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Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas

Prometem reforço, entregam promessas: o retrato orçamental da saúde oral

10 out, 18:12

Em Portugal, falar de saúde oral é falar de uma ambição adiada. Décadas de políticas públicas demonstraram que, quando se trata de transformar promessas em investimento, esta área continua a ser tratada como secundária. O país orgulha-se do seu Serviço Nacional de Saúde, mas exclui a saúde oral da equação.

O Orçamento do Estado para 2026 volta a incluir referências à saúde oral, mas são, uma vez mais, insuficientes. O Governo anuncia a intenção de “reforçar a aposta na saúde oral como componente fundamental da saúde geral”, prometendo “maior acesso a cuidados preventivos e corretivos” e a “atualização e ampliação do cheque-dentista”. São medidas positivas e necessárias, mas ficam-se pela retórica. Não há metas, valores ou prazos. E, mais grave ainda, não há qualquer referência à criação de uma carreira pública de médico-dentista no SNS, uma reivindicação essencial para fixar profissionais e garantir equidade territorial no acesso a cuidados.

Neste momento, o país volta a discutir intenções quando o que falta é execução. O Orçamento fala em “estratégia sustentável” e “investimento baseado em evidência”, mas omite os elementos que realmente traduzem uma política pública: financiamento, planeamento e responsabilidade.

Continuamos a ser um dos países europeus com mais necessidades dentárias por satisfazer, por razões económicas. Mais concretamente, 8,2% da população portuguesa, de acordo com o relatório State of Health in the EU (2023), quando a média europeia é de 4,6%. Entre os portugueses em risco de pobreza, este valor sobe para 17,5%. Ou seja, um em cada três não consegue sequer pagar uma consulta. O Estado tem conhecimento disto há anos, e, ainda assim, a resposta continua a ser fragmentada, pontual e insuficiente.

Ao longo do último ano, a Ordem dos Médicos Dentistas tem alertado para a ausência de uma estratégia orçamental consistente. Existem gabinetes de saúde oral financiados com fundos públicos, nomeadamente do PRR, que permanecem encerrados ou estão subaproveitados. Há médicos dentistas disponíveis para trabalhar no SNS, mas sem uma carreira pública que lhes ofereça estabilidade e reconhecimento. Existem programas municipais de sucesso, mas sem um enquadramento nacional que lhes confira maior dimensão. É o retrato de um país que tem recursos e conhecimentos, mas a quem falta visão, estratégia e, sobretudo, coragem política para transformar a saúde oral numa prioridade real de saúde pública.

O país precisa de mais do que atualizações cosméticas do cheque-dentista. A melhoria do programa Cheque Dentista é igualmente essencial. Este programa deve ser ampliado e melhorado para cobrir uma gama mais ampla de cuidados dentários. Aumentar os valores de comparticipação e incluir novos tratamentos pode ser um passo importante para garantir que mais portugueses tenham acesso a cuidados dentários de qualidade, independentemente da sua situação socioeconómica.

A OMD tem procurado fazer parte da solução: apresentou contributos técnicos no âmbito do relatório SNS: Saúde Oral 2.0, defendeu a criação de uma carreira pública de médico-dentista e propôs uma articulação entre o Ministério da Saúde, as autarquias e os setores da segurança social, juventude e educação.  

Precisamos de um plano estruturado e financiado, com metas claras, execução transparente e acompanhamento público. Precisa de incentivos que fixem médicos dentistas no SNS e de um modelo misto que envolva também prestadores privados, garantindo comparticipações que tornem os cuidados acessíveis a todos. E precisa de transparência: sem saber quanto o Estado investe realmente em saúde oral, é impossível exigir resultados.

A OMD está disponível para colaborar com o Governo e para acompanhar a execução de políticas que façam a diferença. No entanto, também está preparada para exigir, com firmeza, o que é justo. Não podemos continuar a aceitar que, no século XXI, o acesso a cuidados dentários dependa da situação financeira de cada cidadão.

O OE 2026 é mais um teste à vontade política de enfrentar o problema. Se o Governo quiser, pode ser o ano zero de uma nova era — aquela em que o país finalmente decide incluir a saúde oral nas suas contas e nas suas prioridades. Se nada mudar, será apenas mais um orçamento que sorri nas palavras e se cala nos números.

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