Carlos Costa: um símbolo do Farense na portaria de uma escola

30 set 2021, 10:15
Carlos Costa

Antigo médio está no melhor onze da história do clube e é o segundo jogador com mais jogos pelos Leões de Faro na Liga

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Carlos Costa é um nome incontornável na história centenária do Farense. O antigo capitão perdura, por exemplo, como o segundo jogador com mais jogos (221) pelo clube algarvio na primeira divisão, apenas superado por Hajry.

O médio natural de Coimbra, atualmente com 54 anos, faz ainda parte do melhor onze da história do Farense - votado pelos adeptos dos Leões de Faro -, ao lado de nomes como Peter Rufai, Paco Fortes ou Hassan.

O antigo jogador chegou a Faro em 1995 e por lá ficou após o final da carreira, adaptado à cidade e extremamente condicionado por uma dívida de mais 100 mil euros do clube, que nunca foi saldada.

O Maisfutebol encontra Carlos Costa, um símbolo vivo do Farense, a trabalhar na portaria da Escola Dr. Joaquim Magalhães, como assistente operacional.

«Fui muito prejudicado pela queda do Farense, clube que acompanhei até ao fim, e pelos valores que me ficaram a dever. Fiquei mesmo muito limitado e mesmo a ideia de apostar em cursos de treinador ou algo do género tornou-se impossível», começa por dizer.

Depois de representar o Farense como jogador entre 1995 e 2005, ano em que terminou a carreira, Carlos Costa ainda passou pelo clube como técnico (2006 a 2008 e em 2013/14), mas teve de desempenhar outras funções ao longo dos anos para subsistir.

«Quando deixei de jogar, o José Apolinário era presidente da Câmara de Faro e estava a par da minha situação. Fiquei ligado à Câmara, inicialmente a recibos verdes, na divisão de desporto», explica.

O antigo jogador reencontrou a felicidade, mesmo afastado dos campos de futebol: «Tínhamos ali projetos interessantes. De manhã, ajudava bombeiros a melhorar a condição física. À tarde, ia dar aulas à prisão, ao Estabelecimento Prisional de Faro.»

«Foi uma experiência complicada, inicialmente, mas muito gratificante. Tive de ganhar o respeito dos presos, perceber o que fazer quando aparecia lá um mais exaltado a querer jogar, mas no final aquilo já estava oleado, eram duas horas onde eles podiam jogar à vontade, fazíamos torneios, etc. Foi muito bom», continua, concluindo: «Infelizmente, uns anos mais tarde, a função pública foi impedida de fazer novos contratos. Estava muita gente para passar para os quadros, eu era uma delas, mas tudo acabou aí.»

Carlos Costa teve de se afastar do desporto: «A minha esposa estava a trabalhar no Hospital Particular do Algarve – Gambelas e desafiou-me a ir para lá. Fui à entrevista, gostaram de mim e acabei por ficar lá uns dois anos, o último ano e meio nas urgências, como assistente operacional.»

«Entretanto, voltei a entrar num concurso para a Câmara Municipal de Faro, inicialmente até se falou que seria novamente para a Divisão de Desporto, mas neste momento estou numa escola, a Escola EB2,3 Dr. Joaquim de Magalhães, já há cerca de quatro anos. Sou assistente operacional, posso fazer de tudo um pouco, mas estou mais na portaria. Gosto do que faço», salienta.

Quinze anos após o final da carreira como jogador, Carlos Costa sabe que é recordado com carinho pelos adeptos do Farense e continua a ser confrontado com esse cenário.

«É engraçado porque estes miúdos não sabem quem eu sou. Mas olhe, uns aparecem a dizer que o pai ou avô lembram-se de mim, que gostavam muito de mim. Outros, para pegar com eles, digo-lhes: ‘escreve aí Carlos Costa Farense no telemóvel e vê o que aparece’. Os olhos deles até brilham! Ao início, também gostava de fazer apostas com eles, dizia-lhes que conseguia dar 50 toques ou isso. Eles desconfiavam aqui do velhote, depois viam e ficavam encantados», descreve o antigo médio.

Da terceira distrital à Taça UEFA aos 28 anos

Carlos Costa era um médio de enorme qualidade e polivalência, podendo desempenhar várias funções no terreno de jogo. Acumulou temporadas de alto nível no Farense, clube que passou a ser o seu a partir dos 28 anos, mas deixou a sensação de que poderia ter chegado mais longe na carreira.

«Isso tem uma explicação. Eu comecei na Académica com 12 anos e fui depois para os iniciados do União de Coimbra, com uma grande equipa. Íamos todos transitar diretamente para os juniores, mas num jogo de amigos fraturei uma perna. Ainda por cima, não me operaram ao ligamento cruzado e continuei com dores. Até que fui novamente operado», explica.

O percurso de Carlos Costa nos escalões de formação ficou marcado por esses contratempos: «Toda a gente olhava para mim como tendo um futuro risonho, alguém que podia sonhar com clubes grandes e seleções, mas perdi muito tempo por causa das operações e tive de começar por baixo. Enquanto os meus colegas foram para os seniores do União de Coimbra, para o terceiro escalão, eu fui para o Adémia, para a terceira divisão do distrital de Coimbra.»

«O que sempre tive de bom foi que dava o máximo todos os dias, em qualquer contexto, e isso ajudou-me a subir. Depois do Adémia, fui para o Lousanense, da III Divisão. A dada altura apanhei o mister Fernando Niza, que apostou em mim. Subimos de divisão e fiz 17 golos. Acabei por sair para o Feirense, da II Liga, em 1992, mas fiquei demasiado tempo no Lousanense, cinco épocas», lamenta.

O médio chegou a treinar no Sp. Braga antes de assinar pelo Feirense: «Fui treinar lá com o Vítor Manuel mas nem tinha vontade de ficar, porque já tinha dado a minha palavra ao Feirense. Fui para Santa Maria da Feira e marquei 17 golos na II Liga, algo que está ao alcance de poucos. Depois, aceitei uma proposta do Beira Mar para finalmente jogar na Liga. Ainda me ligaram da Académica, o meu clube, mas depois de tanto anos sem me dizerem nada, já era tarde.»

«Não foi fácil ganhar espaço no Beira Mar mas, com o espírito que eu tinha, obrigava o treinador a arranjar um lugar para mim. Os treinadores não podiam abdicar de um gajo que tanto ataca como defende, que tem inteligência para dobrar um colega que se lesiona, que lê bem o jogo. Tanto que o Rodolfo Reis, a certa altura, vira-se para mim e diz: ‘enquanto eu for treinador desta equipa, tu jogas em qualquer posição’, refere.

Após duas épocas com o Beira Mar na Liga, Carlos Costa aceita um convite do Farense e atinge um novo patamar na carreira: as competições europeias.

«Para quem esteve como eu estava aos 13 anos, para quem começou como sénior na terceira divisão distrital, chegar à primeira divisão e depois à Taça UEFA foi incrível. Lembro-me de pensar que no futebol já não ia ser rico, mas que que ia escrever uma história bonita, como aconteceu», conclui.

Em 1995, já com 28 anos, o médio polivalente inicia a sua ligação a um Farense que travou dois duelos frente ao Ol. Lyon para a Taça UEFA. Seguiram-se dez temporadas a um nível alto, sempre com mais de 30 jogos por época, e o direito adquirido de figurar no melhor onze da história do clube.

A dívida que provoca tristeza na relação com o Farense

Carlos Costa terminou a carreira de jogador no Farense e acompanhou a descida do clube até aos escalões não-profissionais, pendurando definitivamente as chuteiras em 2005.

A ligação emocional ao clube algarvio acabou por impedir uma derradeira mudança de cenário: «No último ano do Farense na primeira divisão, cheguei a ter um convite do Belenenses, o Carlos Manuel que estava no Estoril também me ligou, mas o Farense ofereceu-me três anos de contrato mais uma futura ligação à equipa técnica. Para mim era ótimo.»

A realidade, porém, foi bem diferente. «No Farense, ainda antes de virem os espanhóis com a SAD, o clube já tinha algumas dívidas. Os jogadores pediram garantias, o clube assinou uma declaração de divida e transitámos todos para a SAD. Os espanhóis diziam que iam pagar tudo, incluindo as dívidas do clube, mas depois a SAD faliu.»

«Portanto, fiquei sem o dinheiro que me deviam do clube mais o dinheiro que me deviam da SAD. Escolhi não sair do Farense e terminei a carreira sem possibilidades financeiras de investir num futuro, em cursos de treinador ou algo assim. Fiquei mesmo muito limitado», desabafa Carlos Costa.

Curiosamente, seria precisamente o antigo jogador a orientar a equipa no primeiro passo rumo à recuperação, já em 2006, na segunda divisão distrital da AF Algarve. «Eu e o Candeias fomos os primeiros treinadores, assim como o Eugénio, que esteve ligado ao projeto no início, e depois o Benje. Eu quis ajudar o clube e também via aquilo como uma forma de ajudar a que fossem criadas condições para eu receber», explica.

No decurso da segunda época, após um resultado negativo, Carlos Costa é afastado do cargo. Voltaria ainda na temporada 2013/14, como treinador-adjunto na II Liga, mas os laços estavam afetados pela dívida que persiste até aos dias de hoje.

«Em 2013, o Farense subiu à II Liga e, para isso, tinha de ter uma SAD. Formou uma nova SAD e para mim isso foi um problema, porque a minha dívida estava com a SAD antiga, que declarou insolvência mas que até me dizem que ainda está ativa, estranhamente. Entretanto, convidaram-me para adjunto da ‘casa’, mas senti que estava apenas a fazer número, parecia que estava ali por favor», lamenta.

Com uma dívida de mais de cem mil euros – para além de juros associados – assumida pela antiga SAD, que entrou em estado de insolvência, o nome histórico do Farense viu-se forçado a tomar uma medida drástica.

«Sempre pedi às pessoas do clube para me resolverem as coisas. A última coisa que queria era colocar o clube em tribunal. Porém, o tempo passou e tive mesmo de fazer isso. O meu advogado explicou-me que a única coisa que podia conseguir era a dívida do clube, pegando na tal declaração assinada por um responsável do Farense à época», refere.

Em dezembro de 2019, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro condenou o clube a pagar cerca de 32 mil euros ao antigo jogador, para além de cerca de 27 mil euros em juros vencidos. O Farense recorreu e, em agosto de 2020, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a dívida e a «má fé» dos Leões de Faro no processo.

«O que mais me custou é que, a certa altura, a posição desta direção do Farense foi que não tinham forma de saber sequer se eu alguma vez tinha jogado no clube. Aquilo doeu-me mais que a dívida em si. E a verdade é que, até hoje, nada mudou», remata, com enorme tristeza, Carlos Costa.

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