Folhetim de voto | Noitário da noite que mudou tudo

19 mai, 08:49
Legislativas (Lusa)

Diário de uma noite (portanto, noitário) de emoções fortes e resultados históricos. Como a direita disparou, a esquerda jazeu, e a governabilidade ficou quase na mesma, segundo os protagonistas, os comentadores e os resultados, pela ordem em que tudo aconteceu

18h57. Pedro Nuno Santos chega ao Altis, o hotel onde há anos o PS monta quartel-general em noites eleitorais. O PS foi visionário e agora, nestas noites, quase deixou de haver sedes de campanha, e passámos a falar em “hotel de campanha”. No caso de Luís Montenegro, foi literalmente um regresso a casa, ao hotel Epic Sana, onde dormia até ser “forçado” a mudar-se para a Residência Oficial de São Bento. Até o PCP cedeu à tendência burguesa e hoteleira. Apenas foi ultrapassado pela direita pelo Livre, que em vez de um hotel alugou um palácio.

19h00. Carlos César, também à porta do Altis, confirma que, “claro que sim”, estava preparado para todos os cenários. “Temos essa obrigação.” Luís Montenegro falha a promessa de chegar ao hotel de campanha às 19h. Começa mal…

19h09. O Livre é o primeiro partido a reagir às projeção de subida da abstenção. “As pessoas estão cansadas… provavelmente as pessoas não foram votar… é claro que não foram, não é?... se a abstenção aumentou…”

Montenegro chega ao hotel na noite eleitoral (Lusa)

19h11. O líder da AD sai atrasado da sede nacional do PSD, acompanhado da mulher e filhos, a família que queria proteger de uma comissão parlamentar, mas que apareceu várias vezes ao seu lado durante a campanha. O carro primoministerial é seguido pelas câmaras das televisões, que acompanharam o percurso em direto até ao hotel. Nem o atraso nem o rosto do primeiro-ministro (que mal se vê) permitem leituras políticas. A traseira do seu veículo também não, o que não desencorajou os diretos em todos os canais de informação.

19h16. Rui Paulo Sousa, do Chega, surpreende o país, saudando um valor da abstenção “mais baixo do que no ano passado”. Provou também que a ignorância dos factos não cala nem calará o Ch. De facto, a abstenção subiu, mas ligeiramente, para 35,62% (compara com 33,8% no ano passado.) Parece pouco? Sim, mas ainda lhe falta somar a enorme abstenção dos círculos da emigração.

19h24. Montenegro chega a casa; perdão; ao hotel de campanha. Sorri e garante que ainda não tem “nenhum” discurso escrito. Há um ano tinha dois; um para a vitória, outro para a derrota. 

19h32. Pedro Vaz, do PS, começa a reagir aos números da abstenção, trava a fundo, cala-se, sai do palanque, volta, recomeça a falar, não diz coisa nenhuma, e sai outra vez do palanque.

19h38. “Há uma coisa que é um facto: as sondagens tendem a subestimar a votação no PS”, diz Alexandra Leitão, acrescentando que acredita “numa vitória do PS”, minutos antes de a realidade a desmentir sobre as sondagens e sobre o resultado do PS.

19h43. Rita Matias, do Chega, elenca as duas principais questões que espera ver respondidas nas próximas horas: 1) contrariando a declaração do seu colega de bancada que havia saudado o recuo da abstenção, Rita Matias espera para saber se a abstenção sobre ou desce (menos abstenção são mais votos do Ch, resume a deputada - a noite não confirmaria esta teoria) e 2) “quem vai ficar em segundo lugar”. O que é que ela sabe que eu não sei?, devem ter-se questionado alguns portugueses, habituados à rotação entre PS e PSD no primeiro e segundo lugar.

Rui Tavares (Lusa)

19h46. Rui Tavares diz que está “sereno e de consciência muito tranquila”. Tantas vezes acusado de ser um intelectual, que é quase um pecado mortal nos dias que correm, o líder do Livre explicou a sua “posição muito simplista sobre a abstenção: mais abstenção é mau, menos abstenção é bom.

19h48. Carlos Moedas vai ao hotel do PSD para “dar um abraço” ao líder do PSD e acaba a dar um abraço a si próprio, pela limpeza da zona do Marquês de Pombal, onde horas antes houvera a festa do Sporting. Infelizmente, aquele grau de limpeza só se via mesmo ali, na zona da previsível festa da AD. 

19h51: “As minha inquietações são muitas”, confessa, de forma presciente, Mariana Vieira da Silva. Poupa-se a elencá-las. Haveria de se perceber porquê.

19h52. Sebastião Bugalho, eurodeputado e comentador da TVI-CNN, não resiste à tentação e apressa-se a anunciar que “a AD não fica só à frente como reforça a sua votação”, e que “há uma coisa que podemos dar por certa, é que Luís Montenegro continuará primeiro-ministro, e há uma coisa que não podemos dar por certa, é que Pedro Nuno Santos continuará líder da oposição”. E assim Bugalho violou a regra de não anunciar resultados antes do fecho das urnas nos Açores.

20h. Todos os canais apresentam a sua projeção dos resultados eleitorais.

A da TVI-CNN/ Pitagórica: AD - 29,1% a 35,1% (90 a 100 deputados); Ch - 19,5% a 25,5% (50 a 70); PS - 19,4% a 25,4% (50 a 70); IL - 5% a 8% (6 a 14); L - 3,2% a 6,2% (4 a 10); CDU - 1,3% a 4,3% (1 a 5); BE - 1,1% a 4,1% (1 a 5): PAN 0,5% a 2,5% (0 a 2)

20h03. No hotel da AD o ambiente é de festa; no hotel do PS o ambiente é fúnebre – mas um daqueles funerais a que tardam a chegar os enlutados. A sala quase vazia do Altis, com as bandeiras embrulhadas e atiradas a um canto, no chão, é uma radiografia da alma do PS.

André Ventura chega para a noite eleitoral (Lusa)

20h06. No hotel do Chega Pedro Pinto nem dá tempo ao povo para digerir as projeções, e faz imediatamente uma declaração a cantar vitória: mais percentagem, mais votos, mais deputados. “Ainda não sabemos se vamos ficar em segundo ou terceiro lugar; aquilo que sabemos é que o sistema já está a tremer” – e a sala explode em aplausos e gritos de “Chega! Chega!”. “O Chega quebrou definitivamente o bipartidarismo em Portugal e assume-se como grande alternativa de Governo. Em todas as sondagens o Ch é essencial para uma maioria de Governo.” Sim. Mas, sendo o Ch, é mais provável que se transforme num buraco negro do que num parceiro de Governo.

20h08. Sérgio Sousa Pinto em serviço de comentariado na TVI-CNN. “Estas sondagens são fáceis de interpretar: são uma calamidade para o PS. A magnitude do desastre é a única notícia da noite. A confirmarem-se os resultados destas previsões, isto é um desastre de proporções históricas e que obrigará o PS a tomar decisões rápidas.” Sousa Pinto resume o essencial: a AD maior que a esquerda toda junta, a AD com mais deputados do que a esquerda toda junta, o PS empatado ou atrás de um partido radical de extrema-direita, o fim da bipolarização esquerda/direita em Portugal, a direita a rondar os 60%, e uma diferença de 10p.p. entre AD e PS. “É dificil imaginar pior, e PS terá de enfrentar decisões difíceis”, sentencia o homem que à última hora saltou fora do desastre, pondo-se fora das listas de candidatos. “O futuro do PS está em causa e o PS tem de perceber: ou acaba com esta direção ou esta direção acaba com o partido.”

20h13. “A AD ganhou estas eleições, e com uma maioria maior, como tinha pedido”, diz Paulo Rangel. O não é não ao Chega continua válido? “O PSD e o CDS na coligação AD cumprem a sua palavra”, garante o ministro.

20h16. António Vitorino vê uma “alteração estrutural do sistema partidário”: “não é uma bipolarização, é uma tripolarização, por enquanto, veremos como evolui posteriormente.” Admite que “o Ch é provavelmente o maior ganhador desta noite”, no que será coberto de razão, e nota que “AD e IL não têm maioria absoluta, mas juntos têm mais do que a esquerda e isso é uma alteração substancial.” Mais: “Não está garantido nestes resultados que a esquerda tenha pelo menos um terço dos votos” - Vitorino, que foi juiz do Constitucional e negociou várias revisões da Constituição, sabe a importância disto.

20h19. “O povo português disse que o erro [de Luís Montenegro no caso Spinumviva] é irrelevante”, comenta José Miguel Júdice, que põe no tornozelo de Pedro Nuno o grilhão de ser o novo Constâncio. Lembra que em 1987 Constâncio deu 10 anos de governo ao Cavaco, “o maior erro da história da democracia. O segundo maior erro da história da democracia foi do Pedro Nuno Santos, ao chumbar a moção de confiança.” “Um erro fatal para ele e que pode ser fatal para o PS.”

20h21. “O que muda as coisas não é porque a esquerda deixa de poder fazer oposição ao Governo, é porque o Ch tem de passar a votar contra o Governo para liquidar as posições de um Governo possível AD-IL. A questão não é se a esquerda é relevante ou deixa de ser. O Ch é que agora perde margem de manobra e isso é uma vitória de Luís Montenegro” – Miguel Morgado dixit.

20h22. Pedro Frazão, naturalmente ainda impressionado com os desarranjos esofágicos do seu líder, sinalizou “quatro glups” vindos da esquerda, que eram “quatro sapos a serem engolidos” pelo “comunismo e socialismo”. Não ficou claro se os sapos eram uma referência subliminar aos ciganos, ou vício de veterinário.

20h26. Segundo Sérgio Sousa Pinto, o PS “tem de dizer esta noite” que viabiliza o Governo, para não o deixar nas mãos dos extremistas do Ch. Nota que “o destino do PS está nas mãos dos seus autarcas”, que vão a votos o outono em terrenos que a AD e o Chega secaram, e iliba em parte Pedro Nuno da hecatombe que está à vista. “É impossível num ano destruir um partido. São oito ou 9 anos que estão a ser cobrados” – ou seja, António Costa é tão derrotado como Pedro Nuno.

20h29. António Filipe, na boa tradição do PCP, canta a vitória possível. “Há  pouco tempo ouvi dizer que a CDU ia desaparecer, portanto a CDU não vai desaparecer e pode manter as posições que tem na Assembleia da República. Obviamente que esse vaticínio de que íamos desaparecer do Parlamento não se vai verificar.

20h30. “Ainda está tudo um bocadinho atordoado”, confessa o socialista Marcos Perestrello

20h31. André Ventura sai da missa numa igreja da Baixa de Lisboa, e tira selfies com apoiantes, a quem agradece “as vossas orações”. Antes de ir para o Hotel Marriot, ainda se mostra um pouco combalido, e finge-se surpreendido com os dados que os jornalistas lhe dão. “Ser for isso que me estão a dizer é um resultado histórico. É uma grande vitória, mas não é ainda o objetivo que queremos, que é ser Governo.”

20h32. Sem alternativas, o bloquista José Manuel Pureza promete que “a partir de amanhã temos de - esquerda e BE - refletir sobre o que está a acontecer e temos de avaliar as nossas condições para ajudar a organizar uma resistência e uma alternativa a este estado de coisas.” No universo Star Wars, os anúncios da resistência são sempre um pouco mais eloquentes e convincentes, mas cada um tem o argumentista que merece. 

20h35. “Está a ser uma luta ombro a ombro entre o PS e o Ch”, anuncia José Alberto Carvalho. A AD está lá para a frente, nem se vê desta luta.

20h39. Hugo Soares é o primeiro laranjinha a reclamar a vitória da coligação. “O País reforçou a confiança no Governo de Portugal e no chefe de Governo, doutor Luís Montenegro” – a forma como enfatizou a palavra doutor contrasta com o tu cá tu lá do “Luís” da campanha. Isto vai fiar mais fino.

20h43. Perante uma revolução no sistema partidário, Sebastião Bugalho acha que a reflexão necessária é sobre a Comunicação Social. “Como é que estivemos 2 meses e meio em que praticamente televisões todos os dias diziam o mesmo que o PS, que o PM era desonesto (repetiu isto 3 vezes) e no fim do dia a expressão popular sobre essa situação é antagónica e oposta àquilo que estava nas televisões? As televisões e a comunicação social incorrem no risco de as pessoas acharem que as televisões estão numa realidade alternativa.” Miguel Sousa Tavares acusa Sebastião de “fazer a defesa da justiça popular, por via eleitoral.” Talvez a próxima proposta de revisão constitucional do PSD possa eliminar o poder judicial e substituí-lo por plebiscitos. Ou por episódios especiais de A Sentença, que é líder de audiências.

20h48. André Ventura chega ao hotel eleitoral do Chega. Traz o casaco devidamente vestido, não tem pensos à mostra, parece recomposto dos achaques dos últimos dias e faz-se de novas  “Eu vim da missa agora, não olhei para nenhum resultado a não ser as vossas projeções”. Mas tem duas certezas: “matámos o bipartidarismo” e “não é a minha saúde que importa, é a saúde da democracia que importa.”

21h05. Pedro Nuno Santos consegue ser eleito por Aveiro.

21h08. Pedro Benevides, o nosso homem da magic wall, mostra que “as bolsas de entrada do Ch vêm de baixo [Sul] e percorrem todo o país. Ou seja, onde antes era rosa ou laranja, agora está a ser rosa ou azul” – a demonstração visual do combate local entre PS e Ch (por exemplo, em Setúbal), com o partido de Ventura em muitos casos a ultrapassar os socialistas. “Eu lembro-me de estarmos a olhar para um mapa inteiramente cor de rosa, não foi há muito tempo, foi em 2022, quem nos diria que 3 anos depois estávamos neste estado.”

21h15. “De onde é que vieram estes votos do Chega? Se a abstenção não diminuiu e se a AD cresceu, e o PS caiu, parece-me claro que há um movimento sociológico e eleitoral do PS para o Chega”, diz Sebastião Bugalho. “Como já houve da CDU para o Chega”, acrescenta Miguel Sousa Tavares, que sublinha “uma situação verdadeiramente inédita: um Governo de centro-direita e a oposição liderada pela extrema-direita.

21h18. Sérgio Sousa Pinto insiste na sua: falhada a estratégia de Pedro Nuno, “o que compete ao PS é criar condições para que o PSD governe (...) e deixar o Ch num lugar marginal e insignificante.” Será, a seu tempo, contrariado por Pedro Nuno. Mas será um Pedro Nuno humilhado pelos resultados.

21h35. “Até ao momento, nenhum partido à esquerda do PS elegeu qualquer deputado, e as horas avançam”, diz Sandra Felgueiras

21h36. Sousa Pinto não exclui a possibilidade de ser candidato à liderança do PS. “Primeiro é preciso alguém que queira”, responde em abstrato. E SSP quer? “Quero ver o que é que o partido tenciona fazer e vou acompanhar com interesse que análise é que o partido faz. O partido pode optar por enganar-se a si próprio (...), é possível fantasiar sobre as causas deste resultado e não querer ver a verdade: que o PS não falou para o conjunto da população portuguesa, para todos os extratos sociais e etários como é próprio de um grande partido como o PS.” A elaboração que se segue, sobre retomar o ADN do “PS de Mário Soares”, com respostas concretas para os eleitores em geral, é quase um programa de candidatura

21h39. O JPP, da Madeira, elege um deputado antes do Livre, da CDU ou do BE. 

21h46. Fechada a contagem de votos em Évora, é o único distrito onde o PS vence.

21h53. Sebastião Bugalho, que deve a sua carreira política à exposição televisiva que teve, sobretudo nos anos de maiorias socialistas, insiste que as televisões devem ter comentadores à medida dos resultados eleitorais. “Proporcionalidade e representatividade”, defende. “Quantos comentadores é que havia a propagar e a difundir a narrativa do PS ou muito parecida, e quantos é que havia a defender o Luís Montenegro? Eu tenho aqui os números, posso dizê-los.” Não disse. É pena. Com nomes, isso é que era. Sousa Tavares diz o óbvio: “Esse é um caminho muito perigoso, vai acabar como o Trump a escolher os jornalistas que podem andar no avião [presidencial].”

22h00. Chega vence Beja e Portalegre, e a sala levanta-se em cânticos.

22h09. O Livre elege segundo deputado e entra em modo de festa. Rui Tavares aparece pela primeira vez para corrigir as suas gentes. Em vez de “não passarão”, quer ouvir a palavra de ordem “Vamos vencer”. “Eu não quero que vocês resistam, eu quero que a gente ganhe.” Vai levar tempo.

22h14. “Aquilo para que os resultados da CDU parecem apontar é para um quadro de resistência”. João Ferreira, mais uma voz à esquerda a apelar à resistência e, quem sabe, à clandestinidade.

22h19. A AD vence em Braga. É o distrito onde a lista socialista era liderada por José Luís Carneiro, adversário de Pedro Nuno na disputa interna socialista em 2023. Os socialistas bracarenses ficam 13 pontos atrás da AD (a média nacional será 9 p.p. de diferença), mas a lista liderada por Carneiro (23%) conseguiu ficar à frente do Chega (22%), embora por uma unha negra. Não é exatamente auspicioso, mas quem não tem cão caça com gato. Braga marca também a noite da não reeleição de Francisco Louçã, um dos três fundadores do BE chamados de volta à luta para liderar listas eleitorais – nem Louçã, nem Fazenda, nem Rosas foram reeleitos ou travaram a queda do BE.

22h23. António Vitorino ainda não desfez o tabu sobre uma candidatura presidencial (que manifestamente não o excita), mas exercitou o seu venenoso sentido de humor: “Esta é seguramente uma noite de grande alívio para Nuno Melo, porque não há nenhuma inevitabilidade histórica nestes resultados de que a IL entre para a coligação, o que tinha deixado muito nervoso o CDS.” “Como é óbvio”, diz que o PS viabilizará o Governo.

22h27. A projeção da CNN indica que o BE pode ficar reduzido a uma deputada, Mariana Mortágua, deixando de ter grupo parlamentar.

22h28. Fernando Medina comenta a hecatombe socialista. “Dos piores resultados, se não mesmo o pior resultado da sua história”, se não nos números, no significado e no contexto político: “Ficar atrás de um partido de extrema-direita” é algo “que nos deixa chocados.” Historicamente, este é um adjetivo carregado de significado entre os socialistas, e Medina foi buscá-lo à memória do PS. Mas nas declarações ao Now não vai além disso: fica à espera do que Pedro Nuno diga, e do que diga Luís Montenegro sobre as relação da AD com o Chega e com as “propostas mais radicais” da IL. “Se [Montenegro] manifestar vontade de diálogo mais estruturado com PS, o PS deve ter portas abertas para fazer esse diálogo no sentido de assegurar uma solução de Governo que exclua a extrema-direita da esfera da governabilidade e que assegure a governabilidade.”

22h46. O PCP respira de alívio e celebra a eleição de Paulo Raimundo e Paula Santos como se tivesse vencido as eleições. “Com toda a confiança, a CDU avança”, é o slogan. Até ver, o “avanço” é para trás.

22h48. Ana Gomes sintomatiza a desorientação de alguns setores do PS ao considerar que “se o PS ficar à frente [do Chega] não há razão nenhuma para o Pedro Nuno se demitir e não continuar.”

23h03. Mariana Mortágua, com keffiyeh sobre os ombros, é a primeira líder partidária a encerrar a sua noite, ainda sem qualquer deputado eleito – nem a própria. Apesar do afundanço, diz que “foi uma boa campanha para o BE, foi a campanha necessária para enfrentar estes tempos difíceis. A esquerda tem uma derrota importante, o BE tem uma grande derrota esta noite e é importante assumir essa derrota com toda frontalidade e toda a humildade.” Apesar da derrota e da humildade, Mariana diz que vai recandidatar-se à liderança. Foi aplaudida e ovacionada pela sala como se fosse uma vencedora. “O BE está aqui!”, disse Mortágua. Tirando os que estavam com ela na Casa do Alentejo e os apenas 282 mil eleitores do Bloco, mais ninguém parece querer saber. 

23h11. Ainda Mortágua respondia às perguntas dos jornalistas quando se confirma a sua eleição. Um mandato para o BE, selado de punho direito erguido e cantando A Internacional. “Quase um delírio”, comentou um dos repórteres no local.

23h17. Paulo Raimundo pede desculpa pela “voz um pouco rouca, não foi dos festejos de ontem à noite, podem ter a certeza”. A abordagem pelo humor não descongelou a sala. O secretário-geral comunista classificou a campanha da CDU como “uma notável jornada”. Tinha, nesse momento, três deputados eleitos, mas anunciou “com grande satisfação” que manteria o mesmo número de deputados de 2024, ou seja, manteria o pior resultado de sempre do PCP (quatro lugares) – nem isso; a realidade voltou a intrometer-se e a CDU ficou com três deputados, pior do que o seu pior resultado. O secretário-geral comunista elencou uma lista de razões exógenas que justificarão o resultado, e nem por um segundo lhe ocorreu qualquer responsabilidade da CDU no seu próprio mau desempenho eleitoral. Nada de novo, portanto.

23h27. Magnânimo, Luís Montenegro dá a Nuno Melo alguns minutos de palco, para aquecer a sala. “Que lhes sirva de lição”, diz o líder do CDS aos socialistas, a quem pede “sentido de responsabilidade”. 

23h29. Inês Sousa Real respira de alívio no último momento possível: quando se conta a derradeira freguesia, a líder do PAN consegue ser eleita

23h30. Contas fechadas. Pode vê-las aqui. AD, Chega, IL e Livre sobem a sua representação parlamentar; PS, CDU e BE caem, com o partido de Mortágua a registar a maior queda relativa, de cinco para um lugar no Parlamento. PS e Chega empatam em 58 deputados (o melhor resultado do Ch, um dos piores do PS), com os socialistas apenas com 50 mil votos de vantagem. Mas falta contar os votos da emigração que, tudo indicam, deverão sorrir ao Chega. Ou seja, daqui a uns dias deverá consumar-se o facto inédito do PS como terceira força partidária.

23h32. Rui Tavares, com uma bancada de seis deputados (tinha quatro), propõe-se “dinamizar um grande movimento que é o início da reviravolta”. Não apenas para Portugal, mas “para a Europa e para o Mundo”. A resistência contra-ataca.

23h36. “Boa noite liberais”, é a saudação de Rui Rocha, que consegue mais um deputado do que em 2024. “Não foi possível crescer mais, mas fizemos tudo o que pudemos”. E quem dá o que tem a mais não é obrigado. O resultado da IL não chega para dar a maioria absoluta a Montenegro, o que tem desvantagens e vantagens: Rocha terá de guardar os seus “ministros” para outra oportunidade, mas fica desobrigado de negociar um programa de governo com a AD. “As maiorias possíveis estão constituídas”, portanto os liberais podem ser “fiéis” a si próprios e não precisam de “trair a confiança daqueles que votaram em nós”. Quase convenceu a audiência de que era um alívio não chegar ao Governo.

23h55. O elevador do Altis volta a ser protagonista de uma noite eleitoral. A espera faz-se com contas: o PS perde 20 deputados, a esquerda míngua como nunca, e a ala direita do Parlamento é maior do que alguma vez foi. Toda junta, pode fazer uma revisão constitucional sem dar cavaco (salvo seja) ao PS. O PS também se torna irrelevante para aprovar leis de valor reforçado, e para as escolhas dos nomes indicados por dois terços pelo Parlamento, como Tribunal Constitucional, Conselho Superior de Magistratura ou Ministério Público.  

00h00. Pedro Nuno Santos sai do elevador e sobe ao palanque. Vem com a mulher e com Carlos César, que em boa hora se tinha declarado pronto para qualquer resultado. É aplaudido e ovacionado por dois minutos. “PS, PS!”; “Pedro, Pedro!”. “Boa noite, camaradas… São tempos duros e difíceis para a esquerda, são tempos duros e difíceis para o PS... Foi uma campanha alegre, entusiasmada, com a participação de um partido que estava unido a apoiar-me…” Tudo o que Pedro Nuno diz tem um piquinho a realidade alternativa. Diz que fez “uma boa campanha” e “tudo o que estava ao nosso alcance, mas não conseguimos ganhar estas eleições” – e esta última frase ganhou o prémio de maior eufemismo da noite

Sobre o futuro: “A mim não cabe ser o suporte do Governo e penso que esse papel também não deve caber ao PS”, e o povo aplaudiu. Apresentou três razões, com a primeira a cavar um abismo entre os dois partidos centrais do regime: “Luís Montenegro não tem a idoneidade necessária para o cargo de PM e as eleições não alteraram essa realidade”. O argumento de campanha, mesmo invalidado pelos eleitores, continua a queimar pontes. Arrumado o Governo, PNS virou-se para o provável maior partido da oposição: “A extrema-direita deve ser combatida sem complacência, com coragem e firmeza, olhos nos olhos”. 

E agora, Pedro? E tu? “Acho que honrei a história do partido”, “assumo as minhas responsabilidades como líder do partido” –  vai pedir eleições internas, “às quais não serei candidato”. Pedro Nuno Santos, o homem que sempre soube que seria primeiro-ministro, que toda a vida fez por isso, desiste assim, aos 48 anos? “Como disse Mário Soares, só é vencido quem desiste de lutar, e eu não desistirei de lutar. Até breve, obrigado a todos.” Ah!, vai andar por aí, apesar de ter jurado que deixa "de ser secretário-geral a partir do momento em que puder. Se puder ser já…”, olhando para Carlos César. César não o libertou das suas obrigações. “Como sou militante do PS continuarei a dizer aquilo que penso sobre o PS.” Para início de conversa, disse tudo o que acha que o seu sucessor deve e não deve fazer. Ainda não há novo poder no PS, e já há “resistência”, para usar uma das palavras da noite.

00h18. Ventura, a caminho do púlpito, não resiste a cortar o tempo de antena de Pedro Nuno, fazendo declarações ambulantes aos jornalistas quando o socialista ainda falava. “Hoje é o meu momento.” Parecia totalmente recomposto das recentes aflições de saúde. E pronto para diversos ajustes de contas. Com as empresas de sondagens, com jornalistas e comentadores, com os 50 anos de história desde o 25 de Abril. Reclama para si, sozinho, qual Super-Homem, já sem as chagas da semana passada, a derrota do “partido de Mário Soares”, o enterro do “partido de Álvaro Cunhal”, ter varrido do mapa “com uma pinta” o Bloco de Esquerda. Quando ouvirem as feministas falar em empoderamento, sentir empoderamento é isto

Eis “algo que nunca aconteceu desde 25 de abril de 1974: o Chega tornou-se nestas eleições o segundo maior partido” – estava cumprido o objetivo de acabar com o bipartidarismo. Elenca distritos que venceu, Setúbal, Beja, Algarve, Portalegre… e destaca a vitória no concelho de Sintra, “a minha terra natal”. “Nada ficará como dantes em Portugal a partir da noite de hoje.” Se Pedro Nuno levou o prémio do eufemismo da noite, Ventura ganhou a ironia da noite: “Sei que hoje nas tvs, nos jornais e em muitos lobbies deste país há uma azia muito grande”, diz o homem que pôs o país a falar de refluxo esofágico (a.k.a., azia).  E também conquistou o segundo lugar no campeonato da ironia: Ventura, que acabou a campanha eleitoral a chorar, teve a sua gente a dirigir a Pedro Nuno Santos o cântico “Chora, Pedro”. Se o socialista denunciou a maior agressividade do Chega, Ventura respondeu: “Meus caros, eles ainda não viram nada!” A sala exultou. Está feito o aviso.

00h42. Abrem-se as portas do elevador que traz Luís Montenegro no exato momento em que André diz que “o André vai ser nosso primeiro-ministro”. Luís, o primeiro-ministro de facto e grande vencedor da noite, com mais 3 pontos percentuais do que há um ano e mais 9 deputados, teve de abrir caminho numa sala apinhada, acompanhado pela família toda, que subiu ao palco, incluindo a mãe. O resultado é claro, segundo o vencedor: “Os portugueses não querem mais eleições antecipadas. Querem uma legislatura de 4 anos.

E como irá Montenegro garantir essa governabilidade, tendo uma mas mais magras maiorias da nossa democracia? O Luís explicou: “Ao Governo e ao primeiro-ministro caberá executar o programa que foi apresentado”, e “às oposições caberá igualmente respeitar e cumprir a vontade popular, honrando os seus compromissos e as suas propostas, mas adequando-as às circunstâncias nacionais e coletivas.” Traduzindo por miúdos, Montenegro governará com o seu programa, fingindo que mais de 60% do eleitorado não votou noutros programas, e sugerindo às oposições que se “adequem à circunstâncias”.

Que são quais? “O povo quer este Governo e não quer outro. O povo quer este PM e não quer outro. O povo quer que este PM e este Governo respeitem e dialoguem com as oposições, mas também quer que as oposições respeitem e dialoguem com este Governo e este PM”. Como plano de estabilidade não parece estar ainda muito bem consolidado. Sobretudo quando Montenegro reafirmou o “não é não” ao Chega e deu pouca corda à IL.

Administração pública, imigração, segurança, pensionistas, os temas de campanha, foram temas do discurso de vitória. O ecrã dividido da emissão da CNN mostrava André Ventura em plena rave, enquanto Montenegro agradecia a “chama de portugalidade que nos foi transmitida”. 

00h47. Durante a conferência de imprensa de Montenegro, o Expresso noticia que José Luís Carneiro se recandidata à liderança do PS

01h02. Montenegro aceita responder a perguntas de jornalistas, depois de toda uma campanha sem dar entrevistas e limitando ao mínimo as declarações à comunicação social. Sustenta a “grande vitória” no facto de ter mais votos e mais deputados, mas também numa conta algo esdrúxula: “multiplicámos por dez a diferença entre o primeiro classificado e o segundo classificado. É uma maioria maior do que aquela que tínhamos.”

E sobre o caso da empresa familiar Spinumviva, que fez cair o Governo com o chumbo de uma moção de confiança, Montenegro mostrou estar articulado com o eurodeputado/comentador Sebastião Bugalho: “A moção de confiança que o povo português endereçou hoje ao Governo é suficiente para que todos assumam as respectivas responsabilidades.” Ou seja, o plebiscito, como o batismo nas águas do Jordão, limpou o Luís de todos os pecados. Vai em Paz, e AD te acompanhe. 

“O que nós exigimos é que nos deixem governar, nos deixem trabalhar”. Ah, pois!, faltava aquele refrão cavaquista, para frisar genealogias. Serão tempos interessantes.

01h20. Sérgio Sousa Pinto enxuta a candidatura à chefia do PS para o voluntário José Luís Carneiro, que já se apresentou ao serviço. “É uma excelente notícia.” Pudera.

 

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