Cabrita, o ministro "passageiro" cuja viagem foi marcada por sucessivas polémicas

Cláudia Évora | Agência Lusa
3 dez 2021, 20:49

O agora ex-responsável pela Administração Interna foi o ministro com mais casos polémicos no Governo de António Costa

Eduardo Cabrita demitiu-se esta sexta-feira do cargo de ministro da Administração Interna, depois de meses envolvido em vários casos polémicos e de ser pedida várias vezes a sua demissão. A certa altura chegou mesmo a ser criada a hashtag #CabritaOut. 

A CNN Portugal contabilizou pelo menos 11 polémicas que envolveram o nome do ministro nos últimos anos:

  • Caso das golas anti-fumo;
  • A escolha da prisão de Caxias como centro de instalação temporária do SEF;
  • Detenção de menores pelo SEF;
  • Fuga de 17 migrantes marroquinos do quartel de Tavira; 
  • Agressões por parte da PSP a Cláudia Simões;
  • Morte de Ihor Homeniuk;
  • Reestruturação do SEF;
  • Trabalhadores agrícolas no Alentejo/Requisição Civil Zmar; 
  • Final da Champions no Porto; 
  • Festejos do Sporting; 
  • Atropelamente mortal na A6.

O até agora ministro da Administração Interna demitiu-se no dia em que o Ministério Público acusou de homicídio por negligência o seu motorista, pelo atropelamento mortal de um trabalhador da autoestrada A6, em junho deste ano.

Numa declaração aos jornalistas no Ministério da Administração Interna em que fez um balanço do seu mandato, Eduardo Cabrita referiu-se ao acidente que provocou a morte de um trabalhador na autoestrada dizendo que "mais do que ninguém" lamenta "essa trágica perda irreparável" e deixou críticas ao "aproveitamento político que foi feito de uma tragédia pessoal", algo que disse ter observado "com estupefação".

"É por isso que hoje não posso permitir que este aproveitamento político absolutamente intolerável seja utilizado no atual quadro para penalizar a ação do Governo, contra o primeiro-ministro, ou mesmo contra o PS. Por isso entendi solicitar a exoneração hoje das minhas funções de ministro da Administração Interna ao senhor primeiro-ministro", disse o ministro demissionário.

As polémicas

Eduardo Cabrita tomou posse como ministro da Administração Interna em 21 de outubro de 2017, substituindo Constança Urbano de Sousa, que se demitiu do cargo após os trágicos incêndios de 2017, e, em outubro de 2019, foi reconduzido depois das eleições legislativas.

Quando chegou ao Ministério da Administração Interna tinha como grande missão alterar e melhorar o sistema de combate aos incêndios rurais, depois dos fogos de 2017 que causaram milhares de prejuízos e provocaram mais de 100 mortos, mas o seu mandato foi marcado por várias controversas.

Entre as mudanças, Cabrita reforçou a profissionalização nos corpos de bombeiros através do aumento do número de equipas de intervenção permanente, bem como na aposta no Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR, atualmente denominado por Unidade de Emergência de Proteção e Socorro, que mais do que duplicou o dispositivo e passou a estar presente em todo o país para o combate e prevenção dos incêndios.

Ainda neste âmbito foi responsável pela reativação da carreira de guardas-florestais com a admissão de novos elementos, o que não acontecia desde 2006.

Foi no seu mandato que acabaram as fases de combate a incêndios, que foram substituídas por níveis de prontidão e o dispositivo passou a estar permanente ao longo do ano, além de terem aumentado os operacionais, viaturas e meios aéreos.

As golas anti-fumo

Mas foi também no seu mandato, em 2019, que surgiu a polémica das golas inflamáveis. Um caso que investigou suspeitas de fraude na obtenção de subsídio, de participação económica em negócio e de corrupção, nos contratos dos programas “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, nos quais foram distribuídos cerca de 70 mil kits com as golas anti-fumo, e “Rede Automática de Avisos à População” (SMS).

O gabinete do ministro da Administração Interna, do Terreiro do Paço, em Lisboa, chegou a ser alvo de buscas, assim como a Secretaria de Estado da Proteção Civil, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Comandos Distritais de Operações de Socorro e empresas que realizaram contratos com o Estado.

Este caso levou às demissões do adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, Francisco José Ferreira, e, mais tarde, do secretário de Estado da pasta, José Artur Neves, que foram constituído arguido no caso, como também o ex-presidente da Autoridade Nacional de emergência e Proteção Civil, Mourato Nunes.

As alterações ao SIRESP e o subsídio de risco

Depois das falhas apontadas à rede de comunicações do Estado durante os incêndios de 2017, Cabrita foi responsável pelas várias alterações ao SIRESP, que passou a estar dotada com mais 451 antenas satélite e 18 unidades de redundância, mas foram várias as vozes críticas à forma como tem gerido o processo.

Durante os cinco anos que esteve à frente do Ministério, Cabrita foi alvo de contestação, nomeadamente dos sindicatos da PSP e das associações socioprofissionais da GNR, sendo a mais recente a atribuição do subsídio de risco.

A morte de Ihor Homeniuk e a extinção do SEF 

Eduardo Cabrita ficará conhecido como o ministro que iniciou a reforma que vai levar à extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas também pela polémica em relação à morte de Ihor Homeniuk. Este foi dos casos em que o nome do ministro mais apareceu e mais danos provocou na sua imagem.

Na altura, afirmou estar de consciência tranquila em relação ao seu mandato e, perante os vários pedidos de demissão, sublinhou que a decisão de se afastar do Governo caberia ao primeiro-ministro.

Este cidadão ucraniano morreu em março de 2020 à guarda do SEF e o incidente motivou uma crise política, a que se seguiu uma reestruturação deste serviço, que Cabrita justificou estar há muito prevista no programa do Governo.

A extinção do SEF foi, entretanto, adiada por seis meses, para maio de 2022, com a aprovação Assembleia da República de um projeto de lei apresentado pelo PS que justificava o adiamento com a pandemia de covid-19.

Zmar e a requisição civil

O Zmar e toda a polémica em torno da requisição civil do complexo turístico voltaram a deixar Eduardo Cabrita no centro das atenções. 

No início de maio deste ano, um surto de covid-19 entre trabalhadores agrícolas migrantes no concelho de Odemira e as cercas sanitárias das freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve trouxeram para a ordem do dia as condições sub-humanas em que viviam esses trabalhadores e a existência até de tráfico de pessoas.

A requisição civil decretada pelo Governo para realojar estes imigrantes no empreendimento turístico Zmar colocou novamente o nome de Eduardo Cabrita na ribalta e novos pedidos de demissão regressaram à praça pública.

CDS-PP, PSD, Chega e Iniciativa Liberal pediram a demissão do ministro, acusando-o de não saber gerir a situação dos imigrantes em Odemira.

A forma como decorreu o processo de transferência dos imigrantes para o Zmar, feito pela GNR de madrugada e com forte dispositivo policial, gerou também uma onda de críticas.

O atropelamento mortal e os festejos do Sporting

O ministro da Administração Interna teve ainda como missão, no último ano, liderar a estrutura de monitorização do estado de emergência, decretado 15 vezes entre 2020 e 2021 devido à pandemia de covid-19.

Os festejos, em maio de 2021, do Sporting como campeão nacional de futebol e a forma como lidou com o acidente em que esteve envolvida a viatura em que seguia e que resultou no atropelamento mortal na A6 foram outros casos polémicos que marcaram os cinco anos em que Eduardo Cabrita esteve à frente do MAI.

Cabrita foi alvo de novas críticas pela sua atuação relativamente aos festejos dos adeptos do Sporting, que conquistaram o título de campeão nacional, que não acontecia há 19 anos. Milhares de pessoas estiveram nas ruas a comemorar e não foram cumpridas as regras de saúde pública devido à pandemia de covid-19.

Durante os festejos ocorreram confrontos entre os adeptos e a PSP e o Governo a anunciou a abertura de um inquérito à atuação da Polícia de Segurança Pública.

Apresentado 60 dias depois, um relatório da IGAI concluiu que “globalmente” a PSP “cumpriu a sua missão” durante os festejos do Sporting, mas também deu conta que o ministro validou os festejos do título de campeão, sem o parecer positivo da PSP e da Direção-Geral da Saúde.

Os resultados do inquérito motivaram mais críticas a Eduardo Cabrita, que ocultou este pormenor quando apresentou publicamente o relatório juntamente com a inspetora-geral Anabela Cabral Ferreira.

Liga dos Campeões no Porto

A forma como foi organizada a final da Liga dos Campeões de futebol, que decorreu no Porto, envolveu novamente o nome do ministro em polémica, com o PSD, CDS e Chega a pediram novamente a demissão, mais uma vez acusado de ter falhado no planeamento e organização.

Milhares de ingleses estiveram no Porto para assistir à final da Liga dos Campeões, num jogo com a presença de adeptos no estádio, e durante os últimos dias estiveram aglomerados no centro da cidade, a maioria sem cumprir as regras sanitárias ditadas pela pandemia de covid-19, como o uso de máscara, consumo de bebidas alcoólicas nas ruas e o distanciamento físico.

O percurso

Licenciado em direito, Eduardo Cabrita nasceu no Barreiro em 1961 e antes de chegar ao MAI já tinha estado, entre 2015 e 2017, no cargo de ministro Adjunto, e desempenhou funções governativas em outros executivos socialistas.

Foi secretário de Estado adjunto quando António Costa exerceu o cargo de ministro da Justiça, no último Governo liderado por António Guterres, tendo depois voltado às funções de governante no primeiro Governo liderado por José Sócrates, como secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

Membro da Comissão Política Nacional do Partido Socialista, Eduardo Cabrita foi deputado do PS nas IX, XI e XII legislaturas, entre 2002 e 2005 e entre 2009 e 2015, tendo integrado a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e a Comissão de Defesa Nacional.

No XIII Governo, Eduardo Cabrita desempenhou também o cargo de alto-comissário da Comissão de Apoio à Reestruturação do Equipamento e da Administração do Território.

Entre 2011 e 2015, Eduardo Cabrita presidiu à Comissão de Orçamento e Finanças e Administração Pública e, numa das reuniões da mesma comissão parlamentar, enquanto presidia aos trabalhos, protagonizou um episódio juntamente com então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, que invadiu as redes sociais e ficou conhecido como a “luta pelo microfone”.

Sentados lado a lado, os dois envolveram-se numa troca de argumentos que acabou com um “braço de ferro” por causa do microfone.

Reconhecido como um dos mais proeminentes dirigentes socialistas de Setúbal, círculo eleitoral por onde foi várias vezes eleito deputado nas listas do PS, Eduardo Cabrita foi também candidato a presidente da Federação Distrital do PS/Setúbal, em junho de 2012, mas não foi eleito, além de ter sido presidente da Assembleia Municipal do Barreiro entre 2002 e 2006.

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