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Correspondente nos Estados Unidos da América

Quando ser javardo vale a pena

30 out 2024, 07:30

Quando um humorista convidado por Donald Trump para o seu comício em Nova Iorque descreveu Porto Rico como “uma ilha de lixo”, o clamor ouviu-se por toda a América.
 
Mas esse não foi o único insulto ouvido naquela noite. Vários oradores, cada um à sua maneira, tentaram concorrer ao prémio “javardo da noite”, com um deles a alertar para a necessidade de travar “Kamala e os chulos dela”, numa insinuação de que a candidata democrata é uma prostituta de rua.
 
A campanha de Donald Trump desdobrou-se em desculpas, fazendo saber que não foi o candidato a dizer aquelas coisas e que o mesmo não se revê nelas. No dia seguinte, Trump chamou ao comício “uma festa de amor”.
 
Ou seja, apesar dos desmentidos, os oradores não disseram nada diferente do que pensa e diria o próprio Trump: estavam, apenas, a imitá-lo.
 
A falta de vergonha de Trump é lendária. E aumenta todos os dias porque faz parte de uma estratégia de autopromoção de alguém que valoriza, acima de tudo, o seu dinheiro e o seu ego.
 
Sempre que provoca uma polémica, Trump coloca-se no centro do circo mediático, e domina o palco político alimentando a tirando proveito de ciclos noticiosos cada vez inversamente proporcionais à importância do momento que o país atravessa.
 
Trump nunca erra, nunca se arrepende e tudo o que e faz reflecte a sua absoluta omnisciência. Logo, se decide gabar-se de agarrar os órgãos genitais das mulheres porque “quando és famoso elas deixam”, tem razão. Quando diz que “se eu der um tiro em alguém na 5ª Avenida isso não teria consequências”, tem razão. Quando diz, mentindo, que o seu comício de 6 de Janeiro de 2021 teve a participação de um milhão de pessoas, tem razão.
 
Quando insulta Kamala Harris como estúpida, pessoa de baixo Q.I., aliada de assassinos e terroristas que deixa deliberadamente entrar no país para que votem nela, destruidora da América que deve a sua carreira política a certos favores sexuais concedidos a um influente político da Califórnia, Donald Trump aspira a ser o maior javardo que jamais pisou o palco político mais importante dos Estados Unidos. Nada o preocupa, nada o detém, porque não há responsabilização.
 
Isso sucede, em parte, porque lhe é permitido dominar o palco mediático e, através dele, chegar à bolha onde os seus apoiantes acreditam apenas, e em tudo, o que ele diz, solidificando a sua posição política. Se assim não fosse, ele teria mudado de estratégia. Trump construiu uma imunidade quase total junto da sua base de apoio, que o segue cegamente. Ser javardo compensa.
 
E compensa de muitas maneiras. Estações ligadas à extrema-direita americana, e contas nas redes sociais, promovem Bíblias Trump, impressas na China, por 60 dólares; sapatilhas douradas Trump, produzidas em parte incerta, por 200 a 400 dólares; relógios suíços, feitos por uma empresa em Wyoming, dourados, mas sem ouro, por 100 mil dólares.
 
Trump não esconde ao que vem. Anuncia-o sem limites e sem vergonha. No dia 5 começará a saber-se se, como parece, ser javardo compensa, ou se há ali um travão que os eleitores americanos decidem accionar.

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