenas dois jogos pelo FC Porto mas o primeiro marcou-me pela negativa. Foi contra o Torreense, para a Taça de Portugal, já em fevereiro. Ou seja, eu estava parado há cinco ou seis meses», salienta Carlos Manuel, recuando no tempo: «Fui titular no meio-campo mas ao minuto 55 o Nélson saiu e o mister Fernando Santos recuou-me para lateral direito. Foi primeira e última vez que joguei ali.»

«Pensei que ia ser substituído, estava cansado, a sentir câimbras, mas fui tentando segurar. Até que um adversário me foge, já perto do final do jogo, ainda tentei fazer falta mas nem assim. Lá cruzou e o Cláudio Oeiras fez o golo (0-1). Acho que fiquei marcado por isso.»

Provável. O FC Porto foi afastado da Taça de Portugal pelo modesto Torreense, em pleno Estádio das Antas. Um tremendo embaraço.

«Depois lá joguei na última jornada, na festa do Penta, substituindo Rui Barros, um grande homem. Ainda por cima, quase marquei um golo ao E. Amadora (2-0). É uma das coisas de que mais me orgulho, não fui tão feliz como pensei que iria ser no FC Porto mas fiquei na história do clube. Quando vou ao Porto, faço questão de visitar o Museu e vejo-me lá, na parte relativa ao Penta, é uma alegria enorme», salienta o antigo médio.



Carlos Manuel não voltaria a representar oficialmente o FC Porto. No final da temporada, Fernando Santos apresentou um plano que gerou pouco interesse do jogador.

«Em 1999, avançou-se para a criação das equipas B e lembro-me de Fernando Santos falar comigo, numa digressão a Angola, sobre o futuro. Disse que contava comigo, que iria treinar com a equipa principal mas jogar na equipa B várias vezes. Na altura isso era a II Divisão B e eu disse que não queria, sentia que não era o melhor para a minha carreira. Não sei se foi um erro, mas não me arrependo», garante.

Vinculado ao FC Porto, o médio foi rumando a outras paragens. «Fui emprestado ao V. Setúbal, depois regressei para a equipa B e a meio da época seguinte fui para o Leça, onde estava Joaquim Teixeira, na II Divisão. Em 2001, discutimos a rescisão de contrato e rumei ao Oriental, com a perspetiva de regressar ao V. Setúbal no fim da temporada. Porém, nessa altura, as pessoas do Vitória voltaram com a palavra atrás. É uma pena, porque adorava ter voltado, o V. Setúbal é um grande clube.»

«Passei ainda por Sp. Covilhã, depois Amora e finalmente Sesimbra. Foi aí que acabei a carreira, curiosamente no mesmo clube onde comecei, aos 10 anos. Terminei com 27/28 anos, estava cansado e desiludido com o futebol», resume Carlos Manuel.

Em jeito de balanço, o antigo jogador não demonstra amargura. Afinal, ficou na história do clube que acarinhou desde sempre: «Só joguei um ano na equipa principal do FC Porto mas fui pentacampeão, isso ninguém me tira!»

«Lembro-me da festa no final do jogo, ainda no Estádio das Antas, depois de irmos num autocarro descapotável até à baixa, com as ruas cheias, e sermos recebido na Câmara. Guardo até hoje um troféu relativo ao Pentacampeonato. São coisas de que orgulho, com ter representado a seleção sub-15 ou o enorme Vitória de Setúbal», remata.

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