opinião
Diretor de Assuntos Públicos na ALL Comunicação e ex-adjunto nos Governos de António Costa

Pode ser genial fazer uma corrida entre um Ferrari e um burro numa campanha eleitoral

14 mai, 17:34
Ferrari Burro Gif

Diz-se que esta campanha eleitoral é pobre. Que falta conteúdo, que sobra encenação, que os líderes partidários andam desesperados porque jogam vólei, dão mergulhos e sobem para motas em busca de atenção. É uma crítica velha, renovada a cada ciclo: a de que as campanhas são hoje mais espetáculo do que substância. Talvez. Mas não me somo a esse coro.

É verdade que há um problema de mensagem nesta campanha. Há dificuldade em renovar propostas com sentido de futuro, especialmente quando enfrentamos as segundas eleições legislativas no espaço de um ano e sem tempo político para amadurecer soluções. A dissolução do Parlamento apanhou os partidos a meio de processos de renovação de mensagem ou de adaptação do discurso ao novo equilíbrio político. Há, sim, uma crise de clareza estratégica. Mas confundir essa fragilidade com a superficialidade de um mergulho ou de um jogo de praia é cair na crítica preguiçosa.

A política precisa de atenção. E precisa de corpo – de presença física, de gesto. Ir à rua, fazer arruadas, aparecer na feira, mergulhar no mar – tudo isso faz parte da gramática de uma campanha. António Costa, quando se candidatou à Câmara de Loures, fez uma corrida entre um Ferrari e um burro (ver vídeo em baixo a partir de 1m37s) para ilustrar os problemas de mobilidade no concelho. Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto candidato à Câmara de Lisboa nas eleições de 1989, deu um mergulho no Tejo, guiou um táxi durante um dia e passou uma noite num camião do lixo para limpar as ruas da cidade.

A política sempre teve os seus momentos cénicos – às vezes geniais, outras vezes desastrados. Mas todos eles fazem parte da tentativa de comunicar para lá do papel e do debate formal. Higienizar a política, exigir uma solenidade constante dos candidatos, é esquecer que a política também é emoção, gesto, até imperfeição. São esses momentos que dão cor à campanha. Sem eles, teríamos apenas campanhas cinzentas, asséticas, incapazes de despertar sequer o entusiasmo do comentário televisivo.

O mais preocupante não é a moto ou a praia – é o silêncio. A ausência quase total de discussão sobre temas essenciais para o futuro do país. A sustentabilidade da segurança social, por exemplo. Sabemos que o envelhecimento da população terá um impacto profundo no modelo de Estado social tal como o conhecemos, mas o tema não apareceu. Também ninguém quis falar, com seriedade, da defesa nacional. Portugal comprometeu-se a reforçar o investimento em defesa no contexto da NATO, e isso vai significar cortes noutros setores – talvez em despesa social. Onde? Quando? Com que impacto? Silêncio.

Mais do que ações de campanha folclóricas, o que devia estar a preocupar quem ocupa o espaço público é o facto de os líderes partidários preferirem dar entrevistas a programas de entretenimento do que a meios de comunicação social. Optar por responder a perguntas simpáticas de humoristas ou participar em joguinhos com youtubers em vez de escrutínio democrático, regulado e rigoroso dos jornalistas diz muito mais dos políticos do que ações de campanha em que jogam vólei na praia, fazem corridas à beira-rio ou andam de mota na cidade.

E já que se fala tanto em indignidade, vale a pena lembrar que esta campanha podia ter sido muito mais baixa – e não foi. O caso da empresa Spinumviva, com ligações ao primeiro-ministro, tinha tudo para ser explorado até ao esgotamento. O tema irrita visivelmente Luís Montenegro, e poderia ter alimentado semanas de ataques pessoais e lama política. Mas os partidos, seja por cálculo eleitoral – percebendo que o tema não rende votos –, seja, numa versão mais ingénua, por vontade de elevar o tom da campanha, optaram por não o tornar central no debate. E isso, convenhamos, também importa reconhecer.

Talvez o problema não esteja nas campanhas, mas no olhar com que as avaliamos. Talvez o que falte não sejam candidatos mais sérios, mas comentadores e cidadãos menos distraídos com o acessório. A política precisa de mensagens mais claras, sem dúvida. Mas também precisa de palco, de forma, de vida. A culpa não é do mergulho – é de quem se afoga em superficialidades.

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