Dos tetos às rendas ao "bingo" de Pedro Nuno e de Montenegro: quão previsíveis foram os debates?

1 mai, 08:30
Bingo

Ao longo da temporada de debates, a CNN Portugal desenvolveu um "bingo" para testar quantos chavões e ideias repetidas eram usadas nos confrontos entre os candidatos. Uma técnica que, segundo os especialistas, visa criar associações no inconsciente do eleitor, mas que pode alienar quem procura aprofundar temas

Há uma linha muito ténue entre uma insistência que se torna cansativa e uma breve passagem que passa ao lado do eleitor. Ainda assim, as repetições de palavras-chave, ideias e ataques nos debates entre os candidatos às legislativas são essenciais, como apontam politólogos e especialistas em comunicação política ouvidos pela CNN Portugal. “O objetivo é chegar a uma repetição consciente, criando no eleitorado uma associação entre uma ideia e um candidato”, refere o politólogo e professor catedrático José Filipe Pinto. 

Foi com essa ideia em mente que foi lançado o Bingo da CNN, um jogo que teve como objetivo antecipar aquilo que cada um dos candidatos iria dizer no frente a frente, tendo por base discursos passados e debates anteriores. Na verdade, mais do que acertar, o objetivo desta adaptação daquele jogo era vincar o que é previsível na comunicação política na propaganda eleitoral, nas promessas de campanha e nos lugares-comuns dos candidatos e, por oposição, também aquilo que surpreende. 

Isto porque na prática, como sublinha a investigadora Susana Nina, a repetição e a previsibilidade do discurso nos debates é algo “completamente deliberado”. “A repetição constante de este tipo de chavões é completamente deliberada, tem o efeito de criar no eleitorado uma ligação entre um rosto e a política que esse rosto representa”, afirma, destacando que estes chavões “são subliminares ao inconsciente do eleitorado de uma forma inconsciente”. “São mensagens visuais, verbais e pistas que ajudam um eleitorado a tomar uma decisão”. Por outro lado, adverte, “as repetições têm também a capacidade de produzir cansaço numa fatia do eleitorado que está à procura de uma discussão mais aprofundada”. 

Assim, ao final de três semanas seguidas de debates, os resultados do Bingo da CNN chegam ao fim. Há um vencedor, há um debate em que dois cartões ficaram totalmente preenchidos e há candidatos que repetiram a mesma mensagem constantemente ao longo de todos os debates. Cada frase repetida equivale a um ponto.

Os vencedores. Luís Montenegro e Nuno Melo: 37 pontos
 

Luís Montenegro repetiu durante o debate com Pedro Nuno Santos grande parte das ideias e chavões testadas nos debates anteriores. Conseguiu um Bingo

Um dos pontos de partida do primeiro-ministro incumbente no primeiro debate que travou, a 7 de abril, contra Paulo Raimundo foi o de que, no que diz respeito à sua relação com o caso Spinumviva, a sua empresa familiar que ditou a queda do Governo, já tinha prestado “todos os esclarecimentos”. Essa foi, de resto, a ideia mais repetida por Luís Montenegro, que a trouxe para os quatro debates em que esteve presente, e que foi reforçada por Nuno Melo nas alturas em que veio substituir o líder social-democrata. 

Ao longo deste período, Luís Montenegro repetiu constantemente a ideia de que o seu Governo levou a cabo uma reforma que começou a resolver vários problemas nas áreas da saúde, habitação e justiça fiscal. Ancorado na ideia de que o seu Governo “fez mais em 11 meses do que o PS em oito anos”, Montenegro (e Nuno Melo) repetiu várias ideias-chave à volta desse tema, sendo as mais comuns, a realização de acordos com 19 carreiras da função pública e o apoio aos jovens na compra da primeira casa. 

No debate final, com Pedro Nuno Santos, o candidato da AD acabou por conseguir um bingo total, repetindo todas as frases-chave que já tinha experimentado nos debates anteriores e em declarações à imprensa. Exemplo disso foi a forma como referiu que o PS “não tem autoridade moral para criticar” o Governo por ser sectário nas suas medidas 72 horas depois de, num almoço de pré-campanha que há uma "falta de autoridade moral" de Pedro Nuno Santos. “O debate desta quarta-feira é na verdade o cúmulo de tudo aquilo que foi testado nos confrontos anteriores”, refere José Filipe Pinto. “É a altura em que se vincam as diferenças e se clarificam as propostas”.


Pedro Nuno Santos: 29 pontos 

À semelhança de Luís Montenegro, foi também no debate desta quarta-feira que Pedro Nuno Santos mais repetiu frases e ideias testadas. Também aqui conseguiu um bingo.

Ao longo dos debates, existiram três ideias que foram repetidas por Pedro Nuno Santos sequencialmente quer estivesse a debater com candidatos da esquerda ou da direita. Uma delas, que esteve presente em todos os confrontos, foi a sua proposta para que os dividendos da Caixa Geral de Depósitos sirvam para construir mais habitações públicas - a medida foi inaugurada durante no arranque do processo para a atualização do programa eleitoral e foi repetida até ao último confronto com Montenegro. Aliado a isso, o socialista reforçou também seis vezes durante os debates a sua proposta para que seja implementado o IVA Zero na alimentação. 

Já à semelhança do ano passado, sempre que confrontado sobre a possibilidade de um acordo pós eleitoral com partidos à esquerda, Pedro Nuno respondeu que, enquanto líder do PS, está “focado no cenário de vitória”. Voltou, inclusive, a dar a mesma resposta durante o debate desta quarta-feira à noite, em que o secretário-geral repetiu várias frases-chave testadas nos frente a frente anteriores, incluindo a de que a AD prometeu e falhou na saúde e de que o primeiro-ministro “governa para uma minoria”. “Pedro Nuno Santos chegou a este debate em situação desfavorável nas sondagens e, portanto, precisava de apresentar propostas que o diferenciassem da AD”. “Acabou por não trazer nenhuma proposta nova e isso penalizou-o”, considera o politólogo José Filipe Pinto.

Rui Rocha: 35 pontos

Foi no frente a frente com Pedro Nuno Santos que Rui Rocha reeditou muitos dos ataques já dirigidos durante a campanha eleitoral de 2024

O presidente da Iniciativa Liberal terminou a ronda de debates a repetir 35 frases e ideias-chave. Por um lado, um dos pontos nos quais insistiu mais ao longo dos confrontos foi a necessidade de baixar o IVA da construção para os 6%, uma proposta a que recorreu praticamente sempre que o tema da discussão se virava para a crise habitacional. Esta foi uma ideia que começou a tomar forma no discurso dos liberais durante a votação do último Orçamento do Estado e que, com a queda do Governo começou a ganhar cada vez mais espaço no discurso de Rui Rocha, que a utilizou sequencialmente nos quatro primeiros debates que teve. 

Aliado a isto, o presidente da Iniciativa Liberal trouxe para os frente a frente argumentos que têm sido comuns ao partido desde que está presente na Assembleia da República: a mais frequente é a de que o SNS “não funciona” e que é necessário “um choque fiscal” para “acelerar o país”. Já no que diz respeito aos ataques, Rocha foi dos primeiros a trazer o caso Spinumviva para os embates, repetindo, nomeadamente frente a Luís Montenegro, a ideia testada durante a moção de confiança de que o seu partido é o “responsável na sala”. Já contra Pedro Nuno Santos, o liberal regressou a ataques antigos contra o ex-ministro da Habitação. Se no ano passado, durante a campanha, o tinha acusado de ter “nódoas no currículo” pela forma como se demitiu do Governo após o caso da indemnização a Alexandra Reis. Este ano testou um enquadramento semelhante: “Quem quer governar tem de confrontar-se com o seu próprio passado”.

André Ventura: 31 pontos

Foi no confronto com o líder do PS que André Ventura repetiu mais frases já experimentadas em debates anteriores e em intervenções no Parlamento


Passando para o líder do Chega, os resultados indicam que André Ventura terminou a temporada de debates com 31 frases ou ideias repetidas. A maior incidência destas repetições aconteceu no frente a frente com Pedro Nuno Santos, o secretário-geral do PS. Nele, Ventura regressou a oito ideias-chave que já tinha testado em entrevistas e no ano passado durante o mesmo formato: entre elas, a colagem do atual líder socialista a José Sócrates e ao tema da corrupção, tal como a noção de que a política de imigração levou o país a uma situação de “vergonha” e de “bandalheira” e que é preciso avançar para uma solução de expulsão de imigrantes em situação ilegal no País. 

De resto, a expressão “bandalheira” foi uma arma discursiva recorrente pelo líder do Chega que a inaugurou logo no primeiro debate contra Inês Sousa Real e a foi colocando nos embates que teve com a maior parte dos partidos de esquerda, incluindo o Livre, PCP e Bloco de Esquerda. Nestes confrontos, foi também recorrente André Ventura repetir ataques já feitos durante os debates na campanha eleitoral anterior. Por exemplo, voltou a referir que Rui Tavares é um “avençado de George Soros”, magnata dono da Open Society que em tempos apoiou a organização European Alternatives da qual o líder do Livre fez parte. E também voltou a acusar o PAN de querer ser uma “muleta” do PS, repetindo a mesma acusação feita no debate com Inês Sousa Real em fevereiro de 2024.


Inês Sousa Real: 32 pontos

A vez que Inês Sousa Real esteve mais perto de fazer bingo foi durante o debate com André Ventura

Se há coisa que a porta-voz do PAN traz quase sempre para os debates eleitorais é o seu repertório de medidas aprovadas no Parlamento. O argumento teve várias variações ao longo dos debates desta temporada pré-eleitoral, mas a mensagem era a mesma: “com apenas uma deputada, aprovámos mais propostas dos outros grupos parlamentares” - este foi, aliás, um argumento utilizado em pelo menos cinco debates, e de forma mais intensa com André Ventura contra quem no ano passado tinha avançado com esta formulação: "12 deputados, zero medidas". Este ano, disse-o assim durante o debate com o Chega: “O PAN tem conseguido dialogar com os diferentes partidos para conseguir aprovar medidas no meio deste lodo parlamentar".

Outra das ideias que Inês Sousa Real transportou durante os diferentes debates foi a de que a isenção do imposto sobre os produtos petrolíferos atualmente em vigor “só beneficia as grandes petrolíferas e empresas como a Galp”. Empresa essa que, como referiu durante os frente a frente com Mariana Mortágua e Paulo Raimundo “lucram à conta do sacrifício e do salário dos portugueses”. Sousa Real repetiu ainda em quatro ocasiões, em debates com o Bloco, Livre, Iniciativa Liberal e PS, o chavão “não diabolizamos as empresas” que utilizou como argumento para defender a descida do IRC.

Paulo Raimundo: 31 pontos

No debate com Rui Tavares, Paulo Raimundo reforçou as suas bandeiras e repetiu sete frases e ideias chavão

Foi nos dois primeiros debates com Luís Montenegro e com Rui Tavares que o líder da CDU mais repetiu ideias e frases testadas no passado. Foram sete de cada vez e todas elas foram copiadas tanto do seu discurso de apresentação do Compromisso Eleitoral do PCP no início de abril, como de intervenções anteriores no Parlamento. Mas há uma que foi a mais frequente e que esteve presente em cinco dos seis debates em que participou: a de que a banca lucra perto de 11 milhões de euros por dia sem contribuir de nenhuma forma para as crises que o país enfrenta.

Além disso, mensagens como “Portugal não é uma província da UE”, “não trocamos saúde por armas” e a necessidade de “descer o preço da botija de gás” que, de uma forma ou de outra, acabaram por surgir em todos os outros debates. Aliado a isto, Paulo Raimundo associou um voto nos comunistas à palavra “coragem” em cinco dos confrontos em que participou, tendo reforçado a ideia da urgência de um “choque salarial” por três vezes seguidas.

Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes: 28 pontos 

Rui Tavares aproximou-se do bingo durante o debate com Paulo Raimundo

Mesmo antes de os debates começarem, o líder do Livre trouxe de novo para o centro da pré-campanha uma medida que tinha inaugurado o ano passado: a herança social, um apoio à nascença de 5.000 euros que rebaptizou de “pé de meia” após o PS ter apresentado uma medida semelhante, mas no valor de 500 euros. Esta ideia foi a mais repetida por Rui Tavares ao longo do seu percurso nesta temporada de debates, à semelhança de uma insistência na necessidade de taxar os “super-ricos” e à sua abertura para uma solução de esquerda, argumentando que Pedro Nuno Santos “não sabe governar sozinho”. 

Destaque também para a repetição de ataques diretos testados tanto nos debates das legislativas do ano passado, reeditando a aliança entre Orbán e Ventura, como em publicações no X. Um desses exemplos foi a colagem que Tavares fez da Iniciativa Liberal a Javier Milei, presidente da Argentina. Esta ideia começou por ser testada no encerramento do XV Congresso do Livre, quando Rui Tavares falou numa “aliança entre montenegrismo e motosserrismo” e, no mesmo dia, durante o confronto com Rui Rocha, concretizou-a: "CP? Afuera. RTP? Afuera. Caixa Geral de Depósitos? Afuera. Mas só as vendes uma vez, porque não vais vender todos os anos e não vais recuperar dinheiro”.


Mariana Mortágua e Joana Mortágua: 26 pontos 

Tetos nas rendas foi a ideia mais repetida por Mariana Mortágua durante os debates

Do início ao fim dos debates, a líder do Bloco de Esquerda investiu principalmente num chavão: os tetos às rendas. Inspirada sobretudo no modelo neerlandês, Mariana Mortágua repetiu esta frase-chave em todos os debates: “Os tetos das rendas funcionam e fazem falta a Portugal”, muitas vezes acompanhada desta outra: “são uma medida que baixa o preço das habitações já”. 

De resto, a líder do Bloco manteve-se fiel a três outros pontos principais durante os restantes debates: a de que Montenegro “governa para as elites”, uma crítica que tem vindo a ser mais frequente desde a votação do Orçamento do Estado, a proposta de uma taxa progressiva para as grandes fortunas, uma reivindicação do Bloco que remonta pelo menos a 2011 e que este ano tem vindo a ser acenada como uma solução para Portugal “deixar de ser um dos países mais desiguais na Europa”. E, por último, no que toca à guerra na Ucrânia, Mortágua defendeu em todos os confrontos que o País deve travar o investimento em armamento e priorizar outras áreas, como a saúde.

Decisão 25

Mais Decisão 25
IOL Footer MIN