A solidariedade com a Ucrânia vai resistir ao próximo objecto brilhante ou aos próximos influencers que inevitavelmente vão aparecer nas redes sociais?
Há cerca de dois meses, escrevi que a Europa e a NATO tinham sido demasiado cautelosas na resposta às agressões russas contra estados soberanos que outrora integraram a União Soviética ou a sua cintura de influência.
A fraqueza da reacção às acometidas contra a soberania da Geórgia, Moldávia e Ucrânia, faziam antever a possibilidade de uma guerra na Europa, persuadindo Vladimir Putin de que o Ocidente não se lhe oporia com vigor.
Quase que não se enganou. Europa e NATO pareciam disputar o titulo do melhor sucedâneo de Neville Chamberlain, ao recusarem deixar claro a Putin que um ataque à Ucrânia teria consequências maiores do que umas sanções bem educadas.
E assim foi. Quando as primeiras tropas russas entraram na Ucrânia, os Estados Unidos não usaram a palavra “invasão”. De Bruxelas a Washington, adoptou-se um regime de sanções graduais, que se agravariam conforme a gravidade progressiva das acções russas.
Cedo se percebeu que nada podia dissuadir Putin. Restava castigá-lo, impiedosamente. Mas castigá-lo a sério era castigarmo-nos. Compramos o seu petróleo, o seu gás, temos investimentos multimilionários na Rússia, vendemos iates, condomínios de luxo e jactos privados aos oligarcas. Isto era tudo uma grande maçada. E assim corriam os dias, à espera que a Ucrânia claudicasse depressa para voltarmos todos a fingir a fingir que não foi nada.
Até Volodymyr Zelensky se tornar uma estrela nas redes sociais.
Com um misto de heroísmo, conversa franca e um realismo brutal sobre o que estava a acontecer ao seu país, o presidente ucraniano moveu almas e corações, comoveu e suscitou admiração. Como escreveu, esta semana, a CNN, “A Rússia tem os tanques e as tropas, a Ucrânia tem Zelensky”.
Zelensky levou com ele a opinião pública europeia e americana – levou-a a ver-se nas casas destruídas, nas crianças assustadas, nas mães em pranto – e a opinião pública arrastou os seus dirigentes. E depois, o próprio Zelensky arrastou os últimos renitentes, quando discursou numa cimeira de líderes europeus tendo, no relato do The Washington Post, comovido alguns dos presentes.
As sanções endureceram e passaram de medianamente mázinhas às mais graves possíveis para a economia russa e o bem estar dos seus oligarcas. Perder dinheiro na Rússia passou a ser uma inevitabilidade bem vista. Décadas de posicionamentos políticos sedimentados caíram a favor dos ucranianos que – contrariamente aos afegãos que na retirada americana se renderam abjectamente aos Talibã – enfrentaram, e enfrentam, com superior valentia um adversário em tudo maior, excepto na alma.
Nada disto teria acontecido sem o carisma de Zelensky, poderosamente projectado nas redes sociais que, desta vez, funcionaram para o bem. Resta saber até quando.
O maior perigo da Ucrânia não é a Rússia, mas o risco de abandono dos entediados que se desligam da longa marcha ucraniana – e vai ser tão longa – para seguir a próxima influencer acéfala de atributos físicos notáveis, ou o próximo vigarista com a solução mágica para enriquecermos milagrosamente em seis dias, sem trabalhar.
E se a Ucrânia não estiver na moda, o mundo esquece-se. E se o mundo se esquece, os dirigentes acobardam-se. E se os dirigentes se acobardam, volta tudo ao mesmo.
Pela Ucrânia, e por nós, isso não pode acontecer.