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O jogo mudou. Mudarão os jogadores?

9 jun, 15:34

Pela altura da entrada do Outono em 2024, pairava sobre o país o espectro de novas eleições (ou, pelo menos, de um adensar da instabilidade política), devido à incerteza sobre a aprovação do Orçamento de Estado para 2025. Se é verdade que o Governo viu a sua proposta viabilizada na Assembleia da República, com a abstenção do PS, também não devemos ignorar que, a certa altura, as negociações entre os dois partidos pareciam fadadas a redundar num impasse.

Efetivamente, se, com a aprovação de Orçamento de Estado para este ano, parecia ter sido garantida uma almofada por parte do Governo, o facto é que as ironias do destino nos conduziram a uma nova ronda eleitoral que culminou, sensivelmente, nas mesmas condições de governabilidade, pelo menos no plano formal. Tal como no ano passado, a AD tornou a sair vencedora, ainda que sem conseguir alcançar a maioria absoluta. Para além do mais, destas eleições também não resultou a possibilidade de alcançar a maioria, através de uma coligação ou acordo de incidência parlamentar com qualquer dos partidos (nomeadamente a IL), para além do PS ou do Chega. 

Não obstante as semelhanças formais no que toca às condições de governabilidade, acontece que as condições materiais sofreram umas alterações consideráveis. Em primeiro lugar, a mudança mais notória foi a (mais que provável) substituição do PS pelo Chega como líder da oposição. Vendo-se a ocupar o posto de principal partido na oposição, o partido de André Ventura procurará fazer-se valer dessa posição, adotando uma posição, quiçá, ainda mais combativa. Um bom indicador disto é o facto de André Ventura ter anunciado que vai apresentar um governo sombra. Deste modo, o Chega, não só se posiciona para umas futuras eleições, ao mostrar-se “pronto para entrar em campo”, como também especializa o escrutínio ao Governo, uma vez que cada membro do governo sombra fica incumbido de seguir de perto o ministro respetivo no executivo.

Por outro lado, o PS encontra-se numa situação bastante fragilizada, na medida em que viu cair – com um certo estrondo, diga-se – o número de deputados na sua bancada parlamentar. Em consequência, Pedro Nuno Santos foi compelido, fruto das circunstâncias, a apresentar a demissão do cargo de Secretário-Geral socialista. Assim sendo, o contexto no qual o PS se encontra – tendo perdido o lugar de principal partido da oposição e com liderança interna ainda por definir – é de uma dolorosa fragilidade. Tomamos ainda maior consciência da situação do PS se pensarmos que, de 2023 para 2025, os socialistas passaram de partido de governo, com maioria absoluta, para nem conseguir ser o líder da oposição, podendo isto ser um forte indício de uma acentuada tendência de decrescimento nas intenções de voto. Além do mais, o PS já havia perdido, para o JPP, a sua posição como líder da oposição na Região Autónoma da Madeira, em Março passado. Nesta conjuntura, o PS enfrenta o desafio colossal de se impor a sua posição como oposição, ao mesmo tempo que terá de garantir estabilidade, de modo a tentar travar a sua espiral decrescente, que os poderá conduzir perigosamente para uma posição de irrelevância.

Deste modo, a AD também tem pela frente os seus desafios e oportunidades. Em primeiro lugar, o Governo terá de garantir a aprovação, na Assembleia da República, do seu programa de governo, dado que o PCP já anunciou que apresentará uma moção de rejeição. Ainda que se afigure como muito provável a sua aprovação, esta dificilmente não implicará cedências aos seus principais opositores. Em segundo lugar, e imediatamente após as eleições autárquicas, será do interesse do Governo que a proposta de Orçamento do Estado seja aprovada no parlamento, o que, previsivelmente, também exigirá concessões aos seus adversários políticos mais relevantes. Contudo, a AD terá de ter o cuidado mitigar o crescimento do Chega, ao mesmo tempo que poderá explorar angariar mais eleitorado de centro, promovendo ainda mais o esvaziamento do PS.

Simultaneamente, importa dar nota da correlação entre o crescimento do Chega e a diminuição da abstenção, ao longo dos últimos anos. Se repararmos, os anos em que houve um maior crescimento absoluto do Chega, no que diz respeito a votos e lugares na Assembleia da República – nomeadamente 2024 e 2025 –, foram também os anos em que se verificaram as maiores quedas da taxa de abstenção. Por conseguinte, poderemos, à primeira vista, concluir que, tal como no ano passado, o Chega continua a conseguir atrair eleitorado que andava de costas voltadas para a política.

Ora, este facto terá, forçosamente, de significar uma alteração de estratégia, por parte dos tradicionais partidos portugueses, que durante demasiado tempo pareciam ignorar o fenómeno abstencionista, na medida em que este não colocava em causa o statu quo. Contudo, a chegada do Chega veio romper com essa lógica, ao conseguir converter o desinteresse na política em atribuição de mandatos. Assim sendo, se antes o desafio para estes partidos era mobilizar os eleitores abstencionistas a votar, agora o verdadeiro (e mais difícil) combate passa por conquistar os eleitores recém-chegados às urnas e que hoje votam no Chega.

Em suma, a mais recente corrida às urnas trouxe, tal como em 2024, algo que talvez nos tenhamos de habituar: num plano meramente formal, um equilíbrio parlamentar precário e a ausência de soluções para que se alcance uma maioria clara, que garanta a estabilidade. Contudo, se, num plano formal, não houve grande mudança, a verdade é que o terreno político mudou no plano estrutural: o PS (e, em bom rigor, toda a esquerda) parece ter começado uma jornada que pode culminar numa travessia no deserto, ao passo que o Chega cresce com a descrença dos que antes nem votavam.

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